Opinião
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9 de julho de 2021
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09:13

Atenção Primária em Saúde de Porto Alegre tem solução! (por Carolina Santana Krieger)

"Aqueles que testemunham o fechamento de leitos do SUS temem perder seus empregos Foto: Luiza Castro/Sul21

Carolina Santana Krieger (*)

Em 2011 o Município de Porto Alegre editou Lei autorizando o Poder Executivo a criar o Instituto Municipal de Estratégia de Saúde (IMESF) sob a forma de fundação pública de direito privado para atendimento na APS (Atenção Primária de Saúde). A instituição, criada de fato em 2012, chegou a contar com 1840 profissionais de saúde (em 2019), todos ingressantes em seu quadro funcional por meio de concurso público (uma vez que a entidade pertence à administração pública indireta do Município). Por meio do IMESF, o Município conseguiu atingir a cobertura de Atenção Primária em 71%.

Necessário frisar que a cobertura de equipes de saúde da família no ano de 2018 ultrapassou 70% em Porto Alegre, um aumento substancial de quase 30% após 7 anos de implantação do IMESF. Os servidores que compõem o quadro do IMESF são médicos, enfermeiros, técnicos de enfermagem, dentistas, auxiliares e técnicos de saúde bucal, agentes comunitários de saúde e de combate a endemias, assessores jurídicos, contadores, auxiliares contábeis e assistentes administrativos.

Importante apontar que existe  um Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) por meio do qual o Município comprometeu-se, em 2007, perante o MPT, o MPF, o MPE, e o MPC, a abster-se de contratar profissionais para a Atenção Primária sem a realização de concurso público. Por causa desse TAC, ainda vigente inclusive, é que o IMESF foi criado.

Em 2014, contudo, o TJRS declarou a inconstitucionalidade da Lei que autorizou a criação do IMESF, por reconhecimento de vício formal. Conforme o TJRS, a inconstitucionalidade se devia ao fato de que inexistia a Lei Complementar prevista no art. 37, XIX, da Constituição Federal (a qual deveria definir as áreas de atuação de fundações públicas de direito privado instituídas pelo poder público). O Executivo Municipal, então, recorreu ao STF, e conseguiu a emissão de liminar para manter o IMESF em funcionamento. Um dos fundamentos da liminar concedida, além do fato de que o IMESF já estava em funcionamento e atendendo a população, foi o fato de que o STF está para pronunciar-se a respeito dessa matéria constitucional na ADI 4197, que até hoje não foi julgada.

Surpreendentemente, entretanto, em 2019, mesmo com a ADI 4197 não tendo sido julgada, a 1ª Turma do STF julgou o recurso interposto contra a decisão do STF, e decidindo por seu não recebimento. Detalhe: o não conhecimento ocorreu pela falta de assinatura do Prefeito Marchezan (interessado na extinção do IMESF) na peça recursal. Após tal fato, o governo passou a envidar todos os esforços possíveis para extinguir o IMESF e demitir seus profissionais, utilizando a decisão do STF (que sequer examinou o mérito da discussão constitucional que será decidida na ADI 4197) como pretexto para tanto.

As contratualizações dos serviços de saúde em APS tiveram início em dezembro de 2019, onde Organizações Sociais (OS) assumiram: Hospital Santa Casa, Hospital Vila Nova,  Hospital Divina Providência, Hospital da Restinga Extremo Sul, Hospital São Lucas e Instituto de Cardiologia, sendo esse último interrompido após alguns meses.

Vale salientar que as demissões promovidas em dezembro são ilegais de pleno direito porque descumprem decisão judicial proferida em 17/09/2020 pelo TRT4 (que proibia que se procedesse às demissões) na execução do TAC, e por violação ao art. 73, V, da Lei das Eleições (a qual proíbe demissões nos três meses anteriores à eleição, até a data de posse dos novos eleitos).  Cabe evidenciar, ainda, que o Município também descumpriu decisão de outro processo que dispõe que, na hipótese de haver demissão, ela deve se dar com o pagamento de todas as verbas rescisórias. Todos esses aspectos foram transgredidos pelo Município na gestão anterior. O Município segue, na gestão Melo, dando curso às irregularidades praticadas na gestão Marchezan.

Cumpre ressaltar que existem soluções para preservar-se a existência do próprio IMESF (com a aplicação da recente decisão do STF proferida na ADI 4247, a qual dispõe que as incorreções legislativas podem ocorrer no próprio âmbito do ente instituidor da fundação), ou para resguardar os empregos em outra estrutura administrativa.

