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7 de outubro de 2010
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01:28

Lula diz que em oito anos de governo aprendeu a “consolidar a prática democrática”

Por
Sul 21
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Lula diz que em oito anos de governo aprendeu a “consolidar a prática democrática”
Lula diz que em oito anos de governo aprendeu a “consolidar a prática democrática”
Roosewelt Pinheiro/ABr
Foto: Roosewelt Pinheiro/ABr

Nubia Silveira *

Em entrevista aos jornalistas da agência Carta Maior e dos jornais Página 12, da Argentina, e La Jornada do México, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva fez um balanço dos seus dois mandatos. Falou sobre democracia, imprensa, América Latina e o governo de seu antecessor, Fernando Henrique Cardoso.

Lula diz que, em seus oito anos de governo, aprendeu, entre outras coisas a “consolidar a prática da democrática”. Sobre a relação com a imprensa, afirmou que respeita a liberdade de expressão e lembrou que conclui os seus dois mandatos sem nunca ter almoçado com qualquer dono de meio de comunicação. O presidente nega ter seguido a politica econômca de FHC. “Nós só chegamos onde nós chegamos porque nós fizemos as coisas diferentes”, afirmou.

Reproduzimos aqui algumas afirmações de Lula sobre os temas tratados.

O que aprendeu no governo

“Você aprende a ter mais tolerância e você aprende a consolidar a tua prática democrática, porque a convivência política na adversidade é um ensinamento estupendo para quem acredita na democracia como um valor incomensurável na arte de fazer política. E isso a gente só aprende exercitando todo santo dia. Eu não acredito que tenha uma universidade capaz de ensinar alguém a fazer política, a tomar decisão. Você pode teorizar, mas entre a teoria e a prática tem uma diferença enorme no dia a dia. E eu penso que esse é o aprendizado. Por exemplo, no segundo mandato meu, todo mundo sabe que eu tinha medo do segundo mandato. Eu tinha medo do esgotamento, eu tinha medo da chatice, eu tinha medo de que você vai repetir a mesmice.

“Quando nós criamos o PAC, na verdade nós fizemos um transplante de todos os órgãos vitais do governo e fizemos um governo novo, muito mais produtivo, muito mais eficaz, muito mais atuante, e as coisas estão acontecendo. Eu acho que isso, para mim, foi um aprendizado estupendo e que eu não quero desaprender nesse tempo em que eu vou deixar a Presidência. Eu preciso continuar aprendendo porque passar pela Presidência, enfrentar as adversidades que nós enfrentamos, e chegar ao final do mandato na situação que nós estamos chegando, eu penso que o exercício da democracia foi praticado intensamente”.

Mudança entre 2003 e 2010

“O dia que a imprensa brasileira resolver divulgar a revolução que aconteceu no Brasil, o povo vai se dar conta porque é que o governo aparece com 80% de aprovação nas pesquisas. Não é o Lula, é o governo que aparece com 80% de aprovação no oitavo ano de mandato. Qual é o fenômeno? Porque não depende da imprensa. Se dependesse da imprensa, eu teria 10, menos 10 de aprovação. Eu estaria devendo pontos. Ou seja, qual é o fenômeno? O fenômeno é que as coisas estão chegando na mão do povo. O povo está recebendo os benefícios, o povo está vendo as coisas acontecerem. E quem não falou não fez parte da história nesse período. Eu acho que essa foi a grande mudança que eu vejo de 2003 para 2010.”

Relação com a imprensa

“Eu não reclamo muito da imprensa porque eu acho que eu cheguei onde cheguei por causa da imprensa. Ela contribuiu muito para que eu chegasse onde cheguei. Portanto, eu sou um defensor juramentado da liberdade de expressão e da democracia. Agora, tem gente que confunde a democracia, a liberdade de comunicação com atitudes extemporâneas. E eu não sei se é uma coisa mundial… que não há notícias boas… não vendem jornal, talvez o que venda jornal seja só escândalo…

“Vou terminar o meu mandato sem nunca ter almoçado com nenhum dono de jornal, nenhum dono de televisão, nenhum dono de revista, durante o meu mandato. Mantive com eles uma relação democrática, respeitosa, entendendo o papel deles e querendo que eles entendessem o meu papel. Acho que muitas vezes o povo sabe das coisas boas que acontecem neste país porque nós divulgamos, em publicidade do governo, porque a internet divulga, os blogs divulgam, o blog do Planalto divulga….Mas às vezes, se dependesse de determinados meios de comunicação, eles simplesmente não falam a respeito do assunto. Alguns até dizem “olha, nós não temos interesse em fazer essa cobertura oficial, de inauguração de coisa”. Sabe, não têm interesse. Pode ser verdade…

“O dado concreto é que eu acho que se o povo fosse melhor informado, o povo saberia de mais coisas e o povo poderia fazer juízo de valor melhor, sobre as coisas. Então, para mim, a arte da democracia é essa, é as pessoas terem segurança na qualidade da informação, na lisura da informação e na neutralidade da informação. Quem acompanha a política brasileira nesse momento vai perceber que seria muito mais fácil que alguns meios de comunicação assumissem, categoricamente, o seu compromisso partidário. E aí, a gente ficaria sabendo quem é quem, mas não é assim que funciona no Brasil. Parece tudo independente, mas é só ver as manchetes que a independência termina onde começa.”

