Saúde
|
23 de fevereiro de 2024
|
09:44

CMS aprova parecer que aponta irregularidades em contrato de gestão do Hospital da Restinga

Por
Luís Gomes
[email protected]
Hospital da Restinga |  Foto: Guilherme Santos/Sul21
Hospital da Restinga | Foto: Guilherme Santos/Sul21

O Conselho Municipal de Saúde (CMS) de Porto Alegre, órgão de controle social da área, aprovou na noite desta quinta-feira (22) um parecer elaborado pela Secretaria Técnica (Setec) da entidade que aponta irregularidades em um contrato firmado entre a Prefeitura e a Associação Hospitalar Vila Nova (AHVN) para a gestão e execução de atividades de serviços de saúde no Hospital da Restinga e Extremo Sul (HRES). A análise versa sobre um termo aditivo que prorrogou, em agosto de 2023, a vigência do contrato entre as partes por mais cinco anos.

Leia mais: 
CMS aponta desfinanciamento do SUS no Orçamento de Porto Alegre para 2024

O parecer aponta “inúmeras irregularidades e flagrantes descumprimentos contratuais e da legislação vigente” no aditivo e diz que há indícios de improbidade administrativa no contrato, pedindo a realização de forma urgente de um novo chamamento público para prestação de serviços no Hospital da Restinga.

Coordenadora do Setec, Maria Letícia de Oliveira Garcia diz que chamou a atenção na reunião do CMS desta quinta os depoimentos de usuários do Hospital da Restinga e do Hospital de Vila Nova, administrado pela AHVN, sobre os problemas nos serviços.

“Cinco pessoas fizeram depoimentos completamente relevantes com relação a não ter o serviço de saúde necessário para sua vida, para sua condição de humanidade de continuar vivo. Foi muito forte e eu fiquem bem impactada, parece que o trabalho do Conselho é sempre enxugar gelo, por mais que a gente faça todos estes anos não dá conta, parece que escorre pelas mãos. Participei das fiscalizações no Hospital Vila Nova desde a época que ainda era privado. Depois, participamos de todo o processo do Vila Nova se transformar em um hospital 100% SUS e de toda a implantação do Hospital Restinga. Foi numa audiência pública na Restinga, chamada pelo Ministério Público a partir da pressão da comunidade da região e do CMS, na qual foi criado o Conselho Distrital da Restinga e estabelecido o cronograma para a construção do hospital. E, agora que o hospital é um fato e que foi inaugurado, ele está neste estado. O que vi ontem na plenária foram depoimentos de muito sofrimento, de pessoas que lutam uma vida inteira e não conseguem nem para si e nem para seus semelhantes e os que estão mais próximos um atendimento com dignidade. Nossa luta acaba sempre no judiciário, mas que não se sente confortável para tomar as decisões necessárias na iminência de risco de não ter o atendimento para a população”, diz.

Maria Letícia também pontuou que os relatos dos usuários servem para desconstruir a ideia vendida pela gestão anterior e a atual da cidade de que a contratualização dos serviços seria uma panacéia para a saúde de Porto Alegre. “O que se viu é uma população entregue à própria sorte e à morte, porque não há o mínimo compromisso da Prefeitura de cumprir com as suas obrigações e não estamos vendo, também, os órgãos de controle do Estado agirem com mais eficiência a fim de que as ações necessárias possam ser mais rápidas”, afirma.

O parecer aprovado (ver a íntegra ao final) destaca que, originalmente, o contrato entre Prefeitura e AVHN para a prestação de serviços no Hospital da Restinga previa o repassa mensal de R$ 3,7 milhões a partir de janeiro de 2019, sendo que R$ 2,3 milhões seriam de responsabilidade geral, R$ 1,1 milhão a cargo do governo do Estado e R$ 300 mil da Prefeitura de Porto Alegre. Este valor foi alterado em seguidos aditivos, sendo que o último, em análise no parecer, prevê um repasse mensal de R$ 5.507.222,72 entre setembro de 2023 e agosto de 2025, sendo R$ 2.528.531,50 do vínculo federal, R$ 1.000.542,78 do vínculo estadual e R$ 1.978.148,44 vínculo municipal.

Em agosto de 2022, quando da assinatura do 14º termo aditivo da colaboração entre Prefeitura e associação Vila Nova, o CMS aprovou um parecer da Setec apontando que as revisões no contrato já tinham extrapolado o limite de 30% do valor global, que é o permitido pelo decreto municipal nº 19.775 de 2017 para aditivos em contratos, destacando que não comportaria, portanto, o pedido de revisão de 6,2% solicitado à época.

Posteriormente, ainda em 2022, a Setec também apontou outros problemas na colaboração, como a falta de prestação de contas adequada, grande fluxo de movimentação bancária entre diversas contas que não a da parceria, falta de extratos e conciliação bancária, e a contratação de terceiros pela AVHN sem apresentação de orçamentos e fora do escopo do plano de trabalho e do objeto do termo de colaboração.

No parecer aprovado nesta quinta, a Setec aponta, entre outras questões, que os valores reajustados apresentam inconsistências. Um exemplo citado é o fato de que o aditivo prevê a inclusão de 10 leitos da operação inverno, de caráter temporário e sazonal, como um custo fixo contratual mensal durante toda a duração do contrato. Outro exemplo é a inclusão de um serviço de hemodiálise do plano de trabalho da colaboração não foi acompanhada da informações sobre quais serviços serão prestados e a qual área estarão vinculados. Também aponta diferença de R$936.941,27 entre os cálculos apresentados para a correção da inflação pelo IPCA e o apurado pela Setec.

O documento conclui “haver indícios de infração, ao artigo 10, da Lei 8.429/1992 que estabelece o ato de improbidade administrativa ao permitir ou concorrer para que pessoa física ou jurídica privada utilize bens, rendas, verbas ou valores públicos transferidos pela administração pública a entidade privada mediante celebração de parcerias, sem a observância das formalidades legais ou regulamentares aplicáveis à espécie; por celebrar parceria da administração pública com entidade privada sem a observância das formalidades legais ou regulamentares aplicáveis à espécie; agir para a configuração de ilícito na celebração, na fiscalização e na análise das prestações de contas de parcerias firmadas pela administração pública com entidades privadas; liberar recursos de parcerias firmadas pela administração pública com entidades privadas sem a estrita observância das normas pertinentes ou influir de qualquer forma para a sua aplicação irregular”.

Além de pedir a realização de novo chamamento público, o parecer também pede a realização de uma nova auditoria internar para apurar a execução de metas contratuais e pede a suspensão temporária da participação da Associação Hospitalar Vila de novos chamamentos públicos pelo prazo de até dois anos. Após a aprovação, o parecer agora será encaminhado aos órgãos de controle externos para conhecimento e devidas providências.

Procurada pela reportagem, a Secretaria Municipal de Saúde (SMS) informa que a Associação Hospitalar Vila Nova foi a vencedora do edital para a gestão do HRES ainda no governo anterior e que não há, no momento, previsão para publicação de um novo edital. Também pontua que o parecer foi feito após a assinatura do termo aditivo.

Loader Loading…
EAD Logo Taking too long?

Reload Reload document
| Open Open in new tab

Leia também
Compartilhe:  
Assine o sul21
Democracia, diversidade e direitos: invista na produção de reportagens especiais, fotos, vídeos e podcast.
Assine agora