Opinião
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24 de agosto de 2022
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08:48

O RRF e o quadro de servidores na educação do RS (por Róber Iturriet Avila, Cristina Pereira Vieceli e Anelise Manganelli)

Foto: Luiza Castro/Sul21
Foto: Luiza Castro/Sul21

Róber Iturriet Avila, Cristina Pereira Vieceli e Anelise Manganelli (*)

O Regime de Recuperação Fiscal (RRF), instituído por meio da Lei Complementar Federal nº 159, e posteriormente atualizada pelas Leis Complementares (LC) 178 e 181 objetivam fornecer instrumentos de ajuste fiscal a Estados que apresentem desequilíbrio financeiro grave.

A Assembleia Legislativa do Rio Grande do Sul (RS) aprovou autorização para adesão pelo RS em fevereiro de 2018 através da Lei 15.138/2018 e alterada pela LC 15.601/2021 e LC 15.720/2021. A partir da homologação do governo federal, o RRF do RS passou a vigorar em 01 de julho de 2022.

Tais leis estabelecem que estão vedadas a concessão, a qualquer título, de vantagem, aumento, reajuste ou adequação de remuneração,  a criação de cargo, emprego ou função que implique aumento de despesa,  a alteração de estrutura de carreira que implique aumento de despesa, a admissão ou a contratação de pessoal, ressalvadas as reposições de cargos de chefia  e de vacância de cargo efetivo, a realização de concurso público, ressalvadas as hipóteses de reposição de vacância; a propositura de ação judicial para discutir a dívida ou o contrato, entre outras vedações.

 A partir dos dados da Secretaria da Fazenda, é possível observar a trajetória declinante ao longo do tempo no número de vínculos de servidores públicos ativos do estado do RS. Destaca-se que o número de “vínculos” não é necessariamente o mesmo do que o número de servidores, pois o mesmo servidor pode ter dois vínculos, como o caso de professores que possuem dois contratos de 20 horas.

 Observando-se a partir de 1991, verifica-se que 1994 chegou ao seu ponto máximo de vínculos, com 196.083 ativos [1]. Esse valor foi decrescendo progressivamente, chegando a 140.291 no mês de maio de 2022. Ou seja, houve uma queda de 28,53% no número de vínculos. Nesse período, entretanto, a população do RS cresceu 21,4%. Nessa medida, a proporção de servidores públicos ativos no RS sobre a população saiu de 2,07% para 1,22% uma queda relativa de 41,06% do número de servidores. Queda essa que ocorreu sobretudo entre 1994 e 1999 e entre 2014 e 2020, conforme apresenta o gráfico 1.

No ano de 2021, as carreiras de magistério e segurança pública correspondiam, respectivamente, a 67% e 24% do total de vínculos e 37% e 48% da folha. Ou seja, mais de 90% dos servidores são dessas relevantes áreas de atuação do estado. O gráfico 2 explicita que grande parte da queda no número de vínculos no período recente ocorreu na área de educação.

A Secretaria de Educação foi a que mais reduziu o número de vínculos ativos em termos absolutos. No ano de 2003, havia 113.276 vínculos e em maio de 2022; 74.156, uma queda de 34,5%. Importa considerar que houve também redução nas matrículas de alunos nas escolas estaduais. Em 2003, eram 1,42 milhão de alunos; em 2021, passaram a 749 mil alunos, uma redução de 47,1% no período. Em 2003, os alunos matriculados no ensino estadual eram 53,6% do total de alunos no Rio Grande do Sul e em 2021 passaram a 34%. Os matriculados na rede municipal eram 34,3% e passaram a 45,52% no mesmo período. Tais alterações são explicadas por questões demográficas e da migração de parte dos alunos da rede pública para a rede privada, sobretudo entre 2007 e 2015.

Ao longo de mais de 30 anos a estrutura do estado do RS reduziu-se acentuadamente. Em termos proporcionais, houve uma queda relativa de 41,06% do número de servidores, sendo que mais de 90% atuam nas áreas de educação e segurança.

O RRF e o teto de gastos estabelecem que não haja elevação de servidores efetivos até 2031. Ou seja, parte-se de uma estrutura que está em queda acentuada de servidores, particularmente a partir de 2015 e mantém-se o quadro, em meio à continuidade de crescimento populacional. Tais informações podem embasar reflexões acerca dos impactos dessa expressiva redução de serviços públicos prestados à população do Rio Grande do Sul, tanto no presente quanto no futuro, uma vez que alterações dessa natureza são percebidas em um período mais extenso.

