Opinião
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22 de junho de 2021
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09:05

A saga dos miseráveis do Bolsonaro (por Sergio Araujo)

No dia 19 de junho, milhares foram às ruas contra o governo de Jair Bolsonaro. Foto: Luiza Castro/Sul21
No dia 19 de junho, milhares foram às ruas contra o governo de Jair Bolsonaro. Foto: Luiza Castro/Sul21

Sergio Araujo (*)

Qual o barulho mais ensurdecedor? O das panelas batidas nas sacadas, o rugir das passeatas de protestos ou o roncar das barrigas famintas?

Não dá para dizer que foi uma surpresa o aumento da miséria. O alarme há muito já havia soado nas sinaleiras com a proliferação de cartazes com frases como “estou com fome”, e nas calçadas, canteiros e praças, com a criação de condomínios improvisados, habitados por famílias depauperadas, e no desespero dos milhões de desempregados que não conseguem prover suas famílias com o mínimo necessário para se sentir cidadãos.

São os sobreviventes do descaso. Que se sustentam com os restos de uma sociedade cada vez mais egoísta e insensível, que finge não ver o sofrimento alheio e que só sabe marginalizar e buscar a subserviência de quem já está no limite da subsistência. Desnutridos, desempregados, desamparados da ajuda governamental, os párias da dignidade humana resistem como podem.

Em meio ao esforço cotidiano de permanecerem vivos, desconhecem que para o dirigente máximo do país eles valem mais mortos do que vivos. Ou a tese do efeito manada, maquiavelicamente defendida como solução para a pandemia, não vale para o combate a miséria? Se defendem a violência como projeto de governo, onde bandido bom é bandido morto, por que pobre bom não seria pobre morto?

Mas pobre também vota. Eis a questão. E numa democracia, mesmo que ameaçada, o voto do miserável tem o mesmo peso do voto do abastado. Então é preciso fingir que a mitologia do presidente da República abrange também a comiseração com o próximo, mesmo a contragosto. A pandemia aumentou o desemprego? Então dê-lhes auxílio emergencial. Mas não muito e por pouco tempo, pois segundo Paulo Guedes a ajuda não pode estimular o ócio do desempregado.

O desemprego aumentou a fome, então é hora de mais uma demagogia do ministro da Fazenda. E a “grande sacada” do posto Ipiranga foi distribuir para os miseráveis o resto da comida não utilizada por bares e restaurantes. Alô Guedes, caia na real, isto já acontece há muito tempo, ou será que você nunca viu ou ouviu falar de indigentes buscando sobras de comida nas latas de lixo?

Ou será que já tem alguma empresa interessada em operar o segmento das sobras? Sim, pois a máxima desse desgoverno é atender o interesse do grande capital. Ou o dá o resto de graça, mas aumenta o preço do gás não faz parte da política de “dar uma no cravo e outra na ferradura”? Só falta dizer que pobre é ingrato, pois além de comida quer também o gás para esquenta-la. Como a fome não pode esperar, os miseráveis já estão dando um jeito nisso. Estão aquecendo sua comida em fogões improvisados, abastecidos com pedaços de madeira.

E é nesse instinto de sobrevivência que está a grande ameaça ao governo desumano de Jair Bolsonaro. É que pobreza não é sinônimo de alienação. Os pedintes das sinaleiras, os habitantes das marquises das ruas e das barracas de plástico das praças, mesmo desnutridos e com pouco estudo, sabem muito bem identificar oportunidades viáveis. Não é  atoa que a solidariedade é uma marca das comunidades carentes. 

Pois essa turma de descamisados, em seus locais variados de observação, estão assistindo as manifestações das ruas. Num dia veem a circulação de motos reluzentes, conduzidas por senhores bem nutridos e elegantemente trajados, dentre eles o presidente da República, defendendo a volta dos militares ao poder, o tratamento precoce para a pandemia com medicamentos ineficazes, o fechamento do Congresso Nacional e do STF e outras pautas autoritárias.  No outro dia veem multidões a pé, carregando faixas e cartazes, protestando contra o governo discriminatório de Bolsonaro e pedindo vacina e políticas de erradicação da fome e da pobreza. 

Com qual dos protestos eles mais se identificam? E quanto tempo irá demorar para que eles se incorporarem à passeata de sua preferência? E que consequência isso trará no imaginário popular? E que impacto imediato isso trará? Ou que consequência terá nas eleições do ano que vem? São essas indagações que estão levando Bolsonaro ao desespero. E ao fracasso. Inevitável. Como governar e dormir com o barulho ensurdecedor das barrigas roncando de fome? É melhor ele já ir se preparando.

(*) Jornalista

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As opiniões emitidas nos artigos publicados no espaço de opinião expressam a posição de seu autor e não necessariamente representam o pensamento editorial do Sul21.


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