Relação com a imprensa 2

“Eu digo sempre que eu, às vezes, tenho a impressão de que tinha gente que tentava me provocar para que eu tentasse tomar uma atitude mais ríspida contra qualquer meio de comunicação, que eu tentasse fazer intervenção… E quanto mais eles me batiam, mais democracia; e quanto mais batiam, mais liberdade de expressão, até todo mundo perceber que só tem um juiz: é o leitor, o telespectador e o ouvinte. São eles que nos julgam. Ele só vai ler o que ele quiser ler e sabe interpretar, só vai assistir àquilo que assistir e sabe interpretar, e ele não quer mais intermediário, ele não quer mais o tal do formador de opinião pública. O cidadão coloca uma gravata, vai à televisão, dá uma entrevista e se autodenomina formador de opinião pública e acha que todo mundo vai segui-lo. Aí, você tem o presidente de uma Central Única, aqui no Brasil, que representa milhões de trabalhadores, esse não é formador. Então, essas coisas foram caindo por terra. O povo brasileiro não quer intermediário. Ele quer falar pela sua boca, enxergar pelos seus olhos e tomar decisões pela sua consciência. Acabou o tempo em que a “casa grande” dizia o que a “senzala” tinha que fazer, acabou.”

Esquerda latinoamericana

“A esquerda, na América Latina, fez uma opção pela democracia, e está chegando ao poder em vários países pela via da democracia. E quem dá golpe não é a esquerda. Não foi ninguém de esquerda que deu o golpe em Honduras.”

Revolução em oito anos

“Penso que nós conseguimos fazer uma revolução nesses dois mandatos, nesses oito anos de governo. Primeiro, uma coisa que aconteceu no Brasil: você tirar 27 milhões de pessoas do estágio de miséria absoluta e, ao mesmo tempo você levar 36 milhões de pessoas para a classe média brasileira não é pouca coisa. Gerar 15 milhões de empregos…
“Criamos 15 milhões de empregos em oito anos. Ao mesmo tempo, fizemos programas que atendam à parte mais pobre da população, programas simples, mas programas objetivos, como o programa Bolsa Família, como o programa Luz para Todos, como o programa PPA, que é um programa de compra de alimentos, um programa para a Agricultura Familiar.
Essas são tomadas de decisões de políticas públicas que não estavam previstas no cenário político nacional. E eu acho que o povo brasileiro vive hoje mais feliz, vive melhor, e nós temos que ter consciência de que ainda falta muita coisa para fazer no Brasil, muita, mas muita coisa para fazer no Brasil.”

Democracia x Presidência

“Eu primo muito a democracia, porque eu não sei se eu chegaria à Presidência se não fosse a democracia. Eu vejo, por exemplo, aquela foto do primeiro governo da Revolução Russa, você não tem um metalúrgico ali, na direção. E assim, normalmente, em várias revoluções, a direção é toda de classe média, intelectual… o peão está lá para trabalhar, tem pouca gente. Aí, aqui nós conseguimos democraticamente criar um partido com a maioria de trabalhadores, chegar à Presidência da República, em 20 anos.”

A elite brasileira

“A elite brasileira, em [19]54, levou Getúlio a se matar. É importante lembrar que eles diziam que Juscelino não podia ser presidente, não podia ser candidato, se fosse candidato não podia ganhar, se ganhasse, não podia tomar posse e se tomasse posse, não podia governar. Era isso que eles falavam do Juscelino em [19] 55, era isso! Essa mesma elite é a elite de hoje, às vezes, não representada pelos mais velhos, mas pelos mais novos, que herdaram não apenas o patrimônio, mas, às vezes, o mesmo comportamento e a consciência política. Esse é um dado, esse é um dado objetivo. Depois levaram João Goulart a renunciar, defenderam o golpe militar.

