Saúde
|
21 de junho de 2023
|
13:57

Comunidades terapêuticas e saúde mental: modelo de tratamento é tema de disputa no governo Lula

Por
Luciano Velleda
[email protected]
Com forte ligação religiosa, Brasil tem mais de 7 mi comunidades terapêuticas. Arte: Matheus Leal / Sul21
Com forte ligação religiosa, Brasil tem mais de 7 mi comunidades terapêuticas. Arte: Matheus Leal / Sul21

No dia 20 de janeiro, o governo federal publicou no Diário Oficial o Decreto nº 11.392, organizando a estrutura e uma série de cargos da Esplanada dos Ministérios. Em um de seus artigos, o decreto detalha a criação do Departamento de Apoio às Comunidades Terapêuticas, no âmbito do Ministério do Desenvolvimento e Assistência Social, Família e Combate à Fome (MDS). A ação, logo no primeiro mês do governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, foi mais um movimento na longa disputa sobre o modelo de tratamento de pessoas com uso abusivo de álcool e drogas no Brasil. De um lado, as comunidades terapêuticas (CTs), pregando abstinência e com amplo apoio das bancadas religiosas e forças políticas conservadoras; de outro, atores da área da saúde e da psicologia que há tempos lideram a luta antimanicomial e defendem a abordagem baseada na redução de danos e em serviços substitutivos de saúde mental.

Apenas seis dias após o decreto do governo federal, a Associação Brasileira de Saúde Mental (Abrasme) emitiu nota de repúdio à criação do Departamento de Apoio às Comunidades Terapêuticas.

“Após um processo de transição marcado pela escuta dos movimentos sociais, e uma proposta de construção dialogada de uma política que efetivamente cuide da população brasileira, é paradoxal que seja criado um departamento cuja função específica é dar apoio a um dispositivo asilar como as chamadas comunidades terapêuticas que, nos últimos anos, tem sido alvo de diversas inspeções que produziram relatórios apontando graves violações de direitos humanos. Historicamente o Movimento Antimanicomial, do qual a ABRASME faz parte e, os princípios da Reforma Psiquiátrica são balizados pela defesa do cuidado em liberdade, que contemple a integralidade e a equidade através das redes de atenção psicossocial (RAPS)”, diz o documento.

A criação do Departamento de Apoio às Comunidades Terapêuticas pelo governo Lula é, de certa forma, uma queda de status do setor, considerando que no governo de Jair Bolsonaro o segmento foi representado por uma Secretaria, hierarquicamente acima. Durante o governo Bolsonaro, as comunidades terapêuticas (CTs) receberam bem mais recursos públicos, principalmente por meio de emendas parlamentares, apesar das inúmeras denúncias de violações de direitos apontadas por inspeções do Conselho Federal de Psicologia (CFP) e do Ministério Público.

“A forte pressão lobista destas geraram uma relação pouco clara entre as comunidades terapêuticas e setores parlamentares, além da inexistência de transparência das formas e fontes de financiamento, seja no legislativo (emendas parlamentares) ou no executivo, em geral à margem dos sistemas de controle social do SUS e SUAS”, afirma outro trecho da nota da Associação Brasileira de Saúde Mental (Abrasme).

Para quem esperava que a chegada de Lula ao Palácio do Planalto representasse uma mudança de rota na relação do governo federal com as CTs, a criação do Departamento de Apoio às Comunidades Terapêuticas foi frustrante. O gesto do novo governo, todavia, expressa a força política de setores do Congresso Nacional.

Psicóloga, psicanalista, ex-secretária Estadual de Saúde do Rio Grande do Sul e  integrante do Fórum Gaúcho de Saúde Mental, Sandra Fagundes diz que até 2015, quando o segundo mandato da ex-presidenta Dilma Rousseff começou a enfrentar sucessivas crises que depois levariam ao impeachment no ano seguinte, a linha de atendimento em saúde mental mantinha os princípios da reforma psiquiátrica e da luta antimanicomial. “Dos anos 90 até 2015, dá para afirmar que houve sempre um investimento e uma linha política da reforma psiquiátrica com propostas da luta antimanicomial.”

