Opinião
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28 de setembro de 2021
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19:05

A urgência dos direitos humanos para uma agenda civilizatória (por Jeferson Fernandes)

Imagem de Wilhan José Gomes (Pixabay)
Imagem de Wilhan José Gomes (Pixabay)

Jeferson Fernandes (*)

Quando dou comida aos pobres,
me chamam de santo.
Quando pergunto porque eles são pobres,
chamam-me de comunista.

Dom Elder Câmara

As luzes do século XXI se acenderam iluminando os escombros de uma tragédia humana. Mais de dois séculos após o advento da Revolução Francesa, que sob o tremular das bandeiras tricolores anunciava as insígnias de liberdade, igualdade e fraternidade, a humanidade vive um drama sem precedentes. Milhões buscam sobreviver despojados dos direitos humanos mais elementares, como trabalhar, se alimentar regularmente e ter um teto para dormir. 

O Contrato Social de Rousseau jamais se realizou na plenitude para as imensas maiorias do planeta sob o império do capitalismo e jamais se realizará. À par do extraordinário desenvolvimento econômico e tecnológico vivenciado nas últimas décadas, o voraz mecanismo de concentração de renda hegemonizado pela lógica da financeirização só faz aumentar o abismo entre uma minoria de privilegiados e uma legião de excluídos dos direitos consignados nas letras mortas das leis. 

Milhares de pessoas no mundo vivem em condições sub-humanas semelhantes às dos servos que viviam sob o feudalismo diante da opulência das cortes parasitas das monarquias europeias. Segundo relatório da Oxfam Brasil, “o 1% mais rico da população mundial possui a mesma riqueza que os outros 99%, e apenas oito bilionários possuem o mesmo que a metade mais pobre da população no planeta.”

Encobertos pelo véu da indiferença, as vítimas da endeusada economia de mercado são os milhares de sem teto, sem emprego, sem-terra, sem esperança e aos quais foi negado o direito de ter no horizonte algo que pudessem chamar de futuro. E o mais perverso nesse sistema demoníaco é que a ideologia contida no doce mundo do liberalismo econômico conseguiu invisibilizar a milhares de vítimas do sistema as verdadeiras causas dessa tragédia. O sujeito nasce, cresce e morre no lodo da miséria acreditando que é vítima de uma condenação divina ou da sua incapacidade de vencer na vida. E quem assim pensa sobre a sua miserável condição humana dificilmente se revoltará contra os verdadeiros responsáveis pela sua penúria. 

No Brasil, país historicamente marcado pela violação dos direitos humanos, vivemos uma regressão sem precedentes. Após os inegáveis avanços de direitos assegurados nas esferas econômica e social pelos governos de Lula e Dilma, o povo sofre na carne as consequências da reação conservadora. O golpe contra Dilma foi para frear esses avanços e submeter a nação aos interesses de uma minoria privilegiada e vinculada ao capital internacional.  

E o bolsonarismo, com seu programa neoliberal selvagem e suas concepções culturais conservadoras e fascistas, aprofundou a desigualdade na esfera econômica e deu voz e verniz de legitimidade à uma cultura atrasada, impregnada de preconceitos e discriminação, herdada do colonialismo e da escravidão. O desenho de relações sociais esboçado pela elite brasileira joga o país no túnel do tempo, regredindo ao início do século XX. 

De acordo com o Relatório de Desenvolvimento Humano da ONU (2019), o país ocupa o 2º lugar em pior distribuição de renda no mundo. Cerca de 28% da riqueza fica nas mãos de apenas 1% da população. Ainda conforme o relatório da Oxfam Brasil, “Seis brasileiros possuem a mesma riqueza que a soma do que possui a metade mais pobre da população, mais de 100 milhões de pessoas.” Em consequência disso, temos 27 milhões vivendo abaixo da linha da pobreza e o país já caminha para atingir a marca de 15 milhões de desempregados. 

A violência e o racismo assumem proporções assustadoras. A cada ano mais de quarenta mil pessoas são assassinadas. A metade são jovens de até 29 anos. A imensa maioria negros (73%).  No contexto da pandemia, somente no estado de São Paulo a violência contra as mulheres aumentou 44,9%. Os casos de feminicídio aumentaram 46,2% no estado mais populoso do Brasil. A população LGBTQIA+ (Lésbicas, Gays, Bissexuais, Transexuais, Queer, Intersexo, Asexual e outros), vitimada pelo discurso de ódio que parte das mais altas autoridades do governo federal, sofre cada vez mais violência física e psicológica.

Nossas crianças e adolescentes, vítimas de uma sociedade que lhes nega seus direitos fundamentais, voltaram a ocupar em grande volume as ruas de nossas cidades, esmolando em sinaleiras. As comunidades indígenas da Amazônia sofrem com a invasão desenfreada de criminosos que assassinam lideranças e derrubam ilegalmente a mata para plantar soja, criar gado e explorar os recursos minerais.

Nesse contexto, atualizar uma agenda de direitos humanos para a disputa de futuro de nossa sociedade é um componente civilizatório vital. As forças democráticas terão nas eleições do ano que vem o desafio de apresentar um programa de governo que dialogue com os anseios das imensas maiorias que hoje estão alijadas dos benefícios da riqueza que produzem na sociedade e das prioridades da agenda pública.  

Portanto, priorizar a vida e a dignidade humana acima de qualquer outro interesse é dialogar com os princípios mais caros da civilização. É preciso que tenhamos ousadia e determinação para enfrentar estes tempos difíceis para que o novo possa florescer. É urgente jogar luz ao futuro para iluminar os passos de multidões que sonham e lutam por um mundo onde coexistam harmonicamente todos os mundos. Que nossa caminhada esteja à altura de nossos sonhos, semeando esperança e humanidade pelas curvas sinuosas da vida. 

(*) Deputado Estadual (PT/RS)

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As opiniões emitidas nos artigos publicados no espaço de opinião expressam a posição de seu autor e não necessariamente representam o pensamento editorial do Sul21.


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