Opinião
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30 de abril de 2022
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08:32

O fim de mais um hospital público (por Raul Pont)

Foto: Clóvis Prates / Hospital de Clínicas de Porto Alegre
Foto: Clóvis Prates / Hospital de Clínicas de Porto Alegre

Raul Pont (*)

No dia 27 de abril, em leilão patrocinado pelo Ministério da Economia, o Setor do Patrimônio da União (SPU) vendeu à empresa incorporadora e construtora de imóveis Melnick, o terreno e a área construída do antigo Hospital da Ulbra, como era conhecida a casa de saúde da rua Álvaro Alvim do Bairro Rio Branco em Porto Alegre, pelo valor de 17,5 milhões de reais.

O Hospital foi entregue à União no início do século em pagamento de dívidas tributárias e previdenciárias e, em 2010, passou a abrigar serviços do Hospital de Clínicas de Porto Alegre na área de pacientes de dependência química e alcoolismo. Para tanto o Clínicas (orçamento público) investiu em reformas e adequações em torno de 10 milhões de reais.

Após uma década, em 2020, o prédio foi devolvido ao Patrimônio da União e os serviços transferidos para as novas instalações do HCPA na Av. Protásio Alves.

Apesar da crise sanitária com a pandemia e a falta de hospitais e ambulatórios, nem governo federal, nem o Estado, nem o município demonstraram vontade e compromisso em reativar o hospital para os necessários e requeridos espaços de atendimento à saúde. Nem na crise, nem agora quando os Conselhos de Saúde do Estado e do município reivindicam espaços próprios para os sequelados do Covid ou para o atendimento das enormes filas represadas pela falta de policlínicas especializadas na capital e no Estado.

Nas recentes audiências públicas realizadas na Câmara Municipal e junto ao Ministério Público Federal para buscar saídas para o abandono do Hospital, representantes destes Conselhos registraram estas carências e demandas urgentes da comunidade gaúcha.

Abandonado, o Hospital da rua Álvaro Alvim passou a viver o drama do patrimônio público na visão privatista e liquidacionista dos serviços públicos que sofre o país sob governos neoliberais.

Abandonam-se os serviços, deterioram-se os espaços e bens públicos e aí se justifica privatizá-los a qualquer preço em grandes negócios para os especuladores.

O caso do Hospital não foge à regra. Nos últimos meses o prédio foi sendo invadido e depredado diuturnamente com o roubo de fiação, esquadrias, portas e peças de equipamentos que pudessem ser vendidas como sucata. Tudo com a complacência da empresa paga para proteger o prédio e o descaso e falta de fiscalização do Patrimônio da União. Mesmo assim, o prédio possui mais de 10 mil metros de área construída e há um ano atrás ali funcionava um hospital. Pelo valor do CUB atual, 10 mil metros de área construída custam em torno de 22 milhões de reais e o terreno do imóvel, com mais de 9,6 mil metros quadrados, no bairro Rio Branco, onde o metro quadrado gira em torno de 6 mil reais, teria valor superior a 50 milhões.

Então, qual o critério, qual a base de cálculo de um órgão público que falava em 31 milhões de reais nas projeções iniciais da venda, que em março de 2022 realizou um leilão que resultou vazio, com valor básico de 23 milhões e agora entrega o mesmo patrimônio público por 17,5 milhões?

Em valores de mercado, repito, o terreno vale 50 milhões e a área construída em torno de 22 milhões. A legalidade da venda apontada pela imprensa (ZH 28/04/22) é de que a lei n° 14011 permite via leilão diminuir o valor básico em 25% caso resulte vazio o leilão anterior. Mas qual a base de cálculo? O valor de mercado? O valor para efeito de pagamento de IPTU da Prefeitura? O valor no Registro de Imóveis? A avaliação especializada de um órgão público fidedigno?

Ora, no centro do bairro Rio Branco onde ocorre uma verdadeira febre especulativa tudo indica que o terreno vendido será para isso e os 10 mil metros de área construída, um hospital público que deveria estar prestando serviços, urgentes e requeridos pela comunidade será demolido. O bairro, como a vizinha Bela Vista que já densificou o máximo permitido pelo Plano Diretor, sofre também essa densificação limite e a especulação sabe que conta com governos sempre serviçais ao capital para abrir exceções através dos chamados projetos especiais.

Resta a esperança de que o Ministério Público Federal questione esta mágica de vender terreno e área construída no valor de aproximadamente 70 milhões, no mercado tão incensado pelos governos atuais, por 17,5 milhões, num leilão com um único comprador e em uma cidade onde não há mais que dois ou três concorrentes com potencialidade para esse tipo de negócio.

Enquanto isso, o volúvel e incompetente ex-governador que abandonou o cargo após entregar a CEEE (Companhia Estadual de Energia Elétrica) por 100 mil reais, liquidar serviços públicos e instituições históricas como a Corsan e o Instituto de Educação, não mexer um dedo para defender o CEITEC (mais importante empresa de inovação tecnológica no Estado), manter o pior arrocho salarial sobre os funcionários públicos, reaparece na TV nos programas do PSDB para, hipocritamente dizer que é alternativa contra extremismos (seu governo foi mais neoliberal que o governo federal) e que sua preocupação é “com as pessoas, com a gente do Rio Grande”. Chega de fakes, mentiras e farisaísmo.

(*) Professor e ex-Prefeito de Porto Alegre

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As opiniões emitidas nos artigos publicados no espaço de opinião expressam a posição de seu autor e não necessariamente representam o pensamento editorial do Sul21.


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