Opinião
|
8 de março de 2022
|
08:44

Nove anos (por Carola Chávez)

Carola Chávez (*)

Eu pensei que não podia viver sem ti. Pensei que não poderíamos viver sem ti. Era tanto o medo que não conseguia pensar. Era tanto o medo, tanta a dor que aquele “Viveremos e venceremos” era como um pontapé no coração, porque eu não sabia nem viver, nem vencer sem ti. E passaram nove anos.

 Às vezes me parece que passou um século inteiro, às vezes parece que foi somente um dia. A maioria das vezes nem sequer acredito que tenhas ido embora, porque na verdade não foste, só trocaste a forma de estar. Há que se saber como te ver. Há que se saber que essa chama que sentimos és tu. 

 Estás aqui a cada dia, com uma palavra para cada ocasião. Quando contavas para nós as coisas em tempo presente, estavas nos falando do futuro. Quando desenhavas o futuro nos deixavas um mapa para nosso hoje. 

 Lembras quando fostes na China assinar convênios com esse país do qual só conhecíamos o arroz “especial”, o rolinho primavera e o kung fu? Lembro da piadinha maldosa em todas as conversas da tevê, as sisudas análises que diziam que precisava estar louco para ir tão longe, quando logo ali acima estava o melhor dos mercados, “nosso mercado natural”, o mercado gringo, “a maior economia do mundo”, sob cujas asas devíamos nos enfiar como fracos pintos tremeliquentos e deixar-nos domesticar. Como que se pode fazer cara feia para ele? Que vergonha desse senhor!

 O mesmo ocorreu quando fostes à Rússia e ao Irã! Que coisa! Te fizestes amigo de Ahmadineyad, quem por certo segue sendo o cara que sempre foi. O que vai procurar lá se não é mais problema? – diziam acalorados os porta-vozes da resignação submissa. O mundo é como é, não há o que estar inventando… inventar é perigoso, vocês vão ver. Eles nos mostraram os dentes e as garras… nós lhes mostramos os nossos, lembras? “Váyanse pal carajo yanquis de mierda. Váyanse bien largo al carajo!”.

O século XXI nos encontrou unidos, lutando para não sermos dominados, como nos advertiu nosso General Perón, mas não tão fortemente unidos para que não nos fraturassem. Entre nossas lideranças regionais pesava ainda aquele pudor, aquele cuidado de não tocar nesse molde feito sob medida para outros, essa sagrada corda no pescoço de nossos povos que chamam democracia (burguesa) e que só aplicam para nós, nunca para quem a impõe. Mas o que estou te contando que não saibas! O que eu não sei se soubestes é que um a um os governos amigos foram dinamitados desde dentro, com traições, maus cálculos políticos, vacilações, enganos… e não estavas tu. 

 Nicolás e nós, por momentos, muitos momentos, sofremos o desprezo de nossos amigos regionais. Todos, um a um, iam caindo na cilada que impôs nosso inimigo comum, de que a Venezuela era esse país que ninguém queria ser. Venezuela é a peste. 

Eu sei que a gente fica P da vida, mas mais do que P da vida, triste, porque todos sabíamos que unidos é que não seríamos dominados, e aproveitando a vacilação, o faz de conta, o que sei lá que passou pela cabeça desses irmãos, o inimigo formidável não duvidou de lançar seu furioso golpe e agora seus povos pagam as consequências. 

Os povos sempre pagam, tu sabes. Foi porque voltou a oligarquia e com vingança. Voltou na Argentina para levar, em uns meses, a Década Conquistada e amarrar o povo argentino com uma dívida impagável de cem anos. Voltaram no Equador e fizeram o mesmo. Voltaram ao Brasil e pulverizaram o Lula e tudo aquilo que cheirasse a Lula. Voltaram na Bolívia! A volta mais dolorosa de todas, que vimos como em câmara lenta muito antes de que acontecesse. Essa creio que não terias imaginado em nenhuma de tuas visões de futuro. 

 Voltaram e devolveram os pobres à desesperança, à desesperação. Voltaram e entregaram nossos países como se fossem seus. Voltaram e fraturaram a unidade para que seu dono pudesse nos dominar melhor. 

Os povos sempre pagam. Lá porque voltaram, aqui porque não os deixamos voltar. Aqui finalmente oficializaram e endureceram o inevitável bloqueio que corresponde aos povos insubmissos.

 Chegaram todos os ataques dos quais nos advertiste. E, adivinha quem não nos deixa morrer? Tu bem sabes, aqueles países que nada tinham que ver conosco. Aqueles que no teu delírio futurista redefiniriam a ordem imposta e conformariam um mundo multipolar. Mas o louco eras tu, já sabes como é …

Castigam-nos e com cada golpe crescemos e nos reinventamos. Se eu te conto que estamos vivendo sem a renda petroleira, acreditarias? Claro que acreditarias. Tu sabias que poderíamos fazê-lo. Éramos nós os que não nos atrevíamos acreditar. Não acreditávamos, e alguns ainda não acreditam, o quão grande podemos ser. Fortes e valorosos, porque contigo na frente, como escudo, todo mundo era valente, todos super Pátria ou morte. Mas quando nos tocou botar o corpo, quando cada um de nós teve que ser um pouco tu, a coisa ficou mais complicada, mais angustiante… 

 Lembro quando íamos no caminhão (campanha eleitoral de 2012) pela cidade de Charallave e tu me contavas a angústia de sentir a angústia de todo um povo que contava contigo. Era a mesma época que eu te sobrecarregava também com minha angústia de crer que não poderia viver sem ti, que não poderíamos viver sem ti… 

 Já se passaram nove anos desde que mudaste a forma de estar com a gente, desde que todos tivemos que ser um pouquinho tu… foram nove anos de ferozes ataques, de desenganos, de dores, tristezas, anseios, mas aqui estamos de pé, lutando com toda a alma, com esse “ardimiento”, essa chama que não se apaga… aqui estamos, meu “Presi lindo”, chegando no Bicentenário da Batalha de Carabobo como tu disseste para nós: vivendo e vencendo.  

Porque acreditaste em nós antes que nós mesmos, em cada uma de nossas lutas e vitórias, grandes ou pequenas, tu estás vivendo.

 Nove anos sempre contigo, chavistamente…

(*) Jornalista e escritora venezuelana. Artigo escrito em memória da partida física do ex presidente Hugo Chávez em 5 de março de 2022.

(**) Traduzido do castelhano por Anisio Pires   

§§§

As opiniões emitidas nos artigos publicados no espaço de opinião expressam a posição de seu autor e não necessariamente representam o pensamento editorial do Sul21.


Leia também
Compartilhe:  
Assine o sul21
Democracia, diversidade e direitos: invista na produção de reportagens especiais, fotos, vídeos e podcast.
Assine agora