Opinião
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3 de novembro de 2021
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16:56

Marighella: uma reflexão (por Carlos Eduardo Bellini Borenstein)

Filme já teve aproximadamente 30 exibições pelo mundo e passou por festivais antes de estrear no Brasil. (Foto: Divulgação)
Filme já teve aproximadamente 30 exibições pelo mundo e passou por festivais antes de estrear no Brasil. (Foto: Divulgação)

Carlos Eduardo Bellini Borenstein (*)

Assisti nessa segunda-feira (01) o filme Marighella, do ator e cineastra Wagner Moura. Anteriormente, havia lido o livro Marighella – O guerrilheiro que incendiou o Mundo, do jornalista e escritor Mário Magalhães. Embora não tenha vivido o período autoritário (1964-1985), pois nasci no ano de 1982, tanto o filme quanto o livro impressionam.

A opção de um setor da esquerda pela luta armada, ainda hoje é motivo de controvérsias. Mesmo quem participou da opção armada como, por exemplo, o jornalista Franklin Martins, admite a luta armada “foi um erro, pois levou os melhores de nós”. Em 2018, em entrevista concedida a revista Istoé, o ex-ministro José Dirceu, afirmou que “hoje a luta armada não se justifica mais”. Naquela oportunidade, Dirceu declarou: “o que temos que fazer é a resistência popular nas ruas”. 

Assim, a história do guerrilheiro Carlos Marighella deve ser vista dentro daquele momento histórico, principalmente o contexto da Guerra Fria. Fazer leituras sobre decisões e a atuação política de Marighella durante a ditadura militar com a lente da conjuntura atual me parece um equívoco. 

Não há como dissociar a ação de Marighella da conjuntura de radicalização política à direita e à esquerda que a sociedade vivia há cerca de uma década. Em 1954, diante da intensificação da crise política, ocorre o suicídio de Getúlio Vargas, o que adia o golpe por dez anos. Depois desse trágico episódio, tivemos a turbulenta posse de Juscelino Kubitschek, em 1956, após uma nova tentativa de golpe militar. Posteriormente, ocorre a campanha da Legalidade, conduzida por Leonel Brizola, em 1961, nos dias seguintes a renúncia de Jânio Quadros – e a também turbulenta posse de João Goulart naquele mesmo ano – até desaguar no golpe militar de 1964. 

No filme Marighella chama atenção a repetição de algumas posturas do período autoritário nos dias atuais. O autoritarismo, o conservadorismo moral e a tentativa de reescrever a história estiveram presentes de 1964 a 1985 e continuam hoje. Argumentos como o “combate ao perigo comunista”, que nunca existiu para além de uma narrativa da extrema-direita, se inserem nesse contexto. 

Mesmo com o retorno do país a democracia, a partir de 1985, e os avanços democráticos ocorridos, o autoritarismo de um segmento minoritário, mas barulhento da sociedade brasileira, não foi superado. O que ocorreu na prática foi um recuo estratégico para uma posterior ofensiva neoconservadora a partir da crise que teve início com as jornadas de junho de 2013 e que culminaram na eleição de Jair Bolsonaro em 2018. 

Independente do juízo de valor que tenhamos a respeito da opção que muitos fizeram pela luta armada, Carlos Marighella e quem se entregou a opção armada, mesmo pagando o preço da própria vida, tinha um objetivo: enfrentar o aparelho repressivo do Estado, mesmo sabendo de todos os seus riscos, para tentar transmitir a sociedade brasileira, que convivia sob censura, uma mensagem de resistência, denunciando as mortes e as torturas que ocorriam no país. 

Três eventos são paradigmáticos neste sentido: 1) A resistência de Marighella no cinema, quando antes de ser preso e com uma arma apontada em sua direção, grita: “Abaixo a ditadura militar assassina! Viva a Democracia” antes levar um tiro; 2) Os “assaltos a bancos”, batizados de “expropriação revolucionária”, quando em cada operação um discurso político contra a ditadura era proferido; e 3) a audaciosa operação realizada pela Aliança Libertadora Nacional (ALN), organização que tinha Marighella como um de seus principais líderes, tomando os transmissores de rádio para divulgar seu programa revolucionário, episódio que ficou conhecido como Rádio Libertadora.

O objetivo de Marighella e da ALN era o drible na censura para difundir sua mensagem. Guardadas as devidas proporções, pode ser considerada uma operação de marketing político em pleno regime autoritário, o que irritou os militares e mostrava o tamanho da audácia de Marighella, que não por acaso foi batizado pela ditadura como “o inimigo número 1 do Brasil”.

Ao mesmo tempo, a morte de Marighella, em 1969, mostrava os limites da atuação revolucionária. No entanto, passados 52 anos de sua morte e da polêmica causada pelo filme de Wagner Moura – que somente após dois anos de sua realização está passando nos cinemas brasileiros – Marighella é um líder revolucionário constantemente lembrado, tendo conseguido transmitir o que era um dos objetivos centrais de quem optou pela luta armada: a de que houve resistência, mesmo à custa da própria vida de muitos que se entregaram a essa causa, contra a ditadura militar no Brasil.

(*) Cientista político formado pela ULBRA-RS. Possui MBA em Marketing Político, Comunicação e Planejamento Estratégico de Campanhas Eleitorais pela Universidade Cândido Mendes

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