Eleições 2022
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31 de agosto de 2022
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15:33

Rombo superior a R$ 8 bi em 2023 por ICMS menor preocupa candidatos ao Piratini

Por
Flávio Ilha
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'Milagre' da redução de preços da gasolina vai impactar diretamente a arrecadação dos estados. Foto: Luiza Castro/Sul21
'Milagre' da redução de preços da gasolina vai impactar diretamente a arrecadação dos estados. Foto: Luiza Castro/Sul21

Gasolina a menos de R$ 5 nos principais postos do Estado, a 30 dias da eleição, soa como música a quem precisa abastecer o carro ou a moto para trabalhar – casos cada vez mais comuns no Brasil dos aplicativos. Mas o milagre da redução do preço, garantido por uma canetada do presidente Jair Bolsonaro (PL), candidato à reeleição, com aval do Congresso, guarda uma perversidade: os cofres estaduais, já sem gordura devido à queda no desempenho econômico pela pandemia de covid-19, vão ficar ainda mais magros em 2023. No Rio Grande do Sul, a perda estimada é de R$ 5,7 bilhões.

Somado à perda do segundo semestre deste ano, calculada em R$ 2,8 bilhões, o prejuízo do Estado sobe a mais de R$ 8 bilhões – dinheiro que financia basicamente as ações municipais em saúde e educação. A previsão preocupa os principais candidatos ao governo gaúcho, que classificam a medida como “insuportável” para a gestão pública. “Não há saída a não ser a União compensar essas perdas. Ninguém contesta os efeitos benéficos da medida, mas quem vai pagar essa conta é a população pobre que precisa dos serviços públicos”, disparou o candidato do PDT ao Piratini, Vieira da Cunha.

Com a canetada de Bolsonaro, aplicada no final de junho, o preço médio do litro da gasolina comum apresentou uma redução de 10,93% no fechamento de agosto, de acordo com a Agência Nacional do Petróleo (ANP). Em julho já havia caído mais de 6%. O valor médio do combustível fechou o mês em R$ 5,66 devido à redução do ICMS e do PIS/Cofins pelos estados e à queda do valor do combustível para as refinarias pela Petrobras.

A redução das alíquotas do ICMS sobre combustíveis, energia elétrica e comunicações – com teto de 18% – foi aprovada pelo Congresso por meio da Lei Complementar 194, que entrou em vigor no dia 23 de junho. A medida é uma das bandeiras da campanha de reeleição de Bolsonaro e levou a uma queda imediata e abrupta nos preços dos combustíveis e nas contas de luz, levando à deflação registrada em julho e esperada também para agosto.

De acordo com cálculos divulgados pelo Comitê Nacional de Secretários de Fazenda dos Estados e do Distrito Federal (Comsefaz), a redução das alíquotas de ICMS incidentes sobre energia elétrica, combustíveis e telecomunicações provocará uma redução de 13% em média na receita de ICMS dos estados. Essa perda, estimada em R$ 85 bilhões anuais, seria permanente.

Pela lei, o governo federal é obrigado a compensar os Estados quando a perda de receita com o tributo ultrapassar 5% na comparação com a receita registrada em 2021. A equipe econômica argumenta, no entanto, que a compensação deve ser feita apenas em 2023, com base nas receitas de todo o ano. Por liminar do STF, Minas Gerais, Rio Grande do Norte, Acre, São Paulo, Maranhão, Piauí e Alagoas já conseguiram direito ao gatilho ainda este ano.

O governo gaúcho, entretanto, não pode acionar a União na Justiça porque aderiu ao Regime de Recuperação Fiscal (RRF), que renegociou a dívida do estado com o governo federal. O governador Ranolfo Viera Júnior (PSDB) informou que haverá cortes de gastos para compensar as perdas em áreas que ainda estão sendo estudadas. “Trata-se de uma concessão em ano eleitoral. É muito perigoso em relação à responsabilidade fiscal a aprovação de um benefício dessa natureza”, disse o governador.

O RRF resultará em uma “anualidade” paga à União, a título de ressarcimento de uma dívida estimada em R$ 75 bilhões, de R$ 1,85 bilhão em 2023. No ano seguinte, a despesa pula para R$ 2,63 bilhões. Em todo o mandato do próximo governador (2023 a 2026), estima-se que só o pagamento da dívida com a União acarretará gastos de R$ 12 bilhões.

O pagamento da dívida com a União estava suspenso desde 2017 em razão de uma liminar do STF, da qual o governo abriu mão oficialmente em maio para viabilizar a adesão ao regime de recuperação. Nesse período, acumulou nova dívida de R$ 14,2 bilhões a título de juros pelo valor em atraso. Pelo acordo do RRF, esses R$ 14,2 bilhões poderão ser refinanciados ao longo de 30 anos.

“É mais uma conta que os governos Bolsonaro e Leite deixam para o Rio Grande do Sul. O estado corre o risco de perder mais essa receita [de ICMS], que o STF já indica que deve ser compensada. O RRF, que foi apresentado como uma solução para as finanças do estado, nos faz abrir mão de mais R$ 8 bilhões. Esses recursos são fundamentais para a saúde e para a educação”, criticou o candidato do PT, Edegar Pretto.

Assim como Vieira da Cunha, que garantiu, se eleito, revogar imediatamente o RRF, Pretto também disse que “não cruzará os braços”. O candidato prometeu sair do regime de recuperação, “mesmo que seja necessário entrar na Justiça”, e assegurou que, numa eventual gestão do PT, não haverá aumento nas alíquotas de ICMS.

A assessoria do candidato do PL ao governo, Onyx Lorenzoni, evitou criticar a medida eleitoreira de Bolsonaro – de quem é o principal aliado no Rio Grande do Sul. Ex-ministro chefe da Casa Civil e também da Integração, que negociava diretamente com o Congresso, Lorenzoni apenas garantiu que num eventual governo do PL não haverá aumento de impostos. “Em hipótese alguma”, reforçou.

O candidato do Progressistas, senador Luis Carlos Heinze – também aliado de Bolsonaro -, é mais incisivo e diz que irá rever o acordo do RRF no estado. “Não se trata de calote. Simplesmente não vamos ter caixa para pagar”, afirmou. Ele disse que irá à Justiça se for preciso para negociar um desconto com o governo federal nos montantes perdidos com ICMS e RRF. “O [ex-governador] Sartori pagou em torno de R$ 5 bilhões e parou. Mesmo assim, não conseguiu honrar a folha do funcionalismo. O [ex-governador] Leite recebeu o governo com a mesma liminar e pagou zero da dívida com a União. Deixar para o próximo governo uma conta de R$ 13 bilhões é insustentável”, disse.

Mesmo assim, Heinze defendeu o teto para o ICMS. “Entendo que o presidente Bolsonaro está fazendo sua parte para reduzir o preço dos combustíveis. Os estados também têm que fazer. Sei que vamos perder arrecadação. Agora, tem que fazer processo de compensação, pois educação, saúde e outros setores vão perder investimentos. Já houve troca de ministro, de presidente da Petrobras, e não resolveu o assunto. Agora melhorou bastante”, disse.

A equipe do ex-governador Eduardo Leite (PSDB), que voltou a ser candidato ao governo do estado, recebeu a mesma questão que os outros quatro postulantes mais bem colocados na última pesquisa do Ipec para as eleições majoritárias no Rio Grande do Sul. O candidato tucano, porém, não se manifestou sobre as perdas de arrecadação e nem sobre o RRF até o fechamento desta edição.

 


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