Opinião
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16 de abril de 2022
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10:15

Demolir o Anfiteatro Pôr do Sol é agredir Porto Alegre (por Gerson Almeida)

Anfiteatro durante a Copa do Mundo de 2014 | Local: Anfiteatro Pôr do Sol
Anfiteatro durante a Copa do Mundo de 2014 | Local: Anfiteatro Pôr do Sol

Gerson Almeida (*)

É amplamente reconhecido que os símbolos são parte constitutiva da história de cada sociedade, assim como de cada indivíduo. Segundo Carl Jung, eles possuem uma “totalidade simbólica, carregada de conotações especiais além do seu significado evidente e convencional. Este é o caso do Anfiteatro Pôr do Sol para Porto Alegre, uma construção que possui um significado que transcende em muito o aço e o concreto que lhe deu forma. Inaugurado, em 2000, o anfiteatro foi concebido para suportar espetáculos de todo o tipo, de óperas ao Rap, com capacidade de reunir mais de 70 mil pessoas.

Instalado às margens do Lago Guaíba, o Anfiteatro Pôr do Sol realizou uma transformação radical de uso daquele espaço – até então destinado a receber resíduos de caliça – e, também, simbolizou uma ideia de cidade na qual os espaços públicos deveriam ser dotados de equipamentos culturais capazes de comportar adequadamente todas as formas de manifestação cultural. A existência do Anfiteatro Pôr do Sol possibilitou que Porto Alegre tivesse condições de receber adequadamente eventos de natureza política e social tão distintos quanto o Fórum Social Mundial e a Copa do Mundo.

Apesar disto, a Prefeitura anunciou a demolição deste equipamento, sem realizar nenhuma discussão pública e mostrar qualquer desejo de criar alternativas para preservar uma obra que, em poucos anos, tornou-se referência urbana e social da cidade.

Essa pulsão destrutiva mostra o quanto é incômodo para o atual arranjo político no comando da cidade a convivência com equipamentos que se tornaram símbolos de um período histórico no qual houve uma vigorosa cidadania participando das decisões públicas e projetando um futuro de cidade democrática e cosmopolita, muito diferente daquela que temos hoje.

Antes de anunciar a sua demolição, de retirar de forma violenta o anfiteatro da paisagem urbana, os gestores abandonaram o lugar e perversamente deixaram que ele fosse sendo degradado e vandalizado para poderem, agora, apresentar o resultado desta ação deliberada como argumento legitimador deste ataque à memória social e cultural da cidade.

A demolição do Anfiteatro Pôr do Sol não pode ser compreendida, senão como uma tentativa de desconstrução simbólica de um dos momentos mais florescentes da cidadania na cidade, que fez Porto Alegre ser reconhecida internacionalmente como o lugar no qual havia uma novidade sendo gestada, onde as pessoas estavam sendo incorporadas na tomada de decisões e definindo as prioridades para o uso do dinheiro público. Um lugar onde o orçamento era participativo.

No lugar disto, da vida pública pulsante, querem aprofundar as fórmulas de vivência urbana comandadas pelo mercado e acelerar seus projetos de privatização da Orla do Guaíba.

Não é exagero dizer que, assim como os anfiteatros romanos evocavam a grandeza da Roma antiga, o Anfiteatro Pôr do Sol rememora o período em que a cidadania de Porto Alegre foi projetada para o mundo e mostrou uma vocação democrática e cosmopolita. Derrubar o signo, a caixa de concreto e os pilares de aço que a sustentam, não será suficiente para apagar a memória social que conferiu à esta obra o seu significado. A demolição do signo não leva o significado junto, pois a realidade mostra que um novo mundo, mais do que possível, é necessário.

(*) Sociólogo, ex-secretário do meio ambiente de Porto Alegre

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As opiniões emitidas nos artigos publicados no espaço de opinião expressam a posição de seu autor e não necessariamente representam o pensamento editorial do Sul21.


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