Opinião
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15 de junho de 2022
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16:51

Rol taxativo mata (por Daniela Trevisan Monteiro)

Protesto de familiares de usuários contra a aprovação do rol taxativo. (Foto: Divulgação)
Protesto de familiares de usuários contra a aprovação do rol taxativo. (Foto: Divulgação)

Daniela Trevisan Monteiro (*)

Incrédulos vamos perdendo nossos direitos um por um. No que tange o direito à saúde, a Constituição Federal de 1988, em seu artigo 196 dispõe que: “A saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para a promoção, proteção e recuperação”. No entanto, a saúde vem sendo negligenciada há muito tempo. Cito, aqui, a PEC 95/2016 que impactou diretamente os gastos da União com a saúde pública. Desvalorizando e desfinanciando o SUS, sistema de saúde mais utilizado pelos brasileiros. Em contra partida, os planos de saúde, em tempos de crise sanitária e econômica, segundo a ANS, aumentaram seu lucro em 49,5% em 2020, totalizando mais de 17,5 bilhões de lucro.

Agora, assistimos perplexos a mudança do Rol da ANS, de exemplificativo para taxativo; ou seja, há uma lista determinada de cobertura (medicações, procedimentos, terapias…) não havendo margens para outras interpretações. Em outras palavras, não está no rol da ANS, o plano de saúde não precisa custear o tratamento (com raras exceções). Para piorar, um dos que votou a favor do rol taxativo no STJ, justifica seu voto dizendo que isso é bom para o beneficiário, pois a mensalidade dos planos de saúde não subiria tanto. Ora, como pode ser bom para o beneficiário seu medicamento ou procedimento indicado pelo médico não estar no rol? Resta apenas desistir do pedido ao plano e judicializar o SUS, na torcida de uma decisão favorável rápida. Sim, rápida e muito rápida, pois a saúde não espera. Só que, infelizmente, não é assim que acontece, pode demorar.

Albert Einstein dizia que: “Duas coisas são infinitas: o universo e a estupidez humana. Mas, em relação ao universo, ainda não tenho certeza absoluta”. No lucro acima de qualquer custo, a estupidez humana impera. Só que o custo são vidas. No livro “O lucro ou as pessoas? Neoliberalismo e ordem global” de Chomsky, fica claro o paradigma neoliberal quando dito que ele faz parte de um conjunto de políticas e processos que permitem a um número pequeno de interesses particulares controlar a maior parte possível da vida social. Como consequência, entre outras, temos o aumento da desigualdade econômica e social e, uma bonança sem precedentes para os ricos.

Temos, então, o desespero de milhares de pessoas que se utilizam dos planos de saúde, para custear seus tratamentos. Logo, a gravidade do impacto dessa decisão será sentida por muitos. Suas vidas estão nas mãos dos poucos que tomam decisões, visando proteger e aumentar o lucro das empresas, no caso, dos planos de saúde, já que 17,5 bilhões não parecem ser suficientes. Tal lógica é perversa e baseada na necropolítica, na qual o Estado determina quem importa e quem não importa para a sociedade, de acordo com a manutenção de condições precárias. Trata-se da urgência de indeferir tal decisão de modo a atender a demanda desencadeada pela doença e arcar com um direito que é inalienável ao sujeito. Resta, nessa lógica, ser resistência novamente e lutar pelos direitos, na expectativa de que eles sejam restaurados o mais brevemente. O rol taxativo mata!

(*) Psicóloga, Doutora em Psicologia Social e Institucional/UFRGS, Pós-doutorado em Psicologia/UFSM, Pós-doutoranda em Psicologia Social e Institucional/UFRGS e Pesquisadora do NEST/UFRGS

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