Saúde
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25 de agosto de 2022
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08:27

Mães denunciam falhas no atendimento a crianças autistas e com deficiência

Encontro ocorreu na Comissão de Direitos Humanos da Assembleia Legislativa do RS (Foto: Débora Fogliatto)
Encontro ocorreu na Comissão de Direitos Humanos da Assembleia Legislativa do RS (Foto: Débora Fogliatto)
A Comissão de Cidadania e Direitos Humanos da Assembleia Legislativa do Rio Grande do Sul debateu, quarta-feira (24), a situação do atendimento pedagógico a estudantes autistas e com deficiência nas redes públicas de educação. A reunião, proposta pela deputada Luciana Genro (PSOL), teve a participação de representantes de associações de mães e de pessoas com deficiência, que relataram as dificuldades encontradas em termos de inclusão e a falta de estrutura pela qual passam nas escolas. Dentre os relatos, foi denunciada falta de preparo de professores e monitores, falta de materiais nas salas de integração e recurso (SIRs) e, em alguns casos, descaso com as necessidades das crianças.

Representando a Coordenadoria da Pessoa com Deficiência e Mobilidade Reduzida (Copede), Tatiane Leal relatou que as mães relatam dificuldade para fazer integração nas escolas e que as salas de recurso não têm os materiais necessários para dar assistência aos alunos. “Precisamos que as escolas venham oportunizar um profissional, um terapeuta, percebemos as escolas muito fechadas. O acesso é burocrático se a família consegue o próprio monitor”.

Érika Rocha, coordenadora do Projeto Angelina Luz, cujo nome homenageia sua filha, que é autista, contou como Angelina sofreu com a falta de preparo para inclusão da Escola Municipal de Educação Infantil da qual era aluna. “Minha filha foi matriculada em 2020 numa escola municipal e tive uma imensa dificuldade de diálogo, não foi aceito o método de comunicação alternativa que ela utiliza, que é baseado em imagens. Ela se comunica de forma visual, então eu fiz esse pedido, mas não aceitaram e ela nunca teve material adaptado”, contou. A mãe então conseguiu que a menina fosse transferida para outra escola, que já demonstrou maior preparo para lidar com a educação de Angelina.

“Teríamos que ter salas de recurso desde a educação infantil, e não tem em nenhuma. A educação infantil é o primeiro contato da criança com os pares. A Smed sabe quais escolas vão receber alunos de inclusão. Por que não ocorre um acolhimento da família, antes do início das aulas?”, questionou. Da mesma forma, Aline Kerber, vereadora suplente de Porto Alegre e presidenta licenciada da Associação Mães e Pais pela Democracia, também abordou casos de negligência com essas crianças. “O que se tem de inclusão foi conquistado pelas lutas das mães. Todas as escolas municipais de ensino fundamental tem SIR, mas de ensino infantil não. E as estaduais também não refletem essa realidade”, apontou.

A questão dos profissionais que lidam com essas crianças também foi levantada por Juliana Zatt, da associação Mães Atípicas. “São duas funções diferentes, mas na prática se coloca apenas um monitor, que auxilia na limpeza, alimentação e também na educação. Mas em geral, estes monitores não têm formação específica, teriam que ter especialização para lidar com os alunos”, disse. Marilene Symanski, Diretora operacional do Instituto Autismo e Vida, é mãe de um filho de 31 anos que encarou todas essas dificuldades quando era estudante. “Está havendo um ataque muito grande à inclusão, estamos tentando resgatar ainda o mínimo que já tivemos. Precisamos dar um direcionamento para que ocorra a interlocução entre as famílias e o poder público”, destacou.

Secretarias de Educação afirmam que problemas são casos isolados

Lúcia Guazzelli, assessora pedagógica da Secretaria Estadual de Educação, afirmou que há atualmente 3.202 estudantes autistas matriculados na rede estadual. Ela assinalou que os monitores têm a função de cuidar da alimentação, higiene e locomoção destes alunos e alunas, mas reconheceu que é preciso ampliar a carga horária dos profissionais que realizam atendimento especializado. Ela forneceu o e-mail da Secretaria para que sejam enviados casos de situações que estejam “em desacordo com aquilo que é defendido, que é a qualidade de ensino a todos”, afirmando saber que não é possível a Seduc saber tudo o que ocorre nas 2.400 escolas estaduais. “Não conseguimos acompanhar tudo, mas queremos tomar conhecimento e qualificar o atendimento”, disse.

