Saúde
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22 de outubro de 2023
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09:36

Preconceito e desinformação impactam a saúde da mulher na menopausa e no climatério

Por
Luciano Velleda
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A insônia é um dos sintomas que afetam as mulheres no climatério. Foto: Marcello Casal Jr./Agência Brasil
A insônia é um dos sintomas que afetam as mulheres no climatério. Foto: Marcello Casal Jr./Agência Brasil

Insônia, calorões (também conhecidos como “fogachos”), alterações de humor, irritação, perda de libido. Em algum momento da vida, a mulher vai se deparar com esses sintomas, umas mais, outras menos. Trata-se de um ciclo natural e, portanto, não tem como escapar. Apesar de ser um período previsível da vida da mulher, ainda há muito desconhecimento sobre a menopausa e o climatério. No geral, impera o preconceito que relaciona as mulheres que passam por essa fase com velhice, flacidez e falta de energia.

Para enfrentar a falta de conhecimento no tema, a educadora física Márcia Selister criou o projeto “Menopausa sem Vergonha”. A iniciativa nasceu em outubro de 2020, durante a pandemia do novo coronavírus, quando ela tinha 55 anos e ainda menstruava regularmente. Uma amiga ficou espantada com tal informação. Foi o estalo para perceber que o assunto ainda é cercado de desinformação e preconceito.

“Esse nome veio porque tive a minha menarca, que é a primeira menstruação, com muita vergonha. Então queria ter uma menopausa sem vergonha”, explica Márcia.

Isolada na pandemia, ela se engajou no assunto, criou no Instagram o perfil “Meio século de mulher” e começou a publicar conteúdos e fazer lives. A primeira transmissão ao vivo foi com a médica Carla Vanin, ginecologista e chefe do Hospital Santa Clara, da Santa Casa. Geriatra, nutricionista, cardiologista, sexóloga e outras profissionais da área da saúde também participaram das conversas.

“Junto com a falta de informação vem a questão dos mitos e tabus. O que se sabe sobre a menopausa é que é o ‘fim da mulher’. É o fim do período reprodutivo sim, mas se considera que a mulher fica velha. Ela não pode mais reproduzir então ela não serve mais para nada”, analisa Márcia, destacando o senso comum predominante sobre o tema.

Numa pesquisa feita por ela, quatro de cada cinco mulheres não sabiam o que era climatério. A educadora física avalia que a menopausa costuma ser equivocadamente associada aos calorões que a mulher sente e a outros sintomas, porém a menopausa é a última menstruação. Todos os sintomas e o período ao redor da menopausa é chamado de climatério.

“É nesse tipo de coisa que reside a falta de informação. O climatério pode começar dez anos antes da menopausa”, explica. No Brasil, a idade média das mulheres quando ocorre a última menstruação varia entre 48 e 52 anos. Assim, uma mulher que entrará na menopausa aos 48 anos, pode começar a ter sintomas a partir dos 38 anos.

Os ciclos de vida da mulher estão muito relacionados aos hormônios, principalmente o estrogênio, cujo ápice de produção é em torno dos 35 anos de idade. Depois dessa idade, a produção de estrogênio começa a cair e a menopausa é o fim dessa produção hormonal.

“Uma mulher de 40 anos já está no climatério mesmo que não tenha sintomas. E se ela tem sintomas, muitas vezes pensa que está com depressão, pensa que está ficando louca, pensa que não vai mais conseguir fazer as coisas, porque ela não tem a informação de que isso é uma coisa fisiológica. É esse tipo de informação que a gente precisa levar para as mulheres entenderem”, afirma.

Sintomas conhecidos da tensão pré-menstrual (TPM) podem se intensificar durante o climatério porque a queda dos hormônios é um pouco mais acentuada. As alterações de humor e a irritabilidade, por exemplo, são sintomas do climatério que causam desconforto tanto às mulheres como para quem convive com ela. Entender as razões desses sintomas, portanto, pode ser a chave para buscar ajuda e melhorar a qualidade de vida. Há tratamentos de reposição hormonal e, mais recentemente, com princípios ativos da maconha, como THC e CBD.

“Têm mulheres que é bem difícil conviver com elas, porque não sabem, então não existe aquele diálogo do tipo: ‘Olha, hoje estou naqueles dias’”, comenta Márcia, remadora cujo ápice no esporte ocorreu em 2015, aos 50 anos, com a conquista do título mundial de remo master, na Austrália.

Além da insônia, calorões e irritabilidade, há outros sintomas menos conhecidos, mas não menos importantes. É o caso da síndrome geniturinária, que afeta todo o sistema urinário e reprodutor feminino causando, por exemplo, o ressecamento vaginal.

“É uma coisa bem importante das mulheres entenderem que acontece por causa do hormônio, o hormônio ajuda a lubrificar, então a perda hormonal vai causar o ressecamento”, explica a educadora física. Por conta disso, podem surgir fissuras na vagina, causando dor na relação sexual com penetração, o que afeta diretamente a vida sexual da mulher e do seu parceiro. “Tudo isso, se a mulher não sabe o que está acontecendo, não consegue falar e, muitas vezes, leva a desentendimentos, inclusive agressões. Então é muito sério. Tudo isso precisa ser muito falado, mas de forma responsável.”

Márcia Selister não tem dúvida de que os tabus da menopausa e do climatério são consequências de uma sociedade machista que retira o valor dos ciclos femininos. Por isso, ela avalia, a menstruação sempre foi colocada como algo sujo: o sangue como algo que cheira mal, anti-higiênico.

