Opinião
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24 de novembro de 2021
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07:13

O Brasil no mundo: a regressão econômica da última década (por Ricardo Dathein)

Desempenho da economia brasileira foi um dos piores do mundo na última década. (Foto: Jorge Araujo/Fotos Públicas)
Desempenho da economia brasileira foi um dos piores do mundo na última década. (Foto: Jorge Araujo/Fotos Públicas)

Ricardo Dathein (*)

A década dos anos 2010 foi a pior desde que existem dados para o PIB do país, a partir do ano 1901. São 12 décadas medidas, sendo a última a pior, inclusive inferior à chamada década perdida, dos anos 1980. O desempenho é abaixo da média mundial, indicando que estamos regredindo relativamente. Em 2011 o PIB brasileiro representava 3,1% do mundial, enquanto em 2020 foi de apenas 2,4%, segundo os dados do World Economic Outlook do FMI.

Também estamos regredindo de forma absoluta, pois a variação do PIB por habitante foi negativa, com uma média anual de -0,5%, totalizando 5,1% de empobrecimento médio da população brasileira de 2011 a 2020. E isso sem contar a retomada da concentração de renda. Mesmo deixando de fora o ano da pandemia, de 2020, a média anual foi negativa, em -0,1% ao ano.

Esse desempenho destaca-se como um dos piores do mundo. Excluindo um conjunto de micro ou muito pequenos países, de 2011 a 2020 a variação do PIB por habitante do Brasil só não foi pior que 11 países africanos e 6 do Oriente Médio, mais 5 países de maior importância relativa: Argentina, Grécia, Irã, Itália e Venezuela.

Excluindo o ano de 2020, pela especificidade dos efeitos econômicos da pandemia, a variação do PIB per capita do Brasil só não foi pior que 8 países africanos, 6 do Oriente Médio e outros 4 países: Argentina, Grécia, Irã e Venezuela. Desses, os dois últimos estão sob sanções econômicas dos Estados Unidos e a Grécia foi fortemente afetada pela sua forma de inserção na União Europeia.

No caso dos países africanos e do Oriente Médio, uma característica geral é a alta taxa de crescimento populacional, o que reduz as taxas de crescimento do PIB per capita. Assim, para evitar esse efeito, podemos comparar a evolução do PIB total do Brasil com o mundo. Dessa forma, de 2011 a 2019 (incluindo o ano de 2020 o resultado é quase o mesmo), somente 5 países africanos foram piores que o Brasil (República Centro Africana, Congo, Guiné Equatorial, Sudão e Sudão do Sul) e 2 do Oriente Médio (Líbano e Yemen), além de 7 mais destacados. Esses últimos são Argentina, Grécia, Irã, Itália, Portugal, Ucrânia e Venezuela. Pode-se perceber que, em geral, são países com histórico de grandes dificuldades econômicas, sob sanções dos EUA ou em conflitos armados.

De fato, a década dos anos 2010 não é homogênea, tendo havido uma piora muito intensa após 2014. Mas também se constata que, mesmo no seu início, já havia ocorrido um desempenho inferior frente à década anterior. Por exemplo, enquanto a média do crescimento do PIB de 2011 a 2014 foi de 2,4%, essa média passou a -0,5% de 2015 a 2019 (antes da pandemia). No entanto, a média de 2001 a 2010 tinha sido de 3,7%, demonstrando uma redução de ritmo na primeira fase da década seguinte. Considerando-se a produção industrial, a comparação é mais contundente. Essa produção teve variação média anual negativa de 1,8% de 2011 a 2019, tendo sido de -0,9% ao ano de 2011 a 2014 e de -2,6% ao ano de 2015 a 2019, enquanto de 2003 a 2010 tinha sido de +3,1% ao ano, em média. Ou seja, mesmo a primeira parte da década já tinha apresentado forte piora em relação à década anterior.

