Eleições 2022
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1 de outubro de 2022
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08:56

O cenário mundial de ‘nitroglicerina pura’ que aguarda o futuro presidente brasileiro em 2023

Por
Marco Weissheimer
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Arte: Matheus Leal/Sul21
Arte: Matheus Leal/Sul21

O futuro presidente brasileiro pode encontrar, ao longo de 2023, um cenário internacional de ‘tempestade perfeita’ ou de ‘nitroglicerina pura’ conforme vêm alertando pesquisadores e autoridades de agências internacionais. Compõem esse cenário uma previsão de recessão global, impactada ainda pelos efeitos da pandemia de covid-19 na economia mundial, de risco de recrudescimento da guerra na Ucrânia, com consequências imprevisíveis e ameaçando levar as chamadas superpotências nucleares a um conflito direto, e de urgência da crise climática que segue sendo ‘empurrada com a barriga’ pela maioria dos governos.

No plano da economia internacional, paira no horizonte a ameaça de uma recessão global. Em uma reunião do Comitê de Serviços Financeiros do Congresso dos Estados Unidos, no dia 21 de setembro, o CEO do PP Morgan, Jamie Dimon, afirmou: “Preparem-se para o pior!”. Para os executivos do sistema financeiro, a causa da recessão global que estaria se aproximando seria aquilo que consideram uma “gastança” de dinheiro no enfrentamento da pandemia. “Eu não acho que você pode gastar US$ 6 trilhões e não esperar por mais inflação”, disse ainda Dimon. Para os professores André Moreira Cunha e Andrés Ferrari, do Departamento de Economia e Relações Internacionais da UFRGS, o caminho da recessão global: “para chegar lá basta seguir os conselhos dos financistas”, que querem impor um receituário que envolve alta de juros, diminuição de salários e aumento do desemprego.

Esse receituário pode colocar ainda mais combustível em um cenário que já é potencialmente explosivo, assinalam André Cunha e Andrés Ferrari. A combinação dos elementos que compõem esse cenário é “nitroglicerina pura”, alertam: alta nos juros, mercados financeiros em queda, dívidas públicas e privadas em níveis recordes, riscos geopolíticos crescentes com a guerra na Ucrânia, crise energética e falta de coordenação global para tratar desses problemas. As implicações políticas dessa conjunção de fatores são imediatas, acrescentam. “A generosidade dos governos para com os ricos é recorrente, assim como a socialização dos custos dos ajustes recessivos. Os desequilíbrios distributivos se aprofundam e alimentam o ressentimento contra as instituições econômicas e políticas tradicionais. “Não à toa, os movimentos antissistema ganham força a cada nova crise”.

No dia 28 de setembro, a presidente do Banco Central Europeu (BCE), Christine Lagarde, anunciou uma nova alta das taxas de juro a partir de outubro. A meta do BCE é conter a inflação na casa dos 2%, mas estima-se que, em setembro, esse índice atinja um novo teto máximo em torno dos 9,7%. Ao falar na Comissão de Assuntos Econômicos e Monetários do Parlamento Europeu, Lagarde admitiu o impacto recessivo da alta de juros. Ela espera uma contração do crescimento econômico na zona do euro já no último quadrimestre deste ano e no primeiro quadrimestre de 2023, o que caracterizaria tecnicamente uma recessão. A alta dos juros é particularmente mais grave para as economias com maior grau de endividamento público.

Veículos militares russos na região da Crimeia. Foto: Sergei Malgavko/TASS

O anúncio feito pelo presidente Vladimir Putin, dia 30 de setembro, de que a Rússia passa a contar com “quatro novas regiões” é mais um elemento de agravamento não só da guerra na Ucrânia, como na escalada dos discursos dos governos russo e estadunidense. Putin anunciou que as regiões ucranianas de Donetsk, Luhansk, Kherson e Zaporizhzhia, em grande parte ou parcialmente ocupadas pelas forças armadas russas, passam a fazer parte do país e qualquer agressão contra elas será considerada como uma agressão contra a Rússia, o que permitiria, em tese, segundo o que prevê a Constituição russa, inclusive o uso de armas nucleares.

O anúncio foi feito após referendos promovidos pelo governo de Moscou nestes territórios. Putin também anunciou que a Rússia lutará para ocupar a totalidade da região de Donbass, no leste ucraniano.  Em sua fala, o líder russo afirmou que os territórios anexados estavam “voltando para casa”.  “As pessoas que vivem em Lugansk e Donetsk, Kherson e Zaporozhye se tornam nossos cidadãos. Para sempre”, acrescentou. Na mesma linha, o porta-voz do Kremlin, Dmitry Peskov, declarou que ataques ucranianos contra os novos territórios da Federação da Rússia serão encarados como um ato de agressão. O anúncio sobre a anexação das regiões de Donetsk, Lugansk, Kherson e Zaporozhye, ocorreu após a decretação de uma mobilização parcial de cidadãos russos para combater na Ucrânia.

