Opinião
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25 de junho de 2021
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08:05

Homeschooling no RS: carta branca para o negacionismo (por Alejandro Guerrero)

"Como pensar ser interessante uma educação que fique restrita ao âmbito familiar?" (Foto: Steven Weirather/Pixabay)

Alejandro Guerrero (*)

A pandemia escancarou a desigualdade que assola a vida dos brasileiros e dificultou o acesso à educação. Ao longo de 2020 e 2021 a aula “de casa” se tornou uma realidade para muitos estudantes, e foi uma saída responsável frente ao cenário de aumento de contágio e mortes por COVID-19. E com o ensino remoto muitos problemas vieram à tona: dificuldade de acessar a internet, insegurança alimentar, diminuição de denúncias de abuso infantil. Esses problemas refletem o sucateamento da educação e problemas estruturais que enfrentamos, consequência de uma política rasa de educação em tempos de pandemia.

Nesse cenário, de grandes dificuldades do ensino remoto, um processo lento de vacinação da sociedade como um todo e aprofundamento de ataques à educação pública, a Assembleia Legislativa do Rio Grande do Sul aprovou, por 28 votos favoráveis contra 21 contrários, aprovou o Projeto de Lei 170/2019. Esse projeto, nos moldes do obscurantismo e negacionismo, foi apresentado pelo deputado estadual Fábio Ostermann (Partido NOVO).

Não é novidade que alguns setores reacionários e neoliberais da sociedade tentam, há muito tempo, destruir a escola pública e o caráter democrático que a educação pública tem. Já tentaram diversas vezes destruir, seja parcelando salário, tratando a educação como mercadoria e acabando com investimentos, tornando as escolas ambientes precários. O que está por trás do Homeschooling (PL 170/2019) é a clara tentativa de ataque à profissão de educador, diminuindo a importância das professoras e professores para a sociedade como um todo. Além de abrir espaço para o negacionismo, sem nenhum parâmetro pedagógico cabível que embase que pais ou responsáveis estejam aptos a educar seus filhos a partir de casa. Essa problemática atinge especialmente o processo de socialização, que é importante e central para a formação do ser humano enquanto ser social.

A ideia de que o homeschooling é a saída para o problema de sucateamento da escola pública é uma transferência de responsabilidade do Estado, de investir em educação, para as famílias. Na verdade a Constituição Federal de 1988 e a Constituição do Estado do Rio Grande do Sul de 1989 definem a “Educação como direito de todos, dever do Estado e da família, de forma conjunta, garantindo, entre outros, o respeito aos direitos humanos e aos valores culturais, para o pleno desenvolvimento da criança e do estudante como pessoa para, principalmente, exercer sua cidadania.

Além disso, o homeschooling representa um retrocesso para a formação pedagógica das futuras gerações. A escola é o espaço que forma crianças e adolescentes para a vida; é o espaço do conhecimento científico e das relações sociais. É na escola que se aprende a conviver em grupo e a respeitar as diferenças. A escola é lugar que permite o direito ao contraditório e a uma formação crítica. Com o avanço do negacionismo e a anti-ciência, inclusive pelo próprio presidente da República, o ensino domiciliar surge como uma chave para que os pais definam, sem critérios científicos e pedagógicos, o que os estudantes aprenderão. Em tese significa dizer que os pais poderão optar entre ensinar a teoria do criacionismo e o darwinismo, por exemplo. Isso significa a destruição do conhecimento que é construído no ambiente escolar.

É por um projeto de educação democrática, popular e universal que nós resistimos e defendemos o veto ao PL170/2019. Não é possível que, com tantos problemas que a educação enfrenta atualmente (desde os cortes a nível nacional do MEC até a precarização da educação a nível estadual), setores da sociedade gaúcha defendam um absurdo que é o ensino domiciliar. Defendemos o veto porque defendemos a democracia, e entendemos que a escola pública representa o sonho de uma sociedade com justiça social.

(*) Alejandro Guerrero é vice-sul da União Brasileira de Estudantes Secundaristas (UBES)

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As opiniões emitidas nos artigos publicados no espaço de opinião expressam a posição de seu autor e não necessariamente representam o pensamento editorial do Sul21.


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