Opinião
|
2 de setembro de 2021
|
20:22

As polícias contra o golpe (por Marcos Rolim e Alberto Kopittke)

Policiais da Brigada Militar defendendo o Palácio Piratini em 27 de agosto de 1961. (Fonte: Arquivo fotográfico
do Palácio Piratini – Museu da Comunicação Hipólito José da Costa)
Policiais da Brigada Militar defendendo o Palácio Piratini em 27 de agosto de 1961. (Fonte: Arquivo fotográfico do Palácio Piratini – Museu da Comunicação Hipólito José da Costa)

Marcos Rolim e Alberto Kopittke (*)

Há quem sustente que policiais em folga são “cidadãos comuns” e que, portanto, não haveria impedimentos a sua participação nos atos bolsonaristas programados para o próximo dia 7. Trata-se de posição insustentável que revela, na melhor hipótese, visão burocrática e alienada. Defendemos, desde sempre, que os policiais brasileiros tenham o direito de manifestação, que possam se organizar em sindicatos e reivindicar melhores condições de trabalho. Mais do que isso, propugnamos que os policiais que atuam na ponta sejam sujeitos da construção de políticas de segurança, porque a experiência que eles possuem deve ser valorizada pelos gestores. No modelo de polícia que temos, entretanto, os policiais são muito pouco ouvidos pelas corporações; são, com frequência, tratados como se possuíssem apenas a obrigação de obedecer e muitos dos que reivindicam seus direitos, são perseguidos e/ou punidos administrativamente. 

Os atos convocados para o dia 7 são propostos em um cenário específico. Não estamos falando “em tese” na participação em uma manifestação, mas da participação em um ato com claras e anunciadas intenções golpistas. A mobilização que ocorre anonimamente nas redes sociais e em aplicativos – porque seus autores têm plena consciência de que violam a lei, por isso não assumem a autoria dos comunicados e áudios – está sendo feita com base em ameaças à democracia e às instituições. Em Brasília e em São Paulo, centenas de milhares de pessoas irão se aglomerar, parte expressiva delas predisposta à violência. Entre esses, muitos poderão estar armados. Ora, em qualquer país civilizado, todas as polícias estariam mobilizadas, desde agora, examinando possíveis cenários e riscos de ruptura da ordem e da legalidade por conta desse “animus” violento e da exasperação amplamente promovida pelos extremistas.  

Por isso, os governadores devem aquartelar o máximo de seus contingentes de policiais militares e colocar todos os demais profissionais da segurança pública em prontidão. Essa é a obrigação básica dos gestores diante de um quadro de claras e anunciadas ameaças às instituições democráticas. Mais, a inteligência policial deve se dedicar intensivamente a monitorar as articulações golpistas de forma a identificar os responsáveis pelo incitamento à violência, além dos casos de insubordinação. Os gestores devem emitir ordens claras a respeito da conduta a ser observada pelos policiais, vedando a participação de qualquer um deles nas manifestações, seja pela observância dos regulamentos, seja pela necessidade de serviço extraordinário antes, durante e depois do dia 7. 

Nas jornadas de julho de 2013, quando não havia risco algum de golpe e ninguém atacava as instituições democráticas, as polícias foram aquarteladas em vários estados. Diante de um cenário de instabilidade, essa era mesmo a posição correta, para assegurar que os protestos ocorressem dentro da legalidade e para que os manifestantes fossem protegidos. Agora, a ameaça à ordem pública é muitas vezes mais grave do que em qualquer outro momento desde a promulgação da Constituição, mas as ações para protegê-la são, aparentemente, tímidas e, em alguns estados, como se viu em São Paulo, há participação ilegal de oficiais da PM em atos de convocação, em franca insubordinação. Seria essa a postura caso tivéssemos um presidente de esquerda convocando seus apoiadores para um protesto no dia da Pátria e incitando-os contra o Poder Judiciário e o Legislativo?  Seria essa a postura caso outro presidente estimulasse o MST a comprar fuzis? Agora, quando os extremistas ameaçam bloquear estradas e fechar o Congresso e o Supremo, os governadores vão dispensar seus policiais?  Esperamos que não.

O Rio Grande do Sul tem uma importante tradição de defesa da democracia cujo ponto mais alto foi, possivelmente, aquele desempenhado por Leonel Brizola na campanha pela legalidade em 1961. Uma jornada histórica que contou, assinale-se, com a participação efetiva e corajosa das polícias gaúchas e dos democratas. O que precisamos, agora, é que nossas instituições cumpram com o seu papel e que as polícias estejam inteiramente dedicadas à defesa da legalidade, de forma profissional e sem atuar como parte de qualquer contencioso político-ideológico. As polícias são instituições públicas, de vital importância para a garantia dos direitos civis e para a manutenção da democracia. Dentro delas, não deve haver espaço para quem esteja disposto a atuar como membro de uma facção política. 

(*) Marcos Rolim é Doutor e mestre em Sociologia e jornalista. Autor, entre outros, de “A Formação de Jovens Violentos: estudo sobre a etiologia da violência extrema” (Appris, 2016). Alberto Kopittke é Doutor em Políticas Públicas, diretor executivo do Instituto Cidade Segura

§§§

As opiniões emitidas nos artigos publicados no espaço de opinião expressam a posição de seu autor e não necessariamente representam o pensamento editorial do Sul21.


Leia também
Compartilhe:  
Assine o sul21
Democracia, diversidade e direitos: invista na produção de reportagens especiais, fotos, vídeos e podcast.
Assine agora