“Bem, quando eu chego à Presidência, pensaram duas coisas: “Bom, vamos respeitar a democracia e vamos deixar o operário chegar lá”. O operário chegou, e eles torciam, acreditavam piamente que eu iria ser um fracasso total e absoluto, e que a esquerda e seu operário metalúrgico iriam sucumbir na incapacidade de governar o país. Era esse o pensamento. O que aconteceu? O operário deu certo e começou a fazer mais do que eles, e aí eles se quedaram nerviosos.”

A elite brasileira 2

“É preciso diferenciar também que dentro da elite há vários setores. Você tem empresários brasileiros que são empresários de alta qualidade, empresários com uma forte visão nacional, com uma visão desenvolvimentista. Quando eu falo, eu falo da elite política, aqueles que decidem o destino do país. E na América Latina, nós tivemos uma mentalidade colonizada, até poucos dias. Até poucos dias, na Argentina, os governantes ficavam discutindo quem era mais amigo dos Estados Unidos, ou quem era mais amigo da Europa; aqui no Brasil, a mesma coisa. Vamos ser francos: depois do pequeno período Duhalde, com a entrada do Kirchner e da Cristina, você pode ter discordância – e é legítimo ter discordância –mas houve uma mudança na Argentina, com a visão dela do mundo de mais independência, de mais soberania. O mesmo aconteceu no Brasil, na Venezuela, no Equador, ou seja, está acontecendo no mundo.”

Democracia x direitos

“A democracia, para mim, não é meia palavra. A democracia é uma palavra inteira, só que alguns entendem por democracia apenas o direito do povo gritar que está com fome, e eu entendo por democracia, não o direito de gritar, mas o direito de comer. Essa é a diferença fundamental, essa é a diferença fundamental. Democracia, para mim, é permitir o direito à conquista, e não permitir apenas o direito ao protesto. Então, esse é um tema delicado, é um tema delicado, é um tema nervoso.”

Importância da internet

“Acho importante a revolução da internet, que muita gente ainda não compreende ou não quer compreender. Mas, hoje, tudo depois da internet está velho, tudo. Está tudo velho, porque a internet é tempo real, ou seja, eu acabo de dar uma entrevista coletiva, eu venho à minha sala, em 30 segundos, eu ligo lá, já estão todas as notícias no mundo inteiro. Não sei como é que o mundo vai sobreviver a essa avalanche de possibilidade de informações que a sociedade tem. As pessoas interagem, as pessoas interagem, as pessoas respondem, as pessoas criticam, as pessoas se sentem co-feitoras da notícia, então eu acho isso extraordinário.”

Muros segregadores

“Eu acho uma vergonha aquele muro do México e dos Estados Unidos. Acho uma vergonha, depois de toda a glorificação da derrubada do Muro de Berlim, a gente ter o muro do México e o muro de Israel. Acho muito feio para a humanidade. Eu acho que o único muro que nós deveríamos assimilar era a Muralha da China, que virou uma coisa turística. Os demais são muros segregadores, e ninguém fala nada, ninguém fala nada. Você não vê fotografia do muro separando o México dos Estados Unidos, nos meios de comunicação.”

Governo Lula x Governo FHC

“Nós só chegamos onde nós chegamos porque nós fizemos as coisas diferentes. Eu só queria dizer que quando eu tomei posse a Presidência a Petrobras valia US$ 13 bilhões. E hoje a Petrobras vale US$ 220 bilhões. Alguma coisa mudou, sabe. Quando eu cheguei aqui no governo a palavra de ordem era que o governo não poderia gastar, não poderia fazer investimentos porque tudo tinha que garantir o superávit primário. E era preciso cuidar do déficit. Ora, o que aconteceu, o que aconteceu meu filho?

“Nós que ficávamos subordinados ao FMI, nos livramos do FMI. Nós, que não tínhamos nenhuma reserva, vamos chegar no final do ano a US$ 300 bilhões de reservas. Nós, que éramos devedores, viramos credores do FMI. E a situação do Brasil mudou radicalmente, ou seja, nós incluímos os milhões de excluídos que não eram levados em conta. Nós éramos um país de economia capitalista sem capital, sem crédito, sem investimento.”

Homem de esquerda

“Eu me considero um homem de esquerda, e os resultados das políticas que nós fizemos são tudo o que a esquerda sonhava que fosse feito. Você veja uma coisa: é um pouco um paradoxo que eu seja o único Presidente que este país teve que não tem diploma universitário e sou o Presidente que mais fez universidade, e sou o Presidente que mais coloquei jovens na universidade e que mais fez escolas técnicas. Fomos os que mais geramos empregos, os que mais combatemos a pobreza, os que mais exercitamos os direitos humanos e os que mais fortalecemos a democracia.