Mas porque o desempenho do país é tão ruim? Uma explicação fundamental é que a estrutura econômica do país, que já vinha regredindo desde 1980, continuou nessa trajetória na última década. O Índice de Complexidade do Brasil em 2011 foi de 0,74, tendo se reduzido para 0,51 em 2019 (esse índice varia de -2,5 a +2,5) (). Essa piora da qualidade da estrutura econômica (do que o Brasil produz e exporta e, portanto, também dos empregos) fez a produtividade do trabalho, ao invés de crescer, reduzir-se em 2,9% entre 2011 e 2019.

Ao mesmo tempo, essa piora da complexidade e da sofisticação da estrutura produtiva reduziu a taxa de lucro média da economia. Essa taxa foi de 11,6% em 2011, tendo diminuído para 10,0% em 2019. Com isso, os investimentos foram desestimulados, o que gerou menor dinamismo econômico. A taxa de Investimentos de 2011 foi de 21,8%, enquanto a de 2019 foi de apenas 15,4%. Isso cria um círculo vicioso. Com baixa taxa de lucro, menos se investe. Com menos investimentos, piora o desempenho da estrutura produtiva.

A continuidade dessa trajetória negativa da complexidade econômica também diminui as expectativas para o futuro. Com base no desempenho da estrutura econômica do país, o Atlas da Complexidade projeta um potencial de crescimento em 10 anos, até 2029, de 2,3% ao ano, sendo esse o 110º pior desempenho entre 133 países. As estimativas do FMI, até 2026, indicam continuidade da queda relativa do país frente ao resto do mundo. Assim, a participação do PIB brasileiro passaria dos 2,4% de 2020 para 2,2% em 2026, nos encaminhando para mais uma década de regressão.

As equipes econômicas dos governos do PT, em geral, aparentemente não se deram conta da centralidade da dinâmica da estrutura econômica. A regressão econômica, que vem desde os anos 1980, somou-se à piora do contexto internacional e ao golpe jurídico parlamentar. A primeira fase dos anos 2010, apesar de apresentar indicadores econômicos medianos, ao não conseguir enfrentar esse problema, pavimentou o caminho para o desastre. Fazendo uma analogia, pode-se dizer que, na medida em que a construção tinha baixa capacidade de sustentação estrutural, ao primeiro vento forte as rachaduras apareceram e, por fim, a casa caiu, sem grande capacidade de resistência.

Durante os dois governos Lula a economia seguiu uma trajetória abaixo do chamado produto potencial. Isso permitiu que a economia avançasse com salários crescentes e com distribuição de renda, o que fez a economia atingir a plena utilização da capacidade produtiva em 2010. Depois de 2010 e durante todo o primeiro governo Dilma a economia seguiu uma trajetória acima do produto potencial, tornando muito mais complexa a gestão econômica. Tendo em vista a mudança de contexto, as políticas anteriores passaram a provocar efeitos opostos. A taxa de lucro caiu, surgiram pressões inflacionárias e acirrou-se o conflito distributivo.

Para a direita liberal, a solução é nivelar por baixo, excluindo os pobres do orçamento e reduzindo os gastos com assalariados, via desemprego e inflação. Assim, a tendência de regressão vai continuar, a não ser que a sociedade consiga reagir contra a maioria de suas elites, acomodadas em seus privilégios. E que a esquerda perceba que apenas com políticas de estímulo à demanda não se consegue reverter a tendência de regressão da estrutura produtiva. A alternativa exige ação estatal, que aja independentemente da taxa de lucro, de forma contracíclica e no sentido de, fundamentalmente, melhorar a qualidade da estrutura produtiva, dependendo, para isso, de visão de médio e longo prazo.

(*) Professor do Programa de Pós-Graduação em Economia da UFRGS

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As opiniões emitidas nos artigos publicados no espaço de opinião expressam a posição de seu autor e não necessariamente representam o pensamento editorial do Sul21.


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