Opinião
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14 de julho de 2022
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09:42

O ministro da Defesa e seu Rubicão (por Domingos Alexandre)

Foto: Marcos Correa/PR
Foto: Marcos Correa/PR

Domingos Alexandre (*)

Quando um homem sensato como o ex-chanceler Celso Amorim diz que no conflito Rússia/Ucrânia não se pode descartar a hipótese de uma guerra nuclear, questões difíceis de responder veem à tona, cobrando reflexão: Nesse contexto que transita de um mundo pós-guerra fria, onde sempre esteve presente a intenção do “pensamento único”, para uma realidade política multilateral, ou de maneira simplificada, com dois polos principais representados pelos Estados Unidos da América do Norte e pela República Popular da China, como tem se posicionado o Brasil? Internamente, como têm se portado os brasileiros? Como as Instituições têm se desincumbido do compromisso que têm ou que deveriam ter de conduzir o Brasil e sua gente a “bom porto”? Basta andar pelas ruas para saber que a coisa vai mal. No caso de se exigir dados mais objetivos, é só examinar a colocação do Brasil no ranking do PIB para concluirmos que estamos perdendo importância econômica. Nessa quadra conturbada da nossa História, cabe às Forças Armadas se posicionarem. Precisam decidir com urgência que rumo pretendem seguir, se querem que a História registre que agiram na Defesa da Constituição ou se prevaleceu interesses menos nobres e fisiológicos como a manutenção de muitos cargos bem remunerados na estrutura dos ministérios. É diante dessa bifurcação que hoje se encontra nossas Forças Armadas e nosso Ministro da Defesa. Esta é uma pergunta objetiva e respeitosa já que ninguém ignora a importância de Forças Armadas bem treinadas, bem equipadas e bem remuneradas para qualquer nação soberana.

É fácil constatar que nos governos Lula e Dilma o nosso País conquistou prestígio internacional, a Polícia Federal e o Ministério Público foram fortalecidos, submarino nuclear estava sendo desenvolvido, a Embraer Defesa e Segurança projetou e construiu o CK – 390, a economia chegou a ocupar a sexta posição mundial. Mas os equívocos daquele período também são do conhecimento de todos, expostos que foram pela grande mídia e por obras como a organizada por André Singer e Isabel Loureiro com o título de: “As contradições do Lulismo – a que ponto chegamos”. Inegável também o vezo da esquerda, ao conquistar posições de mando e ao galgar o poder, adotar, via de regra, comportamento populista e demagogo visando a obtenção dos votos necessários para se perpetuarem no poder. Sobre isto até tem um chiste que afirma: “nada mais parecido com a direita do que um esquerdista no governo”.

Examinemos rapidamente alguns dos problemas sociais graves e crônicos que sempre fizeram parte do dia-a-dia dos brasileiros: analfabetismo, racismo, prostituição, corrupção, criminalidade, impunidade, superlotação carcerária, tráfico de drogas, justiça morosa, concentração da propriedade, mídia sem regulamentação e total descaso com a Educação. Uma sociedade sem estes problemas não seria melhor para todos? Essa é pergunta feita no livro “O Nível”, da Editora Civilização Brasileira, de autoria dos pesquisadores Richard Wilkinson e Kate Pickett. Após extensas pesquisas relatadas nesta obra, os autores são categóricos: para superar esses problemas, temos que conquistar uma sociedade mais igualitária.

Por outro caminho, mas com o mesmo resultado, o professor de Economia do MIT Daron Acemoglu e o professor de Administração Pública da Harvard University James Robinson publicaram pela Elsevier Editora Ltda a obra “Por Que As Nações Fracassam” onde demonstram exaustivamente que, para uma nação dar certo e se desenvolver, o grande segredo é a tessitura e a inspiração das Leis. Segundo estes autores, uma Legislação que se aplique a todos, sem distinção e sem privilégios é condição para uma Nação bem-sucedida.