Por volta de 2006, ao mesmo tempo em que o Ministério da Saúde (MS) passou a investir mais nos serviços substitutivos de saúde mental – serviços que saiam da lógica manicomial e do hospital psiquiátrico, como os Centros de Atenção Psicossocial Álcool e Outras Drogas (CAPS AD); Consultórios na Rua; Unidades de Acolhimento para adultos e jovens; entre outras estratégias –, os problemas decorrentes do uso abusivo de álcool e outras drogas começaram a ganhar mais destaque na mídia. Em São Paulo, a região denominada de cracolândia ganhou manchetes na imprensa e atraiu os olhares da sociedade.

“Desde então passou a ter uma disputa de concepção, porque o álcool e outras drogas,  principalmente as ilícitas, foram se misturando de um jeito muito forte com o julgamento moral, como um erro de caráter, de ‘pecador’”, explica Sandra, enfatizando o componente religioso que o tema começou a ter. “Essas pessoas ou eram pecadoras ou tinham um defeito moral e precisavam ser punidas.”

A ex-secretária Estadual de Saúde do RS pondera que, neste momento histórico, a rede pública não estava totalmente preparada para enfrentar a disputa de concepção de que as pessoas em estado de sofrimento precisavam ser cuidadas sem julgamento moral. “Esse embate foi sendo perdido pela rede de atenção de serviços substitutivos, que tinha se fortalecido no cuidado das pessoas com transtorno mental grave, mas não tinha se fortalecido em relação ao álcool e às drogas. Então entra essa visão higienista de que as pessoas precisam ser recolhidas, afastadas…. com o aumento da violência e criminalização, as pessoas corriam risco de vida, precisavam ser afastadas da família e foram se multiplicando as comunidades terapêuticas, que já existiam mas não tinham a importância, a visibilidade e o poder que tem hoje”, explica.

Tal qual os hospitais psiquiátricos nos seus primórdios, as comunidades terapêuticas costumam ficar em cidades do interior. Para Sandra, seguem a fórmula de tirar as pessoas “indesejadas” dos olhos da sociedade. Frequentemente controladas por ex-policiais ou pessoas ligadas à igrejas, as comunidades terapêuticas pregam a abstinência e defendem a crença de que a religiosidade ajudará o indivíduo a se afastar das drogas.

“Sabemos que não é bem assim. Algumas pessoas não podem mais beber, mas a maior parte pode substituir uma droga que mata por outra, e essa diversidade de tratamento nas comunidade terapêuticas não é admissível”, assinala.

Se entre 2006 e 2015 a alocação de recursos do Ministério da Saúde focou nos serviços substitutivos de saúde mental, a partir de 2016 o jogo mudou e o dinheiro começou a  ser redirecionado. A psicóloga destaca que a Associação Brasileira de Psiquiatria e o Conselho Federal de Medicina têm feito “pseudos relatórios” dizendo que não são efetivos os tratamentos nos CAPS e, assim, se retira investimento da rede pública de saúde e se transfere para os hospitais psiquiátricos ou às comunidades terapêuticas, alegando que são serviços territoriais.

“Têm comunidades terapêuticas que foram denunciadas com centenas de pessoas, o que é muito igual ou pior do que os hospitais psiquiátricos. Tem punição, tem castigo, tem trabalho análogo à escravidão. Tem uma violação que é inadmissível”, afirma Sandra.

Volume de dinheiro público para. comunidades terapêuticas aumentou bastante durante o governo Bolsonaro. Foto: Marcelo Camargo/ Agência Brasil

Tadeu de Paula Souza, professor do Departamento de Saúde Coletiva da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), recorda que a bancada religiosa começou a pressionar o governo federal ainda na gestão da ex-presidenta Dilma Rousseff, com o programa “Crack, é possível vencer”. Na ocasião, por dentro da Rede de Atenção Psicossocial (RAPS), foi criada uma portaria que regulamentou as comunidades terapêuticas (CTs) dentro dos princípios do Sistema Único de Saúde (SUS) – universalidade, equidade, integralidade, participação social e redução de danos.

Todavia, a coisa não andou tão bem como o lobby das CTs desejaria. Ao determinar o enquadramento nos princípios do SUS e exigir internação de curta duração, presença de equipe multiprofissional e a existência de um Centro de Apoio Psicossocial Álcool e Drogas (CAPS AD) como porta de entrada, o professor da UFRGS avalia que a regulamentação foi uma resposta técnica à pressão da bancada religiosa, criando uma barreira para o modelo das comunidades terapêuticas, que tiveram dificuldade em se enquadrar nos critérios determinados.

