Opinião
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25 de março de 2022
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13:35

Leite pressiona prefeitos para chancelarem o crime de privatização da nossa água (por Jeferson Fernandes)

A Corsan atende, hoje, dois terços dos municípios do Rio Grande do Sul. Foto: Divulgação
A Corsan atende, hoje, dois terços dos municípios do Rio Grande do Sul. Foto: Divulgação

Jeferson Fernandes (*)

Em vídeo gravado durante viagem aos Estados Unidos, o governador Eduardo Leite (PSDB) reafirmou a sua disposição criminosa em privatizar a Corsan. Desesperado, apelou aos prefeitos citando a lei do novo marco regulatório do saneamento (lei federal 14.026/2020), que estabelece o prazo limite de 31 de março para que as metas de universalização da oferta de água e esgoto sejam incluídas nos contratos em vigor através de termos aditivos.

De modo autoritário, o governador havia estabelecido através de lei estadual o prazo de 16 de dezembro para que os prefeitos assinassem os aditivos com a Corsan.  O resultado dessa peitada aos municípios, que são os verdadeiros donos dos serviços de saneamento, foi a adesão de apenas 74 prefeituras das 307 com as quais a Corsan possui contratos de programa, representando apenas 24% delas. 

O grupo RBS, privatista e porta voz do grande capital, tratou de ressaltar que esses municípios representam 52% do faturamento da Corsan. Um evidente sinal ao deus mercado, comprovando o que venho denunciando há muito tempo: não há nenhuma preocupação com a universalização do saneamento, mas com uma verdadeira tomada de assalto a uma empresa superavitária que em 2020 teve um lucro líquido de quase 2 bilhões.        

O golpe contra os municípios, titulares dos serviços de saneamento, é pressioná-los a assinar aditivos aos contratos atuais, transformando esses contratos de programa (convênios entre os municípios e a Corsan) em concessões pelo período de 40 anos em caso de privatização da companhia. Ou seja, Leite quer presentear aos amigos do mercado com uma mina de ouro pública a ser explorada por quatro décadas! 

Mas isso é absolutamente ilegal, porque a lei estabelece em seu Art. 10 que o contrato de concessão com entidade que não integre a administração do titular só pode ser realizado exclusivamente por licitação. A lei não poderia ser mais clara e objetiva. 

Além disso, se for efetivada a privatização da Corsan, a imensa maioria dos municípios dará adeus aos benefícios do subsídio cruzado. Esse benefício, ofertado hoje pela Corsan pública, assegura que a companhia redistribua parte de seus lucros à mais de duzentas cidades cujas receitas não cobrem seus custos operacionais. Alguém em sã consciência acredita que os investidores privados, cujo objetivo central é arrecadar lucros fabulosos, vão mantê-los? 

E como se não bastasse tudo isso, esses grandes especuladores do capitalismo de risco zero ainda receberão uma bonificação por assumirem tão generosa função social. O dinheiro para as obras de expansão de rede de água e especialmente de esgoto não sairá dos seus bolsos. Eles receberão financiamento público do BNDES para cumprir as metas de universalização. 

Isso já está ocorrendo nos estados onde houve processo de privatização das empresas públicas de saneamento e é um verdadeiro escândalo. O governo concede um serviço para o setor privado, sob a alegação de que este pode fazer mais e melhor, mas quem financia são os cofres públicos. Essa imoralidade desmascara o discurso de que o setor privado é quem dispõe de recursos para que as metas de universalização do saneamento possam ser cumpridas.  

É chegada a hora de os prefeitos da imensa maioria dos municípios mostrarem que não irão se subordinar a um crime cuja fatura será paga pelos seus contribuintes. Eles não devem aceitar as cláusulas ilegais propostas pela atual direção da Corsan. Para tanto, existe um modelo de contrato sugerido pelo Sindiágua que assegura a inclusão das metas de universalização sem subordinar ilegalmente os municípios à gestão privada da água durante quatro décadas em caso de venda da companhia. 

Se a direção da Corsan se negar a assinar os aditivos com a exclusão das cláusulas ilegais, será o momento de endurecer o jogo para salvar a população de uma extorsão e ineficiência já experimentadas no processo de privatização do setor elétrico. Existem inúmeros recursos jurídicos que as prefeituras, titulares do saneamento, poderão lançar mão para fazer prevalecer o interesse público.

O que não é possível é que aceitem a chantagem de um sujeito mentiroso como Eduardo Leite – que prometeu em campanha eleitoral que não venderia a Corsan – e subordinem os interesses de seus municípios à essa negociata que tem as dez digitais do lobby privado da água.

Aliás, o governador hoje se revela com a face infame da traição, sequer tendo a grandeza de aceitar a derrota em uma prévia de seu partido, flertando com a candidatura à presidência por uma outra legenda. Que confiança pode inspirar um sujeito cujas palavras firmadas em público anoitecem, mas não amanhecem? 

Nas mãos desses 233 prefeitos está o futuro do saneamento público do RS. Esse é o momento da grandeza histórica. Estamos diante de uma encruzilhada, e os caminhos que se apresentam são bem nítidos. Ou mantemos o saneamento sob gestão pública direta ou indireta, ou pagaremos um alto preço por abrir mão de uma das nossas maiores riquezas e ofertá-la no altar do capital.

(*) Deputado estadual (PT-RS)

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As opiniões emitidas nos artigos publicados no espaço de opinião expressam a posição de seu autor e não necessariamente representam o pensamento editorial do Sul21.


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