Saúde
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20 de agosto de 2021
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16:52

Extinção do IMESF desorganiza estratégia de Saúde da Família em Porto Alegre. CMS denuncia desmonte

Por
Marco Weissheimer
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Situação dos funcionários do Imesf segue sendo objeto de questionamentos na Justiça. (Foto: Leonardo Contursi/CMPA)
Situação dos funcionários do Imesf segue sendo objeto de questionamentos na Justiça. (Foto: Leonardo Contursi/CMPA)

A extinção do Instituto Municipal da Estratégia da Saúde da Família (IMESF), pela Prefeitura de Porto Alegre, desorganizou a estratégia de atendimento especialmente da população mais vulnerável do ponto de vista socioeconômico. Mudanças no formato jurídico da prestação de serviços e a insuficiência de equipes provocaram, nas últimas semanas, o descredenciamento de dezenas de Equipes de Saúde da Família de programas do governo federal. 

A Secretaria Municipal da Saúde diz que esses descredenciamentos estão ligados a questões relativas a mudanças nos códigos de identificação das equipes e que eles não implicarão perda de recursos para a área. Ao mesmo tempo, admite a necessidade de nomear profissionais para completar as equipes, um dos requisitos exigidos pelo Ministério da Saúde.

O Diário Oficial da União, em sua edição de 16 de agosto de 2021, publicou uma portaria da Secretaria de Atenção Primária à Saúde, do Ministério da Saúde, cancelando a adesão de Unidades de Saúde da Família e Unidades Básicas de Saúde ao Programa Saúde na Hora, de diversos municípios em todo o País, por não atendimento de requisitos básicos do programa. Só em Porto Alegre, essa portaria atingiu 65 Equipes de Saúde da Família.

Outra portaria, publicada no Diário Oficial da União de 27 de julho, trouxe o descredenciamento de outras 31 Unidades de Saúde da Família em Porto Alegre, do Programa de Saúde da Família, também pelo “não atendimento de requisitos no prazo previsto”. 

Pelo Programa de Saúde da Família, cada ESF (Equipe de Saúde da Família) recebe um repasse mensal de R$ 7.500,00, enquanto cada Equipe de Saúde Bucal recebe um repasse mensal de R$ 4.475,00. Já o Programa Saúde da Hora prevê repasses mensais por unidade que variam de R$ 12.530,00 até R$ 29.783,00, dependendo dos serviços prestados. Considerando esses valores envolvidos, os descredenciamentos poderiam retirar cerca de R$ 2 milhões por mês da Atenção Primária à Saúde em Porto Alegre.

Os descredenciamentos e a desorganização do sistema podem afetar o atendimento de parcelas mais vulneráveis da população. Os atendimentos nas Unidades de Saúde são realizados para a população de seus respectivos territórios, de segunda a sexta-feira, com algumas unidades abrindo até 19h ou 20h (pelo Programa Saúde na Hora). Algumas Unidades possuem horário estendido e recebem a população de toda cidade em horário noturno (18h às 22h, pelo programa Saúde Noite e Dia).

Caroline Schirmer, diretora de Atenção Primária, da Secretaria Municipal da Saúde, afirma que a pasta está apurando as equipes que tiveram suspensão e assegura que não haverá perda de recursos. “Em ambas as portarias já visualizamos que as principais causas foram a mudança dos códigos de identificação de equipes de saúde da família para atenção primária. As equipes continuaram mas em outra nomenclatura, então o MS precisa descredenciar as equipes antigas. Isso não reflete em valores”, afirma. 

Ainda segundo a SMS, o motivo principal para os descredenciamentos foi a “dificuldade de avançar na extinção definitiva do Instituto Municipal da Estratégia da Saúde da Família (IMESF)”, o que estaria impedindo que a Prefeitura consiga reestruturar a estratégia da Saúde da Família no município. “Foram diversos debates judiciais sobre o assunto. Entretanto, recentemente foi autorizada a nomeação de 28 agentes comunitários de saúde com o objetivo de completar as equipes para se adequar à habilitação do Programa Saúde na Hora. O município irá realizar a reinscrição”, afirmou a secretaria em nota enviada ao Sul21.

No início de julho, o ministro Luís Roberto Barroso, do Supremo Tribunal Federal (STF), encaminhou ofício à Prefeitura de Porto Alegre, à Câmara de Vereadores da Capital e ao Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul solicitando informações sobre a extinção do IMESF. Barroso é o relator da arguição de descumprimento de preceito fundamental, proposta pelo Partido Comunista do Brasil (PCdoB), contra atos administrativos do Município de Porto Alegre, que estariam promovendo o desmantelamento e a extinção do IMESF e contra decisão do Tribunal de Justiça do Estado do RS, que declarou a inconstitucionalidade da Lei Municipal que criou o Instituto. 

No ofício, Barroso disse que a questão é de “inequívoca relevância”, “bem como possui especial significado para a ordem social e a segurança jurídica, visto que envolve a prestação de serviço público de saúde municipal e a extinção de entidade administrativa do Poder Público local”.

O Conselho Municipal de Saúde não concorda com a posição apresentada pela diretora de Atenção Primária, da Secretaria Municipal da Saúde, segundo a qual as portarias do Ministério da Saúde não implicariam perda de recursos. “Todo descredenciamento de equipes implica em perda de repasses. No caso, as 31 equipes de Saúde da Familia por estarem com equipe incompleta. A partir de julho ou agosto já deve ter perda de repasse retroativa a competência que iniciou a inconsistência”, diz o CMS. 

O Conselho Municipal de Saúde solicitou via processo administrativo as informações referentes a quais equipes foram descrendenciadas e também quais os valores de repasses perdidos mensalmente. “O que temos certeza e já viemos apontando é de que essa portaria confirma a descontinuidade e desmonte da Saúde da Familia no município. E que após mais de ano do início das contratualizações não houve garantia das equipes completas. O que precisa ser respondido também pela gestão é porque não estão sendo realizados os descontos no repasse mensal para as entidades que não estão cumprindo as cláusulas contratuais dos termos de cooperação”, assinala ainda o CMS.

Na avaliação do Conselho, o custo desses contratos é o dobro do média de custo mensal do IMESF e não tem havido a garantia das equipes completas e nem melhoria da qualidade assistencial. Situação que se agravará mais com a proposta de demissão de mais de 200 Agentes Comunitários de Saúde em meio à crise sanitária e à Pandemia, onde a Atenção Básica tem papel estratégico em resolver em torno de 80 a 85% das necessidades de Saúde da população. “Porto Alegre vai na contramão de todas as evidências da Saúde Coletiva que indicam a centralidade da Rede de AB e da resolutividade da da Saúde da Família”, critica o CMS. Além disso, acrescenta, desrespeita o controle social e as deliberações da instância máxima de deliberação do SUS no município.


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