“A mulher nunca pôde olhar para o seus círculos. Não faz muito tempo que a gente consegue falar de menstruação numa boa e ainda existe preconceito. São tantas as questões que envolvem essa sociedade machista, patriarcal e fálica, em que tudo gira ao redor do homem”, pondera.

No caso da menopausa e do climatério, diz que há o agravante da mulher estar “velha” numa sociedade onde a mulher tem que ser sempre linda, feliz e dinâmica. Em contraponto, a queda hormonal do homem, com o hormônio da testosterona, ocorre de modo mais lento e se estende até por volta dos 70 anos. As mudanças também acontecem para os homens e igualmente o assunto não é muito falado abertamente. Porém, para eles ainda há o componente social de que o homem de cabelos grisalhos é “charmoso” e a “barriguinha” pode ser “sexy”. Para a mulher, nada disso vale. A regra social imposta é outra.

“A mulher tem que aguentar tudo, senão é ‘mimimi’. E o homem não, está sempre bem. A sociedade cobra é da mulher que está de cabelo branco e engordou”, lamenta.

Climatério, menopausa e saúde da mulher foram pautas de reunião na Câmara de Porto Alegre. Foto: Paulo Ronaldo Costa/CMPA

Depois de percorrer os corredores da Câmara de Porto Alegre por quase seis meses buscando apoio de vereadoras, a Comissão de Saúde e Meio Ambiente (Cosmam) realizou, na última terça-feira (17), uma reunião para tratar sobre climatério, menopausa e a saúde da mulher. A proponente da pauta foi a vereadora Mônica Leal (PP).

No encontro, ela ressaltou que, como procuradora especial da mulher, recebeu a demanda pela pauta de muitas mulheres, a fim de desmistificar as questões relativas à menopausa e ao climatério. “A menopausa em si tem períodos muito delicados na vida da mulher, principalmente por serem considerados tabu”, disse Mônica. A vereadora também falou da dificuldade em encarar o envelhecimento e o quanto isto está ligado à idade reprodutiva da mulher.

Representando a área técnica da Saúde da Mulher da Secretaria Municipal da Saúde (SMS), Márcia Grutcki explicou que a menopausa, propriamente dita, caracteriza-se pelo fim da menstruação e que o climatério é a fase de transição, quando a mulher passa do período reprodutivo para o período não reprodutivo. “A mulher para de reproduzir, mas a vida continua, e continua muito bem”, afirmou.

Ela contou que na rede de saúde é feita uma anamnese para saber o histórico da paciente que está entrando no climatério, assim como um trabalho de prevenção de doenças comuns nessa fase, como osteoporose e as cardiovasculares; além de uma abordagem dos principais sintomas, como irritabilidade, calorões, depressão, insônia, diminuição da libido, aumento de peso, entre outros. Márcia Grutcki afirmou que há uma área de consultas especializadas no climatério disponíveis no Hospital de Clínicas, na Santa Casa, e nos hospitais Fêmina e Conceição. “No momento, a gente tem 38 usuárias aguardando consulta e o tempo de espera para agendamento é de 30 dias”, esclareceu.

A chefe do Serviço de Ginecologia do Hospital Santa Clara, Carla Vanin (que participou da primeira live transmitida pela educadora física Márcia Selister), enfatizou sua preocupação com a divulgação equivocada feita em redes sociais a respeito da menopausa e da “venda” da ilusão de juventude eterna. A ginecologista destacou a perda da qualidade de vida da mulher em razão da mudança hormonal, com mudanças de humor por vezes bruscas. “A situação hormonal feminina é uma montanha-russa”, afirmou.

Carla destacou o quanto é importante buscar tratamento para amenizar os sintomas que acometem as mulheres nesse período. “O último manual de menopausa e climatério do Ministério da Saúde data de 2008, muita coisa mudou desde então, muita evolução em termos de tratamento”, criticou a médica, completando que os tratamentos disponíveis no SUS são irrisórios.

Articuladora da audiência, a remadora Márcia Selister avalia que o objetivo da reunião foi debater a criação de políticas públicas para mulheres na menopausa e climatério. A partir do diálogo entre sociedade civil, profissionais da saúde e poder público, ela almeja que seja possível modificar a estrutura que, atualmente, envolve apenas políticas públicas para mulheres mais jovens na fase reprodutiva e mulheres idosas. A mulher entre 35 e 65 anos, diz Márcia, está numa espécie de limbo, no que se refere a políticas públicas de saúde. “O Ministério da Saúde tem algumas ações, mas são poucas. Alguns estados estão dando passos para criarem políticas públicas, mas efetivamente, praticamente não tem nada.”

Ela espera que a audiência pública renda frutos, como a atualização do “Manual de atenção à mulher no climatério”, do Ministério da Saúde, elaborado em 2008, e a preparação nos atendimentos em postos de saúde. “A gente precisa levar conhecimento para os postos de saúde, para que as pessoas que recebem essas mulheres, possam ter o mínimo de conhecimento e de informação para acolher essa mulher, e explicar pelo o quê ela está passando, que não deve se preocupar, que é uma fase, uma coisa fisiológica, que ela não está ficando louca e que tem tratamento”, explica.

Certa vez, o médico Drauzio Varella disse que “se os homens parissem, o aborto seria legalizado há muito tempo, e no mundo todo”. Uma sociedade tão machista e patriarcal não aceitaria que o homem não tivesse controle sobre o próprio corpo. A desinformação e o preconceito em torno da menopausa e do climatério parece seguir o mesmo curso. Se fosse com o homem, políticas públicas de saúde e tratamentos provavelmente teriam maior visibilidade.


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