Política
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8 de abril de 2023
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08:58

Movimentos dos direitos das crianças pedem cassação de vereador acusado de abuso sexual

Por
Fernanda Nascimento
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Sessão em que Tiago Silveira tomou posse como vereador. Foto:  Eduarda Rocha
Sessão em que Tiago Silveira tomou posse como vereador. Foto: Eduarda Rocha

Na comunidade de São Leopoldo, na Região Metropolitana de Porto Alegre, o momento é de indignação. Órgãos da rede de proteção à infância e organizações da sociedade civil se mobilizam e pressionam o legislativo municipal para que o vereador Tiago Silveira (sem partido) seja cassado. Acusado de abusar sexualmente das duas filhas adotivas, adolescentes entre 14 e 16 anos, Silveira chegou a ser preso preventivamente e, atualmente, responde às acusações em liberdade. Suplente, ele tomou posse na Câmara após outros dois vereadores terem se licenciado para assumir cargos na administração municipal. “A comunidade não legitima que alguém suspeito por esse crime ocupe um espaço de representante”, afirma a presidente do Conselho de Direitos Humanos de São Leopoldo Odete Zanchet. 

A denúncia contra Silveira veio à tona no fim de 2022, quando a então companheira registrou um boletim de ocorrência. À época, ele ocupava um cargo em comissão na Prefeitura e foi imediatamente exonerado. Dias depois, foi preso. Eleito pelo PT, o político também foi expulso pelas executivas municipal e estadual. O partido foi, inclusive, responsável pelo pedido de cassação do mandato de Silveira, protocolado no mesmo dia em que ele tomou posse. Enquanto responde em liberdade, Silveira não tem nenhum impedimento legal para exercer o mandato e o embasamento para a cassação é de quebra de decoro parlamentar.

Ana Affonso, líder do PT na Câmara de Vereadores, será relatora do processo na Comissão de Ética e afirma que não é dever do legislativo julgar o parlamentar. Entretanto, acredita ser uma prerrogativa dos vereadores analisarem a exposição, os danos e o constrangimento causados pelo colega. “Vivemos em um país onde os corpos das meninas não são respeitados. Não estou aqui para tecer julgamentos, porque isso corresponde à Justiça, e espero que ele, de fato, seja inocente. Mas repudio o fato de que ele seja vereador. Ele, no exercício das funções públicas, deve zelar pelas leis e não tem decoro para assumir essa função”, afirmou.

Na terça-feira, quando Silveira assumiu o cargo, o plenário da Câmara de Vereadores estava lotado de representantes de entidades dos direitos da criança. Odete foi uma das duas pessoas a utilizar a tribuna popular para se manifestar e afirmou que “a voz das crianças precisa ser ouvida”. Em entrevista, ela disse que as entidades estão mobilizadas em impedir que um “agente de violação de direitos humanos” ocupe um espaço importante como o de vereador da cidade.

A representante do Fórum dos Direitos da Criança e do Adolescente, Karen Rocha, leu uma carta assinada por diversas entidades da cidade, afirmando que Silveira havia sido eleito como cidadão idôneo, “mas após denúncia tão grave, não representa conduta digna para assumir o cargo de vereador”. Nas redes sociais, outras entidades, como o Conselho Tutelar, também emitiram nota de repúdio pela posse do vereador. 

Na Lei Orgânica do Município, o artigo 18 prevê a perda do mandato do legislador “cujo procedimento for declarado incompatível com o decoro parlamentar ou atentatório às instituições vigentes”. “São condutas, seja por atitudes ou palavras, incompatíveis com a função de vereador”, explica Ana Affonso. 

Na sessão de terça-feira, depois das manifestações de repúdio à sua posse como vereador, Tiago Silveira fez uma manifestação breve. E disse que o “tempo é senhor da razão”. O vereador afirmou que está sendo vítima de perseguição política e reclamou da exposição de seu nome em um caso que corre em segredo de justiça.

Ana Affonso, relatora do processo na Comissão de Ética. Foto: Eduarda Rocha

Após a divulgação da prisão, imagens do boletim de ocorrência e dos depoimentos prestados foram vazados e expuseram o conteúdo das acusações. Odete Zanchet afirma que o único ponto em que as entidades concordam com o parlamentar é sobre a exposição desnecessária de detalhes do caso, mas que isso não invalida o pedido de cassação. “Nós repudiamos essa exposição, pois isso é mais uma violência contra crianças e adolescentes. Mas isso é um fator e o fato de ter se tornado público não impediu que tenha acontecido e que ele assuma o cargo sem qualquer legitimidade”, afirmou. 

Para Ana Affonso, o argumento de perseguição política é “vazio”. “Ele foi acolhido no partido e sempre teve suas prerrogativas respeitadas. Quando ele foi expulso, isso aconteceu com base no estatuto do partido. E o que vai acontecer, se ele for cassado, é consequência dos atos que ele praticou e da exposição negativa que ele gerou para a Câmara de Vereadores”.

A comissão responsável pelo processo de cassação tem 90 dias para analisar o caso e encaminhar o parecer para votação em plenário. A reportagem tentou entrar em contato com o vereador, em seu gabinete e via assessoria, mas não obteve retorno. 


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