Política
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7 de fevereiro de 2023
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14:44

Lula diz que golpistas e financiadores serão punidos um por um: ‘Pode demorar, mas vamos atrás’

Por
Luís Gomes
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Foto: Ricardo Stuckert/PR
Foto: Ricardo Stuckert/PR

O presidente Lula participou na manhã desta terça-feira (7), no Palácio do Planalto, de um café da manhã com veículos da mídia independente de todo o Brasil, entre os quais o Sul21. Ao lado do ministro-chefe da Secretaria de Comunicação (Secom), Paulo Pimenta, e da primeira-dama, Janja, Lula conversou com os jornalistas por cerca de 1h30, e abordou temas como a situação dos indígenas yanomami, em Roraima, as críticas que tem feito à gestão do Banco Central, a viagem que fará nesta sexta-feira (10) aos Estados Unidos, entre outros assuntos.

O presidente abriu o encontro afirmando que o governo só começou a funcionar, na prática, a partir de 24 de janeiro, quando a maior parte das funções nos ministérios começaram as ser preenchidas. Ele destacou que, nesse momento, o foco da gestão será o enfrentamento à fome e a busca pelo crescimento econômico, dizendo acreditar que o País terá um crescimento superior às estimativas atuais.

Lula pontuou que uma das prioridades para a retomada do crescimento e da geração de emprego é o financiamento de pequenas e médias e empresas. Além disso, considerou que o governo tem uma espécie de “vantagem” com 14 mil obras inacabadas para finalizar, sendo 4 mil na educação, uma vez que elas já têm as licenças necessárias e dependem apenas de investimento. O presidente afirmou ainda que fará mais anúncios de medidas para estimular a economia quando voltar dos EUA.

Em sua fala inicial, Lula também abordou a situação dos yanomamis. Ele ponderou que existe uma crença no Brasil de que “sempre se faz pirotecnia” com a questão indígena, mas destacou que o seu governo trata o assunto com seriedade. “Nós não vamos mais permitir garimpo em terras indígenas”

Ele destacou ainda que, no momento, o governo está organizando o processo de retirada dos garimpeiros das terras indígenas, o que considera não ser uma situação fácil. “Nós queremos tirar todo mundo porque a situação em que se encontram os yanomamis perto do garimpo é degradante para um ser humano e o Brasil não tem como permitir que continue. Inclusive, é preciso que a gente apure responsabilidades, o que aconteceu com os nossos companheiros indígenas de Roraima. Tem vários discursos do ex-presidente da República fazendo apologia ao garimpo, vários discursos dizendo que pode garimpar, que pode jogar mercúrio no água, que pode fazer qualquer coisa na água que ele é favorável ao garimpo. Eu, na verdade, acho que só pode ter garimpo em terras em que se pode garimpar e autorizadas pelo governo. Porque a gente nem sabe o quanto se extrai de ouro, para onde vai esse ouro, e as pessoas que estão no garimpo lá eu acho que são as menos culpadas. O mais culpado é quem financia isso, é quem manda o helicóptero, quem manda o avião, quem recebe esse ouro e vai lavar ele na bolsa em São Paulo”, disse o presidente.

Lula também destacou na abertura do encontro que pretende dar centralidade à questão climática em seu governo, afirmando que o tema não ficará mais restrito às universidades. O presidente disse acreditar que seja necessário construir um organismo multilateral para tratar das mudanças climáticas, que não necessariamente precisaria estar vinculado às Nações Unidas (ONU), mas que tenha poder decisório e que suas medidas sejam cumpridas. Ele lembrou que os EUA, por exemplo, jamais assinaram o Protocolo de Kyoto, de 1997, e que diversos países não aderiram formalmente ao Acordo de Paris, de 2015.

 

Foto: Ricardo Stuckert/PR

Lula destacou ao longo da conversa que, além do combate à fome e da busca pelo crescimento econômico, as pautas centrais do governo serão a educação — a alfabetização de crianças na idade correta e as escolas de tempo integral — e a saúde. Relacionando a saúde com a questão dos yanomamis, o presidente destacou que parte dos problemas tem origem no fim do programa Mais Médicos.

“Eu quero saber qual é o médico que tem coragem de trabalhar lá com os yanomamis, ficar uma semana lá?”, questionou.

Ele afirmou que o governo deverá abrir uma licitação para a contratação do Mais Médicos, destacando que profissionais brasileiros terão prioridade, mas que, caso as vagas não sejam preenchidas, também abrirá vagas para estrangeiros. “O que não pode nesse País é as pessoas estarem morrendo por falta de assistência médica”, disse.