A situação mudou no governo de Jair Bolsonaro. A partir de 2019, as comunidades terapêuticas começaram a obter financiamento por meio do Ministério do Desenvolvimento Social e da Secretaria Nacional de Políticas sobre Drogas (Senad), ligada ao Ministério da Justiça.

“Eles foram criando portarias para conseguir financiamento fora do SUS. E esse é o problema que tem hoje, porque o governo atual, do presidente Lula, criou um departamento de comunidades terapêuticas no Ministério do Desenvolvimento Social, prevendo ali um tipo de financiamento”, critica o professor de Saúde Coletiva da UFRGS. “A briga atual é essa, porque o campo da reforma psiquiátrica, e a gestão do Ministério da Saúde, não estão satisfeitos com esse resultado.”

Marcelo Kimati, psiquiatra, professor de Saúde Coletiva e atualmente assessor técnico do Departamento de Saúde Mental da Secretaria de Atenção Especializada à Saúde, do Ministério da Saúde, destaca as violações de direitos humanos já descobertas em comunidades terapêuticas, mostradas em avaliações do Mecanismo de Prevenção à Tortura e do Conselho Federal de Psicologia (CFP). Além disso, diz haver também uma documentação farta do quanto esse modelo não é eficaz. Os resultados positivos, avalia Kimati, costumam ser na base de relatos do tipo “o primo que tinha problema com álcool e drogas e ficou numa comunidade terapêutica”, raramente produzindo artigos ou documentação científica.

O assessor do Ministério da Saúde explica que sua visão crítica parte do ponto de vista da saúde coletiva e da gestão pública do Sistema Único de Saúde (SUS). Para ele, o cenário de desassistência nas políticas para usuários de álcool e drogas está relacionado com a dificuldade de acesso. A rede de saúde pública, diz Kimati, segue sendo muito inferior à verdadeira dimensão epidemiológica do problema. Estimativas indicam que entre 10% e 15% da população demanda algum tipo de cuidado por conta de problemas relacionados ao álcool.

“A gente precisaria de uma rede dezenas de vezes maior do que a gente tem. O problema está no acesso. A natureza dos problemas relacionados a álcool e drogas é crônica, são problemas recorrentes e qualquer tipo de estrutura de cuidado tem que se pautar no acompanhamento longitudinal, onde é possível ter vínculo”, explica. Por outro lado, ele destaca que internações evitáveis acabam causando outros danos.

“Estamos muito longe de ter um problema que se centra na ausência de leitos e na ausência de serviços de internação. A gente precisa de serviços comunitários capazes de estabelecer vínculos com a população usuária (de álcool e drogas), capazes de criar estratégias de acolhimento incondicional”, acredita o psiquiatra.

Ao contrário do modelo de abstinência defendido nas comunidades terapêuticas, Kimati sustenta que boa parte dos usuários não consegue ou não quer estar em abstinência e, por isso, é preciso haver uma rede de saúde que não seja pautada nesse modelo. “Na maioria das vezes, qualquer tipo de internação médica produz algum tipo de iatrogenia. Se você tem uma intervenção violenta, involuntária, de isolamento social em que você faz sistematicamente isso, não tem o menor sentido dentro do cenário epidemiológico que a gente tem em relação à questão de álcool e drogas”, afirma.

Porto Alegre inaugurou um novo Centro de Atenção Psicossocial Álcool e Drogas em 2019, com funcionamento 24 horas. Foto: Cesar Lopes/PMPA

Para ele, o volume de recursos gasto com as comunidades terapêuticas, com financiamento público elevado nos últimos anos, é totalmente desproporcional ao que o SUS tem que ter para garantir que seus princípios sejam cumpridos para a população brasileira.

Em 2018, o governo federal financiou 2.900 vagas em comunidades terapêuticas. Ao final do segundo ano do mandato de Bolsonaro, em dezembro de 2021, essa quantidade tinha subido para 10.657 e, em 2022, fechou com quase 16 mil vagas. Em volume de dinheiro, no começo do governo Bolsonaro, os recursos repassados às comunidades terapêuticas eram, em média, de R$ 40 milhões por ano. Ao final de 2021, esse valor chegou a R$ 193,2 milhões.

Além do alto gasto público, o consultor do Ministério da Saúde defende que a  contratação indiscriminada de serviços privados, sem qualquer tipo de avaliação ou  indicador de resultado, é uma experiência que o Brasil já teve no período da ditadura civil-militar (1964-1985), com resultados ruins cujos efeitos perduram até hoje. Como exemplo, cita que a “reprogramação” proposta nas comunidades terapêuticas não é sustentável na vida real quando o indivíduo volta para o seu território.

