Opinião
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1 de julho de 2022
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07:53

Um longo tempo de juros altos (II) (por Flavio Fligenspan)

Foto: Divulgação
Foto: Divulgação

Flavio Fligenspan (*)

Reunidos na quarta feira (29 de junho) em Portugal, no Fórum Anual do Banco Central Europeu, os presidentes dos Bancos Centrais da Europa, dos Estados Unidos e da Inglaterra, admitiram que a pandemia e o conflito na Ucrânia remodelaram a geopolítica mundial, transformando a maneira como se organiza a produção industrial, alterando preços relativos e reorganizando os blocos políticos. Também externaram que estes dois eventos de escala mundial reintroduziram o tema da inflação elevada e, passo seguinte, manifestaram que o tratamento da inflação passa a ser prioridade.

A forma tradicional de fazê-lo é conhecida, a alta dos juros, e a preocupação subjacente é acertar a dose, tanto na magnitude, quanto na duração do patamar mais alto, porque o erro pode levar à recessão. E a tentativa de corrigir o erro no meio do percurso pode levar a outro problema, o fenômeno do “stop and go”, altas e baixas do produto e do emprego, gerando instabilidade e perda de confiança no futuro por parte de empresas e de famílias. Além de ser algo não aceito pela sociedade, o “stop and go” constitui-se como um destruidor da credibilidade das autoridades monetárias. Enfim, os bancos centrais terão de lidar com um problema que não aparecia há muito tempo no mundo desenvolvido e para o qual não há parâmetros conhecidos e confiáveis. A experiência passada com este assunto já ficou bem para trás e o mundo mudou muito de lá para cá, a ponto de invalidar os parâmetros de outrora.

Já está definido que, pelo menos num primeiro momento, os bancos centrais darão ênfase ao aumento dos juros, tentando acertar a dosagem da política, e a preocupação com o PIB e o emprego vai ficar em segundo plano. Economias menos sólidas, como a brasileira, devem sofrer os impactos das decisões tomadas pelo mundo rico, tanto em relação ao aumento dos juros, como em função de uma possível recessão. Os juros mais altos por lá exigem respostas daqui, sob pena de ocorrer fuga de capital, valorização do dólar e reflexos inevitáveis na inflação local. E uma possível recessão no mundo desenvolvido diminui nossos mercados de exportação de commodities, com consequências sobre o câmbio, o PIB e o emprego. São conhecidos e temidos estes efeitos.

Para piorar o quadro, o Banco Central do Brasil (BC) saiu na frente na corrida dos juros e começou seu ciclo de alta bem antes, em março do ano passado, quando detectou aumentos de preços em função dos rearranjos econômicos da pandemia. O conflito da Ucrânia ainda estava longe de acontecer. Desde lá, saímos de uma taxa de 2% ao ano para os atuais 13,25% ao ano, um salto e tanto, cujo objetivo é conter a demanda por consumo e investimentos, mesmo admitindo-se que a inflação é essencialmente causada por forças de oferta. O fato é que esta forte elevação dos juros no Brasil, cujos efeitos mais significativos sobre o nível de atividade vão começar a aparecer somente a partir de agora, já está trazendo preocupação com uma possível recessão. Já não são poucos os economistas que projetam uma queda da atividade a partir do segundo semestre deste ano, revertendo o pequeno entusiasmo gerado com a retomada das atividades propiciado pela diminuição das restrições de circulação. Nem mesmo os incentivos eleitoreiros seriam suficientes para evitar a queda, visto que alguns ocorrem apenas uma vez – como o adiantamento do 13º do INSS e o resgate de R$ 1.000 do FGTS –, e outros são enfraquecidos pela própria inflação e pelos juros altos.

Como o efeito das altas de juros sempre é defasado em pelo menos três trimestres, acertar a dose desta política é bastante difícil, e muita gente desconfia de que já passamos do ponto. Mas o BC não comprou a ideia, projeta mais um ou dois aumentos nas próximas reuniões e dá menos importância ao outro aspecto, o de quanto tempo os juros elevados vão permanecer. O mês de junho trouxe o tema para o debate de conjuntura, colocando duas alternativas: (a) taxas ainda mais altas que as atuais, combinadas com um início de ciclo de redução logo a seguir; ou (b) final imediato do ciclo de alta, mas muitos meses de manutenção dos juros elevados e reduções só mais à frente.

A discussão ganhou força até que na semana de 20 a 24 de junho, com a divulgação da ata da última reunião do Comitê de Política Monetária do Banco Central e com manifestações públicas do Presidente e diretores do BC, uma nova possibilidade se abriu. Ela absorve o que há de pior nas anteriores: mais elevações dos juros combinadas com um período grande de manutenção das taxas altas, talvez durante todo ano de 2023. Esta opção traria um impacto grande sobre o nível de atividade, nunca esquecendo que este ciclo de alta dos juros se dá sobre uma economia muito fragilizada desde 2014 (o PIB do primeiro trimestre de 2022 ainda é menor que o de oito anos atrás).

O BC já admitiu que, em 2022, mais uma vez não vai conseguir atingir a meta de inflação pré estipulada – mesmo considerando seu limite superior –, e não admitiu ainda, mas já se sabe, que em 2023 também não terá êxito. Coleciona derrotas, portanto. Não porque há excesso de demanda na economia, uma obviedade diante da fragilidade do nível de atividade, mas porque mecanismos de indexação ainda presentes, mesmo depois de 28 anos do Plano Real, sustentam a inflação a partir de choques de oferta como os vividos nos últimos dois anos. Na verdade, o BC já está mirando em 2024, e, para tanto, sobe muito a taxa de juros, dando menos importância ao outro objetivo determinado na recente lei que blinda sua diretoria da hipótese de interferência do Executivo, a obrigação de suavizar o ciclo econômico, para preservar a saúde financeira das empresas e o emprego e a renda das famílias.

(*) Professor do Departamento de Economia e Relações Internacionais da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS)

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As opiniões emitidas nos artigos publicados no espaço de opinião expressam a posição de seu autor e não necessariamente representam o pensamento editorial do Sul21


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