Para além da questão de reposição de pessoal, observa-se defasagem salarial dos servidores ao longo do tempo. No período de governo de Yeda Crusius (2007 – 2010), os servidores da educação receberam reajuste de 9,16%, enquanto a inflação do período medida pelo INPC/IBGE foi de 24,11%. No período do governador Tarso Genro (2011-2014 educadores tiveram aumento real, tendo recebido reajuste acumulado de 76,69%, enquanto a inflação foi de 26,48%. Já nos quatro anos subsequentes, na gestão do governador José Ivo Sartori (2015 – 2018) não houve reposição salarial, tendo atingido a inflação 25% no período. E na gestão de Eduardo Leite (2019-2022), admitindo expectativas calculadas pelo Banco Central, até dezembro de 2022, a inflação acumulada deverá chegar a 31%, tendo o mesmo, concedido reajuste via revisão geral a todos os servidores, somente em 2022, percentual, que acumulado soma 6%. Contudo, houve muitas mudanças na composição da remuneração dos educadores, em especial, a partir de 2019, com as mudanças advindas de alterações no estatuto dos servidores e sobretudo a modificação do plano de carreira do magistério, que passou a ser por subsídio. Essas mudanças impactaram de maneira diferente para cada um dos servidores. E, embora não haja consenso sobre a existência de correlação entre melhora na remuneração docente e desempenho escolar, o mapeamento adequado das ocorrências em torno das condições salariais, devem contribuir para definições de prioridades em torno da política pública, já que no Rio Grande do Sul, para além de reduções (pelo não repasse integral da inflação em diversos períodos) houve também atrasos, parcelamentos dos salários entre outros.

O Rio Grande do Sul ainda tem importantes desafios para atingir as metas do Plano Nacional de Educação (PNE). No caso do ensino médio, uma das metas estabelecidas, que tinha prazo até 2016, era de que 100% da população de 15 a 17 anos de idade estivesse frequentando a escola ou concluído a educação básica. De acordo com dados do painel de monitoramento do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (INEP), em 2020, esse percentual no estado era de 93,8%. As metas vinculadas ao ensino integral também se revelam problemáticas, pioraram nos últimos anos no estado, a meta 6 do PNE prevê que pelo menos 50% das escolas públicas, até 2024, estejam ofertando educação em tempo integral no Rio Grande do Sul. Em 2014, esse percentual era de 36,6% e, em 2020, caiu a 20,5%.

Reconhecendo as necessidades e desafios para a educação pública brasileira, o Fundeb foi instituído como instrumento permanente de financiamento da educação pública por meio da Emenda Constitucional n° 108, de 27 de agosto de 2020, e encontra-se regulamentado pela Lei nº 14.113, de 25 de dezembro de 2020. Trata-se de um Fundo para Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação de natureza contábil e de âmbito estadual, composto por recursos provenientes de impostos e das transferências dos Estados, Distrito Federal e Municípios vinculados à educação, conforme disposto nos arts. 212 e 212-A da Constituição Federal. No Rio Grande do Sul, custeia grande parte do orçamento da educação. Em 2021, por exemplo, a educação contou com orçamento na ordem de R$ 11 bilhões, sendo que destes, R$ 5,5 bilhões foram custeados com recursos do Fundeb diretamente na rede estadual e R$ 2,8 bilhões destinados aos municípios gaúchos, no âmbito do pacto da redistribuição de recursos. Contudo, a aplicação dos recursos que permanecem na rede estadual de ensino não é direcionada na sua integralidade para custear a educação, o que gera distorções e torna opaco o próprio orçamento da educação do estado, ocasionando viés em análises ao longo do tempo e comparações com outros territórios, que aplicam o Fundo conforme a legislação vigente.

Na mesma esteira da opacidade de informações está a valorização dos profissionais da educação, seja a partir da aplicação dos recursos do Fundeb, uma vez que parte desses recursos devem ser destinados para custear a folha de pagamento, seja considerando a Lei do Piso Profissional do Magistério, vigente desde 2008, mas que no estado tornou-se de difícil apuração em função de judicialização, acordos com Ministério Público e, mais recentemente, pela mudança na forma de remunerar servidores do magistério público gaúcho que passou a ser por subsídios. Essas transformações requerem métricas adequadas para um diagnóstico que melhor descreva a realidade da educação no estado.