Há mais de 20 anos as comunidades terapêuticas são financiadas por meios diferentes, começando por prefeituras e, principalmente, por meio de emendas parlamentares e forte apoio da bancada evangélica. O patamar cresceu no governo federal durante o período de Bolsonaro. Kimati define como inédito o total de recursos nos últimos anos. “Com o governo Bolsonaro, esse modelo sai do Legislativo e ocupa o Executivo”, afirma.

Ciente do forte jogo de poder por trás do tema, ele ressalta a necessidade de ser feita a análise política do fenômeno. Apesar da mudança de comando, o novo governo federal tem tido uma base de apoio frágil no Congresso e sofre constante pressão principalmente da Câmara dos Deputados. Embora tenha diminuído a incidência destes grupos políticos dentro do Executivo, ela segue existindo. No Ministério da Saúde, entretanto, o modelo é rechaçado.

“A gente tem que fortalecer o modelo que não é esse”, defende Kimati, apontando o caminho da ampliação do acesso aos serviços de saúde e de modelos de acolhimento noturno para pessoas que fazem uso de álcool e drogas. Para que isso ocorra, claro, é preciso investimento. “É um posicionamento do Ministério da Saúde em apontar que o modelo assistencial é pautado na Lei da Reforma Psiquiátrica, que é mais eficaz, é mal dimensionado e precisa se expandir.”

Kimati afirma que o modelo voltado em Centros de Atenção Psicossocial (CAPS) e unidades de acolhimento tem boa avaliação e é extremamente estudado. Como exemplo, diz haver estudos mostrando que a presença de um CAPS no município diminui as taxas de suicídio. Por isso, defende a expansão e o fortalecimento desse modelo como a meta a ser perseguida.

“Esse é o modelo do Estado brasileiro. Agora, como existe uma composição política em relação ao pleito de financiamento desse tipo de instituição, o Ministério da Saúde tem pouca capacidade de intervenção”, reconhece. O assessor pondera que se não houver a expansão do modelo preconizado pelo SUS, não haverá crítica consistente às comunidades terapêuticas na medida em que existem poucas opções a elas.

No Brasil, o movimento de saúde mental e da luta antimanicomial começou nos anos de 1970 e se tornou mais forte a partir dos anos de 1980, quando surgiram plenárias e movimentos de trabalhadores de saúde mental, em especial na região Sudeste.

A ex-secretária Estadual de Saúde do RS, Sandra Fagundes, considera 1987 como o marco da luta antimanicomial no Brasil, ano em que houve o terceiro encontro dos trabalhadores de saúde mental na cidade de Bauru, no interior de São Paulo. “Nesse encontro foi decidido que era uma luta de mudança de entendimento na sociedade do que é loucura, dos paradigmas em relação ao cuidado, uma proposta de novo contrato ético e político sobre a questão das pessoas em sofrimento psíquico. E era necessário que não fosse uma luta só dos trabalhadores, tinha que ser uma luta que incluísse principalmente os usuários, os familiares e a sociedade em geral”, explica.

No mesmo ano de 1987 houve a primeira conferência nacional de saúde mental. O período coincidiu com a redemocratização do Brasil e o processo de uma nova Constituição. No campo da saúde, em 1986 houve ainda a 8ª Conferência Nacional de Saúde, em Brasília, onde foi proposto o Sistema Único de Saúde (SUS), com o entendimento da saúde como direito de todos e um dever do Estado.

Com a retomadas das eleições diretas após o fim da ditadura civil-militar (1964-1985), muitas pessoas atuantes na redemocratização e na luta antimanicomial começaram a assumir cargos públicos na área de saúde mental em prefeituras e governo estaduais Brasil afora. Legislação específica e gestão pública passaram a andar juntas.

“A década de 1980 foi um momento instituinte e muitos municípios e estados criaram serviços próprios de saúde”, recorda.

Em 1991, o movimento levou à criação do Fórum Gaúcho de Saúde Mental. O momento também marca o início do financiamento do Ministério da Saúde, junto com estados e municípios. Pela primeira vez, o governo federal começou a financiar os serviços substitutivos de saúde mental e não apenas a internação psiquiátrica. Nesta cronologia, Sandra considera 2006 também como um marco na história da reforma psiquiátrica brasileira, pois foi o primeiro ano em que os recursos financeiros do Ministério da Saúde em serviços substitutivos territoriais foram maiores do que nos hospitais psiquiátricos – e assim seguiu pelos anos seguintes.