A desculpa de que as Forças Armadas devem zelar para que o Brasil não caia nas mãos de comunistas é quase infantil. Evidente que há destrambelhados extremistas à esquerda e à direita do espectro político brasileiro. Mas esses “compatriotas” não passam de dez por cento de cada lado. Então é absolutamente necessário que, não apenas as Forças Armadas, mas todas as classes e todos os segmentos sociais considerem os oitenta por cento dos brasileiros que sonham com um Brasil economicamente vigoroso e radicalmente Democrático, mas como dizem pensadores e cientistas sociais de dentro e de fora do Brasil, é preciso que nossas elites arranquem a trave dos olhos e enxerguem que o que queremos é respeito à Constituição, Legislação inclusiva e igualdade de oportunidade para todos.

Na melhor Tese de Doutorado do ano 2.000 na avaliação do Departamento de Ciência Política da USP, de autoria de Cristina Soreanu Peccequilo, publicado pela UFRGS Editora com o título de “A política externa dos Estados Unidos”, a pesquisadora diz com todas as letras que os USNA – United State of North America – nos primeiro cento e vinte anos de sua História, toda a política era voltada para interesses internos, ou seja, os USNA após 1776 trataram de se desenvolverem economicamente. Se dedicaram totalmente a construir uma grande infraestrutura, uma Educação modelar e uma Legislação inclusiva visando chegar onde chegaram. Claro que depois da Primeira Grande Guerra, passaram a querer determinar a política para além de suas fronteiras sendo esta, aliás, a explicação de muito de nossas dificuldades.

Já referimos acima os problemas crônicos que afligem os brasileiros, antes, durante e depois da ditadura civil/militar que, entre outros prejuízos, ainda favoreceu os interesses da potência do norte e que durou intermináveis vinte e um anos, época em que, se não todos, certamente a maioria dos Almirantes, Brigadeiros e Generais atuais têm lembranças. A aqueles problemas crônicos, nos últimos seis anos vieram se somar outros tão ou ainda mais graves e que ocupam as pautas diárias de todos os meios de comunicação. Denúncias de enriquecimento sem origem, rachadinhas, fraude em licitações, cocaína em avião presidencial, privatizações fraudulentas, dolarização dos combustíveis, redução dos recursos da saúde, da educação e da pesquisa científica, 6.000 militares no governo, milícias dominam 40% dos bairros cariocas, escândalo no MEC, malversação de recursos do FNDE por pastores, redução no salário de contratação de 128 profissões, orçamento secreto, centrão no controle do orçamento e, não bastasse isso tudo, agora nos defrontamos com os militares querendo se imiscuírem nos assuntos da Justiça Eleitoral, visivelmente exorbitando de suas funções. Será que nossas elites militares, ou pelo menos aqueles cultos, patriotas e de brio que nossos ex-Ministros da Defesa Nelson Jobim e Celso Amorim garantem existirem, será que não percebem que o atual governante, ridículo e incompetente como tem sido, compromete o conceito de nossas Forças Armadas?

É da natureza humana nunca se dar por satisfeito e sempre querer mais e mais. Inaceitável, mas compreensível que nossas “elites”- exitosas é bom que se diga sempre foram egoístas e míopes e jamais se empenharam na execução de um Projeto de Nação desenvolvida. A concentração da riqueza e, especialmente, o capital
especulativo com sua capacidade de ganhos tão mais rápido quanto maior o montante acumulado, é uma dificuldade enfrentada por todas as nações como demonstra magistralmente Thomas Piketty em seu livro “Capital e Ideologia” da Editora Intrínseca e é este o contexto em que nossas Forças Armadas se deparam com o seu Rubicão.  Como está é o desgoverno, o desastre, a conflagração sangrenta. No outro lado está a Constituição, a Justiça Social, a Democracia e a Nação Desenvolvida. “Alea jacta est…”

(*) Bacharel em História

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As opiniões emitidas nos artigos publicados no espaço de opinião expressam a posição de seu autor e não necessariamente representam o pensamento editorial do Sul21.

 


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