Em relação à educação, o índice atualmente mais utilizado para avaliação da qualidade do ensino básico brasileiro bem como a eficácia dos investimentos públicos é o Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (Ideb). O Ideb foi criado em 2007, com cálculo retroativo de 2005, com o ensejo de aprimorar os indicadores existentes (Saeb e Prova Brasil). O objetivo foi incorporar os indicadores de reprovação escolar, em que se constatou que este se relaciona com o aumento da evasão. Dessa forma, buscou-se a democratização e universalização da aprendizagem, não somente do ensino (IPEA, 2019, p.8).

Nesse sentido, o índice foi desenvolvido de modo a considerar o desempenho da Prova Brasil às taxas de aprovação escolar, através da multiplicação da nota média padronizada e a taxa de aprovação. O objetivo, por conseguinte, era incentivar o investimento da parcela dos estudantes com piores desempenhos escolares (IPEA, 2019).

A despeito de críticas, o Ideb se consolidou como instrumento de política pública e síntese da qualidade da educação básica brasileira. A exemplo disso, em 2014 o índice foi incorporado ao Plano Nacional de Educação (PNE), que o tornou indicador base para o estabelecimento das metas a serem atingidas na educação básica até 2021 (IPEA, 2019).

Considerando a importância do Ideb como indicador de análise da educação básica brasileira, iremos utilizá-lo como base de análise para o ensino estadual do Rio Grande do Sul. Nesse sentido, os resultados das escolas estaduais gaúchas apontam para uma piora principalmente desde 2015 da qualidade do ensino. Elas deixaram de atingir as metas do Ideb da 4ª série desde 2017 e da 8ª série desde 2011. No caso do ensino médio, além de não atingir as metas desde 2011, houve uma pequena redução do indicador entre 2013 e 2015. Além disso, identificamos a redução da diferença entre o indicador observado e a meta projetada a partir de 2011 para a 8ª série e 3º ano e a partir de 2015 para a 4ª série (Gráfico 3).

O gráfico ilustra ainda que a piora nos indicadores do Ideb se aprofundou principalmente a partir de 2015, ano que coincide com as políticas de redução dos financiamentos na educação estadual. Embora o desempenho do ensino estadual mereça mais estudo, as reflexões acima fortalecem hipóteses de relação entre o desempenho da educação estadual e a situação funcional do estado do Rio Grande do Sul e trazem preocupações neste sentido, frente ao RRF vigente.

Nota

[1] Não serão considerados os dados de empresas e outras instituições de economia mista, as quais possuem receitas próprias e, na maior parte, são lucrativas. Ainda que a análise dessas empresas seja também relevante, foge do escopo da análise. Os dados retratados serão da estruturação dos três poderes da administração direta (Poder Executivo, Poder Legislativo e Poder Judiciário), da administração indireta (autarquias e fundações) e do Ministério Público. 

Referências bibliográficas

INEP. Inepdata, Painel de Monitoramento do PNE. Ministério da Educação. Acesso em: 17 ago 2022.

INEP. Sinopses estatísticas do Censo da Educação Básica. Brasília, DF . Acesso em: 17 ago. 2022.

Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA). ARAÚJO, Herton Ellery; CODES, Ana Luiza Machado de; UDERMAN, Leonardo. O Ideb como instrumento de gestão para uma educação de qualidade: a educação brasileira vista pelas lentes do Ideb. Textos de discussão. 2019.

RIO GRANDE DO SUL. Secretaria da Fazenda. Boletim Informativo de Pessoal. 2022. Disponível em: www.sefaz.rs.gov.br

Róber Iturriet Avila é professor do PPECO/UFRGS, diretor do Instituto Justiça Fiscal.

Cristina Pereira Vieceli é Técnica do DIEESE e professora da UDESC.

Anelise Manganelli é Técnica do DIEESE.

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As opiniões emitidas nos artigos publicados no espaço de opinião expressam a posição de seu autor e não necessariamente representam o pensamento editorial do Sul21.

 


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