RS tem mais de 200 comunidades terapêuticas atendendo cerca de 7 mil pessoas. Foto: Prefeitura de Tupanci do Sul/Divulgação

Presidente da Federação das Comunidades Terapêuticas do RS, Pastor Roque conta que as CTs têm uma história de 55 anos de atendimento. Ele explica que o segmento nasceu devido à lacuna do Estado, que se preocupou com políticas em outras dimensões e deixou em segundo plano a questão das drogas, falhando no acolhimento dessa demanda.

“A sociedade civil estava sentindo o drama do uso abusivo das substâncias psicoativas, tanto do álcool como da droga, com consequências na questão da criminalidade, na saúde, no convívio familiar e social, então houve essa mobilização, uma vez que o Estado não teve uma iniciativa”, explica.

Com o tempo, os projetos foram ampliados gradativamente e, hoje, o Brasil tem aproximadamente 3 mil comunidades terapêuticas, entre as regulamentadas e aquelas em fase de regulamentação. No Rio Grande do Sul, conforme o último censo, realizado em 2013, são 234 comunidades terapêuticas.

Ao sustentar a defesa das comunidades terapêuticas (CTs), o pastor chama atenção para a elevada população carcerária do Brasil, atualmente em torno de 700 mil pessoas, a maioria detida por ligações com o tráfico e uso de drogas.

Segundo ele, as CTs atendem mais de 100 mil pessoas em todo o País, sendo 7.200 no Rio Grande do Sul. “As comunidades terapêuticas vêm dando resposta e minimizando um pouco o sofrimento e a chaga da dependência química na sociedade. Elas têm importância porque atendem um público voluntário que está com problema de dependência química”, sustenta.

O presidente da Federação das Comunidades Terapêuticas do RS classifica os estabelecimentos em quatro perfis. O primeiro se refere àqueles de “má fé”, que fazem internações involuntárias e compulsórias e “não são verdadeiras comunidades terapêuticas”.

“Elas não nos representam, mas ficam no meio termo, não são clínicas e não são comunidades. Elas acessam recursos através de acolhimentos involuntários e compulsórios e acabam dando maus exemplos e até manchando o trabalho idôneo do segmento. Você vai lá fazer uma inspeção, não tem nem CNPJ, mas a placa na frente diz ‘comunidade terapêutica’. São pessoas que não nos representam”, afirma.

O segundo perfil, conforme o critério do Pastor Roque, são as comunidades modestas lideradas por pessoas de boa fé e que procuram melhorar. São projetos com 10, 15 ou 20 vagas que sobrevivem graças a doações da sociedade e da igreja, com bastante restrição. “São pessoas de boa fé que a gente procura fazer o possível para que se adequem e possam acessar algum tipo de recursos público”, comenta.

O terceiro perfil de comunidade terapêutica engloba a maior quantidade de estabelecimentos. De acordo com o pastor, são aquelas que têm equipe técnica e já obtém algum tipo de recurso público, seja por meio de emenda parlamentar ou vagas contratadas por governos.

Por fim, Roque define as CTs de “excelência”, aquelas que têm uma “boa triagem, um programa de recuperação já de qualidade, um projeto de reinserção e que têm auto sustentabilidade”. A partir de oficinas e captação de recursos, geração de renda, elas não dependem mais do “governo A ou B”, ele explica. No RS, as CTs de excelência são em torno de 5% do total do segmento, aponta o pastor.

“Tem comunidade em que a liderança interage mais com a sociedade, com o poder público, e como as comunidades fazem parte da Rede de Atenção Psicossocial, não é um favor que o governo municipal, estadual e federal fazem, é uma parceria de trabalho”, destaca.

A controvérsia está posta e não é de hoje. A relação entre fé e saúde, a existência ou não de uma lógica manicomial, o componente racial no tema e o avanço da legislação, são aspectos em curso e razões de fortes embates. Disputas que, tudo indica, atravessarão o terceiro mandato do governo Lula.


Leia também
Compartilhe:  
Assine o sul21
Democracia, diversidade e direitos: invista na produção de reportagens especiais, fotos, vídeos e podcast.
Assine agora