A Ucrânia, os Estados Unidos e boa parte dos países europeus não reconheceram as anexações, afirmando que essas votações foram coercitivas e não representativas, violando a lei internacional. Em resposta ao anúncio de Putin, a Ucrânia solicitou adesão à OTAN (Organização do Tratado do Atlântico Norte) em caráter emergencial. Representantes do governo dos EUA, em particular, garantiram que qualquer uso de armas nucleares na Ucrânia não ficará sem resposta, o que pode arrastar toda a Europa (e regiões da Ásia também) para a guerra.

O secretário-geral da ONU, António Guterres, por sua vez, disse que “qualquer anexação de território de um Estado por outro Estado resultado do uso da força é uma violação dos Princípios da Carta (da ONU) e da lei internacional”. Já a chefe da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen,  afirmou que Putin promoveu uma escalada da guerra na Ucrânia para um novo nível e que a União Europeia fará a Rússia “pagar um alto preço” por essa decisão.

Esse cenário de conflitos entrelaçados pode representar, por outro lado, uma oportunidade para uma nova política externa brasileira. Na avaliação do cientista político José Luís Fiori, o Brasil tem todas as condições de desempenhar no futuro o papel de uma “grande potência pacificadora”, tanto no cenário da América do Sul como dentro do sistema internacional. Para Fiori, “se o Brasil quiser redesenhar sua estratégia internacional e assumir esta nova posição continental não há dúvida que terá que desenvolver um trabalho extremamente complexo de administração de suas relações de complementariedade e competição permanente com os Estados Unidos, sobretudo, e também – ainda que seja em menor grau – com as outras grandes potências do sistema interestatal”.

Além disso, acrescenta, “para liderar a integração da América do Sul e o continente latino-americano dentro do sistema mundial, o Brasil terá que inventar uma nova forma de expansão continental e mundial que não repita a expansão missionária e o imperialismo bélico dos europeus e dos norte-americanos”.

IPCC prevê um aquecimento médio global de 1,5º C até 2040. (Imagem: PIxabay)

O último relatório do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC), instância da Organização das Nações Unidas (ONU), prevê um aquecimento médio global de 1,5º C até 2040. Essa previsão não descreve, na verdade, um cenário futurista de aquecimento, mas uma realidade que já vem sendo vivida em várias regiões do mundo. Segundo levantamento da Comissão Europeia, o “velho continente” enfrentou em 2022 a pior seca em 500 anos. Em artigo publicado no Sul21, o engenheiro agrônomo e ambientalista Demilson Fortes, resumiu assim o infernal verão europeu de 2022:

“Florestas em chamas, solos rachados, racionamento de água e calor insuportável marcaram o verão europeu deste ano, com um clima quente e seco. Trilhos de trem empenaram devido às altas temperaturas, asfaltos racharam, aeroportos pararam, escolas suspenderam atividades (…)  Os rios europeus se encontram em níveis muito baixos. As imagens impressionam. Os principais rios agonizam.  A geração de energia e o transporte fluvial foram afetados, assim como a pesca. Em alguns rios são visíveis os peixes mortos. Uma desolação”.

E as medidas do governo Bolsonaro nesta área ambiental tornaram o Brasil uma espécie de pária internacional no debate sobre a crise climática. O governo brasileiro, é preciso reconhecer, esforçou-se para que isso ocorresse. O avanço do desmatamento, da mineração, garimpo ilegal e grandes monoculturas na Amazônia e na região do Pantanal foi protegido e mesmo incentivado por medidas e omissões do governo federal. Estima-se que, somente em 2020, primeiro ano da pandemia, o Brasil perdeu cerca de 158 hectares de florestas por hora (segundo dados do sistema MapBiomas Alert).

Uma série de negociações internacionais envolvendo o Brasil estão paralisadas ou congeladas em função dessa conduta do governo Bolsonaro. O fato é que o Brasil deixou de ser respeitado internacionalmente em áreas nas quais era considerado uma referência, como meio ambiente e defesa dos direitos humanos. Além de todos os problemas externos que configuram uma convergência de crises planetárias, o novo governo brasileiro terá como tarefa imediata resgatar essa credibilidade, reconstruir pontes destruídas e políticas públicas que deixaram de existir. Esses são alguns dos principais traços do cenário que o novo governo eleito nas urnas enfrentará a partir de janeiro de 2023.


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