Economia
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6 de julho de 2021
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08:58

O emprego depois da pandemia (por Carlos Henrique Horn e Virginia Rolla Donoso)

Taxa de pessoas desempregadas caiu para menor patamar desde 2014 | Foto: Helena Pontes/Agência IBGE Notícias
Taxa de pessoas desempregadas caiu para menor patamar desde 2014 | Foto: Helena Pontes/Agência IBGE Notícias

Carlos Henrique Horn e Virginia Rolla Donoso (*)

Há poucos dias, o IBGE divulgou os dados atualizados da pesquisa mensal sobre o mercado de trabalho brasileiro (PNAD Contínua). Como de hábito, a mídia destacou os indicadores do desemprego: no trimestre fechado em abril, havia 14,8 milhões de desempregados e a taxa de desocupação se manteve no patamar de 14,7% da força de trabalho. Esses indicadores revelam uma de tantas imagens possíveis da deterioração das condições de trabalho ocorrida no país em consequência da crise sanitária e do modo específico de reação do governo brasileiro. Há, todavia, outros indicadores da pesquisa do IBGE que merecem atenção, em especial aqueles que apresentam a evolução dos postos de trabalho.

A crise foi implacável em seus efeitos sobre a ocupação. Entre março e agosto do ano passado, mais de 10 milhões de brasileiros perderam trabalho e renda. Muitos simplesmente se retiraram do mercado de trabalho num primeiro momento. No segundo semestre, diante do arrefecimento da primeira onda da pandemia, o nível de ocupação voltou a crescer e foram recriados 4,5 milhões de postos de trabalho até dezembro. Mais de dois terços desse aumento, contudo, aconteceu nos segmentos de empregados no setor privado sem carteira assinada e de trabalhadores por conta própria, ou seja, em ocupações com menor rendimento e proteção legal.

O crescimento no número de postos de trabalho, no entanto, não prosseguiu durante os primeiros quatro meses de 2021, quando o país passou a sofrer uma segunda e mais intensa onda de casos da Covid-19. Em abril, o número de ocupados era quase 7% menor do que antes de iniciar a pandemia. A continuidade da crise vem comprovando que uma recuperação estável do mercado de trabalho será possível tão somente quando a pandemia for superada e tiverem sido assentadas as bases sanitárias para a atividade econômica regular. Estas, por claro, dependem do processo vacinal.

No momento em que as condições sanitárias adequadas removerem os limites para a produção econômica, valerá conjecturar sobre uma melhora geral e sustentável do mercado de trabalho. Haverá, então, uma pronta recuperação do emprego naqueles setores mais fortemente abalados pelos efeitos da pandemia, notadamente em segmentos da prestação de serviços. É provável, no entanto, que a remoção das restrições do lado da oferta não seja suficiente para fazer com que o nível da ocupação retorne rapidamente à sua posição de fins de 2019. Logo, perguntamos: quanto tempo será necessário para que as condições de dezembro de 2019 sejam restabelecidas? Naquele mês, a taxa de desemprego era de 11,0% (ante 14,7% em abril de 2021); a taxa de participação da força de trabalho, 61,9% (56,9% em abril); e o nível de ocupação, 55,1% (48,5% em abril). Sob tais condições, haveria 97,6 milhões de trabalhadores ocupados em abril, um contingente 13,5% maior do que os 85,9 milhões efetivamente apurados pelo IBGE.

Para responder à nossa pergunta, construímos um exercício simples, que desconsidera o esperado salto inicial no emprego pós-pandemia e os novos entrantes no mercado de trabalho. Tudo dependerá, por óbvio, do ritmo de crescimento da ocupação. A economia brasileira vivenciou dois ciclos de crescimento do emprego nos últimos vinte anos. O mais recente ocorreu entre março de 2017 e março de 2020, quando o nível de ocupação cresceu 1,35% ao ano, acompanhando a lenta recuperação da atividade após a recessão de 2014-16. Já nos anos de 2001 a 2014, o país beneficiou-se de um longo processo de aumento contínuo do emprego num ritmo médio de 1,86% ao ano. Estes dados ajudam na formulação de uma resposta. Se a ocupação crescer no mesmo passo de 2001-14, serão necessários quase sete anos para restaurar as condições do mercado de trabalho pré-pandemia, o que acontecerá em março de 2028. Porém, se o crescimento for mais lento e se aproximar do que ocorreu entre 2017 e 2020, o ciclo só se completará em setembro de 2030.

Ainda que o exercício se mostre bastante simplificado, ele é útil para as ponderações sobre as dificuldades da recuperação e a importância de uma política econômica com foco no emprego e nas condições de vida dos brasileiros. Suponhamos, para levar em conta o salto inicial na ocupação pós-pandemia, que este resolva metade do problema. Restarão ainda milhões de pessoas sem trabalho e os tempos do nosso exercício se situarão entre 2025 e 2027. Note-se, de outra, que não se está buscando recuperar as melhores condições do mercado de trabalho observadas no distante ano de 2014, quando a taxa de desemprego foi de 6,5% da força de trabalho, 56,9% da população em idade de trabalhar estava efetivamente ocupada e governos promoviam vacinação em massa. O que exigirá mais do que uma macroeconomia de curto prazo. Precisaremos de uma estratégia nacional de desenvolvimento.

(*) Carlos Henrique Horn – Professor da FCE/UFRGS. Virginia Rolla Donoso – Economista, DMT em Debate

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As opiniões emitidas nos artigos publicados no espaço de opinião expressam a posição de seu autor e não necessariamente representam o pensamento editorial do Sul21.


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