Este Palácio aqui não é um palácio em que só entrou príncipe e primeiro-ministro. Neste palácio entra sem-teto, entram todos os representantes das minorias, entram desempregados, entram todos os movimentos. Isto aqui virou um verdadeiro palácio do povo brasileiro, e eu acho que essa é uma política de esquerda não populista, porque a direita também pode ser populista, a direita pode ser populista. Agora, o problema é que você sente no jeito de falar e nos olhos, quando um dirigente é político populista ou quando ele é um político popular. São duas coisas distintas.”

Diferença entre político popular e populista

“A diferença é que um presidente populista, ele, necessariamente, não tem que ter relação com a sociedade, não tem um compromisso com a sociedade. Você faz pesquisa de opinião pública, você sabe quais são as preferências do povo e você passa a falar aquilo que aparece como resultado na pesquisa. Um político populista, necessariamente, ele não tem uma relação com o povo muito forte. Ele decide de cima para baixo e acha que está bom. Um dirigente popular, mais demorado, mas ele prefere construir de baixo para cima, ou seja, fazendo com que a sociedade participe das decisões. Essa é a forma mais extraordinária de você praticar a governança e de você exercitar a democracia.”

Estado mais ágil

“Eu acho que nós precisamos cuidar de tornar o Estado brasileiro menos burocrático e mais ágil. E isso é muito fácil de falar e muito difícil de fazer, porque, para mexer nisso, você vai mexer com as centenas de corporações que, no fundo, no fundo, governam o Brasil. Porque são as instituições que têm o seu poder, seja do Poder Judiciário, seja da Receita Federal, seja da Polícia Federal, seja do Ministério Público…

“Ou seja, você tem instituições poderosas que, no fundo, no fundo, são as instituições que têm poder de pressão dentro do Congresso Nacional. Eu vi na Constituinte a experiência do poder de pressão da chamada sociedade organizada. O desafio está em você propor uma reforma no Estado que não seja um estupro, ou seja, que seja uma coisa construída a várias mãos, e que as pessoas percebam que cada um tem que ceder um pouco. E eu acho que tem muita coisa para ser feita, muita, muita coisa, redefinir papel de muita coisa no Brasil. Agora, esse é um processo em que você não pode ter a loucura de imaginar que num mandato de quatro anos você fará. Você tem que construir, eu diria, quase uma ação envolvendo todos os segmentos da sociedade, construir um grupo muito grande para ir pensando as reformas necessárias, discutir com o Congresso Nacional, discutir com um movimento social, e quando você estiver pronto, você fazer.”

Eterno sonhador

“Eu sou um eterno sonhador. Acredito que o que nós fizemos no Brasil foi apenas dar início ao movimento que consolidou na consciência da maioria do povo brasileiro que é possível saber fazer as coisas diferentes do que vinham sendo feitas, que é possível fazer as pessoas acreditarem que gasto com a saúde não é gasto, é investimento, que quando você dá dinheiro para os pobres é investimento, não é só quando você empresta dinheiro para um rico, quando você dá dinheiro para um pobre é investimento.

“Eu sonho que se a sociedade brasileira mantiver, para os próximos anos, a autoestima que ela tem hoje, a credibilidade que ela tem hoje no seu país e a confiança que ela tem no país, o Brasil será um país muito importante nos próximos anos. Então eu sonho com essas coisas internas para melhorar, eu sonho com a reforma do Conselho de Segurança das Nações Unidas, eu sonho com mais democratização nas instituições multilaterais e eu sonho com mais compromisso na tomada de decisões pelos países mais ricos deste mundo globalizado. Hoje, quando um país rico tiver que tomar uma decisão econômica, ele não tem que discutir apenas os benefícios e os malefícios internos, ele tem que saber qual será a repercussão da decisão em outros países que têm uma economia dependente, sobretudo neste mundo globalizado.

“Eu sonho em contribuir para o desenvolvimento da África, eu sonho em ajudar a América do Sul e a América Latina a serem mais fortes, a serem mais ricas, a se desenvolverem mais rapidamente, ou seja, eu vou morrer sonhando que eu não deveria morrer. É assim.”

Volta ao partido

“Eu não tenho mais interesse de voltar para o partido, eu não quero voltar para ser quadro do partido, fazer reunião dentro do partido. Eu já estou com 65 anos de idade. Estatisticamente, eu posso ter mais dez ou quinze anos de vida, eu acredito em estatística. Eu sei que, quando a gente completa 60 anos, cada ano, a partir dali, vale por dez. Então, eu tenho noção de tempo e eu tenho noção de que me resta menos de um quarto do tempo que eu já tive – ou um quinto – para fazer coisas que eu acredito que possam ser feitas. Então, eu tenho que definir e focar corretamente uma ou duas prioridades.”

Responsável pela compilação do que foi publicado na Carta Maior


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