Ademais,  a Prefeitura está desestruturando o sistema de saúde do Município com a decisão de extinção do IMESF. Terceirizar a saúde básica por meio das OSs também configura transgressão da legislação que rege o SUS, em especial, a Lei 8080. O Decreto nº 7.508, de 28 de junho de 2011, que regulamenta a Lei Orgânica da Saúde – Lei federal nº 8.080/90, no seu artigo 2º considera como portas de entrada os serviços de atendimento inicial à saúde do usuário do SUS. No seu artigo 8º, determina que o acesso universal, igualitário e ordenado às ações e serviços de saúde se inicia pelas Portas de Entrada do SUS e se completa na rede regionalizada e hierarquizada, de acordo com a complexidade do serviço. E, no seu artigo 9º, expressamente consigna ser a atenção primária a porta de entrada às ações e serviços de saúde nas Redes de Atenção à Saúde (RAS). Assim sendo, compete ao poder executivo municipal a contratação de profissionais para atuação na APS, atendendo à modalidade da Política Nacional de Atenção Básica (PNAB).

O panorama demonstrado apresenta as sucessivas irregularidades cometidas pelo Município no que se refere à tentativa de desmonte do IMESF, bem como os problemas relacionados à implantação da terceirização de atividade-fim – que é responsabilidade do gestor. A postura do Município culminará com a aniquilação da atenção básica do município de Porto Alegre, a qual atualmente conta com várias unidades de saúde fechadas, e com e prestação  parcial de atendimento na maioria dos serviços (vacinas, curativos, atendimentos médicos, odontológicos e de enfermagem).

A quem interessa a demissão de profissionais concursados, altamente qualificados, com ampla experiência em saúde pública e vínculo estreito com as comunidades atendidas em detrimento de processos seletivos escusos que elegem trabalhadores sem a qualificação necessária, desprovidos de experiência em APS e desconhecimento inequívoco do ofício?

Os motivos elencados para a demissão dos trabalhadores do IMESF são inaceitáveis frente ao cenário sanitário atual, às necessidades de saúde da população e ao cabal conhecimento acerca de saúde pública que esses trabalhadores apresentaram ao longo dos anos. Com o deferimento de liminar proferida pelo MPE, sob número 5028537-58.2020.8.21.0001, a qual proíbe a renovação dos contratos com as empresas terceirizadas, a situação da APS tende a piorar, pois em agosto já teremos contratos encerrados.

Os motivos elencados para a demissão dos trabalhadores do IMESF são inaceitáveis frente ao cenário sanitário atual, às necessidades de saúde da população e ao cabal conhecimento acerca de saúde pública que esses trabalhadores apresentaram ao longo dos anos. Com o deferimento de liminar proferida pelo MPE, sob número 5028537-58.2020.8.21.0001, a qual proíbe a renovação dos contratos com as empresas terceirizadas, a situação da APS tende a piorar, pois em agosto já teremos contratos encerrados.

Cabe referir ainda que em 25/06/2021, a ADPF 693, tendo como relator o Ministro Roberto Barroso, despachou para a Câmara de Vereadores, prefeito de Porto Alegre, TRJ/RS e  PMPA para a célere resolução da situação do IMESf. Há várias instituições com a idêntica natureza jurídica do IMESF e, portanto, há jurisprudência legal para o reconhecimento da legitimidade do instituto. 

Com a proximidade da audiência de conciliação entre MP/RS, MPT e PMPA acerca das alternativas para a APS municipal, marcada para 13/07, é imperativo notar que, com o conhecimento dos entes envolvidos (MPT, MP/RS, TJ/RS e PMPA) sobre a ação em curso em curso no STF, a única e definitiva solução para a APS é o reconhecimento da constitucionalidade do IMESF e a imediata reintegração dos profissionais que foram demitidos de forma arbitrária e ilegítima, afinal, em quase uma década, o IMESF ofertou assistência eficaz, eficiente, resolutiva, inclusiva, humanizada e de qualidade aos munícipes de Porto Alegre.

(*) Enfermeira, com Especialização em Saúde Coletiva e da Família, Especialização em Gestão Clínica do Cuidado e MBA em Gestão em Saúde.

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As opiniões emitidas nos artigos publicados no espaço de opinião expressam a posição de seu autor e não necessariamente representam o pensamento editorial do Sul21.


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