A Secretaria Municipal de Educação (SMED) também foi representada por uma servidora, Josiara Alves, que é professora e já trabalhou em escola especial e em salas de recursos. “Sabemos dos desafios, não têm sido fácil, mas não podemos abandonar a luta. Atendo quase diariamente mães, pois o acolher e ouvir é importante”, apontou, afirmando já ter conversado com a diretora da escola da filha de Érika e que é um “caso isolado dentro da Educação Infantil”. Ela também garantiu que há concurso em andamento para monitores e outros cargos e que a Secretaria vem pensando em “uma política que possa atender as escolas cruzando os dados de crianças com deficiência e de profissionais”.

O presidente do Conselho Municipal dos Direitos da Pessoa com Deficiência (Comdepa), Nelson Kalil, observou que cabe sim à Seduc fiscalizar o que ocorre em cada escola e não deveria haver necessidade de se aguardar uma denúncia por e-mail. “Não tem como depender de que as pessoas vão denunciar. Temos leis que tratam da inclusão, mas são descumpridas. São ‘casos isolados’ sim, mas são milhares de casos isolados”.

Mães de Viamão relatam desamparo

Duas mães de estudantes autistas da rede municipal de Viamão relataram a situação de descaso pela qual vêm passando em termos de educação com seus filhos. Sabrina Adams, que preside a Associação dos Pais e Amigos dos Autistas de Viamão (AMAV), tem um filho de nove anos e destaca que a inclusão real não acontece. “Ano após ano nossos filhos seguem sem a inclusão de fato. A simples matrícula dos nossos filhos na rede de ensino não é inclusão. As políticas públicas são lentas e nossos filhos não param no tempo, eles estão crescendo”.

Anelise Goulart, do Grupo Mães da Rede Municipal de Viamão, relatou por sua vez que as SIRs muitas vezes “parecem salas de castigo” no município, para as quais são enviadas as crianças autistas em casos de surtos. “Crianças não têm atendimento adequado, quando surtam se chama o pai e a mãe ou se coloca na salinha”, apontou. As mães se sentem desamparadas diante desta situação e não encontram apoio político na cidade e na Secretaria Municipal, segundo ela.

A deputada Luciana Genro solicitou que seja formulado um ofício da Comissão de Direitos Humanos sobre o caso específico de Viamão cobrando da prefeitura a respeito das políticas públicas de inclusão. Em Santa Maria, também há um quadro de falta de preparo, afirmou Noemi Santos, advogada da Comissão Especial dos Direitos das Pessoas com Deficiência da cidade. “Não existe essa inclusão, no nosso município o contrato com monitores foi rescindindo e depois da pandemia feito um novo. As salas de recurso muitas vezes são de exclusão”, destacou.

A deputada Luciana Genro sugeriu às mães que, além de enviar e-mail para a Seduc, também haja uma centralização das denúncias pelo e-mail da Comissão de Direitos Humanos a respeito do conjunto de problemas que vêm ocorrendo nas redes estadual e municipais. “Assim, podemos fazer um dossiê dessa situação concreta e cobrar diretamente quem deve ser cobrado. A Comissão pode e deve fiscalizar o resultado dessas reclamações. Se recebermos aqui, temos condições de cobrar os desdobramentos”, afirmou. O e-mail para onde devem ser encaminhadas as denúncias é [email protected].

A realização de um congresso escolar sobre o tema, a ser realizado ainda este ano e organizado por Aline, também foi encaminhada. “Essa luta merece toda a atenção da Comissão e merece ganhar visibilidade, temos um enorme percentual de pessoas com algum tipo deficiência que devem ser tratadas com dignidade e ter seu direito à educação respeitado”, defendeu a parlamentar.


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