Ao longo do evento, foram recorrentes as perguntas relacionadas aos ataques bolsonaristas aos Três Poderes em 8 de janeiro, a politização das Forças Armadas e como o presidente acredita ser capaz de enfrentar as notícias falsas e a radicalização dos seguidores do ex-presidente.

A respeito das Forças Armadas, Lula disse que o papel delas está “bem explícito” na Constituição, sendo limitado à proteção da soberania nacional e do País contra inimigos externos. Na sequência, afirmou que disse aos três comandantes das forças que não é correto que nenhuma instituição do Estado esteja envolvida em política, o que não vale apenas para os militares, mas também para servidores do Ministério Público, do Itamaraty e de outros órgãos e serviços estatais.

Para Lula, o que aconteceu no Brasil foi resultado da ação de Bolsonaro de colocar militares em todos os cargos possíveis, inclusive aqueles que deveriam ser ocupados por civis. “O Palácio do Planalto estava cheio de militares, ainda está, o Alvorada estava cheio de militares, nunca precisou disso”, afirmou.

Por outro lado, pontuou que, em seus 50 anos de vida pública, nunca viu um nível de violência política como o da campanha presidencial de 2022, especialmente nas redes sociais. O presidente disse que sua campanha tentou enfrentar a “máquina de notícias falsas”, mas que não conseguiu fazer frente com “milhões e milhões de mensagens” a cada minuto.

Ele também destacou que o ministro da Justiça, Flávio Dino, elaborou um projeto, que está na Casa Civil, acerca da possibilidade de regulação da difusão de mentiras e de discurso violento. Lula ponderou que deseja fazer um amplo debate a respeito do assunto, mas disse acreditar que a regulação da mídia digital não pode ser uma questão de um só país, que precisa haver um esforço global para regular e “dar tranquilidade aos regimes democráticos”. “As pessoas que estão na internet para pregar o mal e para pregar mentiras não podem ter a facilidade que tem”, afirmou. Ele ainda acrescentou que irá discutir o tema com o presidente dos EUA, Joe Biden.

Questionado posteriormente se a demora para implementar propostas de campanha, como uma nova política de valorização do salário mínimo e o aumento das faixas de isenção do Imposto de Renda, não poderia estar contribuindo para a radicalização de seus opositores, Lula ponderou que, se fosse fácil combater o fascismo, Biden teria feito em 30 dias. O presidente disse acreditar que, diante do volume de recursos públicos que o governo Bolsonaro gastou para tentar ganhar a eleição, ficou claro como o “dinheiro gasto fez efeito”, dizendo que se surpreendeu com a votação expressiva do ex-presidente.

A respeito dos ataques de 8 de janeiro, Lula falou não ter dúvida de que a ação era desejada por Bolsonaro e que a extrema-direita fez o que nenhum outro grupo político fez anteriormente na história do País, que foi dar o passo adiante e invadir a sede dos poderes. “Nós agora queremos saber quem mandou fazer, porque tem muita gente envolvida. Nós vamos atrás de um por um, pode demorar três, cinco meses, vamos atrás de cada um para saber quem financiou essa tentativa de golpe”, afirmou.

 

Foto: Ricardo Stuckert/PR

Ao ser questionado sobre as críticas públicas feitas ao presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto, que é ligado ao ex-presidente Jair Bolsonaro, Lula reconheceu que “não deveria ser normal” um presidente da República discutir publicamente com um ocupantes do cargo, mas disse que as “pessoas que acreditaram na independência do Banco Central” na expectativa de uma taxa de juros mais baixa deveriam avaliar “se valeu a pena ou não”.

Ele ponderou que, em seus dois governos anteriores, o ex-presidente do Banco Central Henrique Meirelles tinha 99% de independência, mas que o governo também precisa ter condições de discutir a taxa de juros, a taxa de inflação e o emprego. “Não é só a meta da inflação, tem que ter uma meta de crescimento, tem que ter uma meta de geração de emprego, porque, se não, fica um ser humano de uma perna só”, disse, acrescentando que Campos Neto deve explicações não a ele, mas ao Congresso Nacional, que o indicou.

Além de questões relacionadas às mudanças climáticas e à regulação das mídias digitais, Lula disse que irá tratar com Biden das relações comerciais com os Estados Unidos e sobre a situação da América Latina, destacando que o Brasil está retomando a normalidade das relações com Venezuela e Cuba.

A respeito da possibilidade de o presidente americano pedir auxílio ao Brasil na guerra da Ucrânia contra a Rússia, Lula afirmou que não espera que o tema seja tratado no encontro, destacando que, em seus governos anteriores, sempre deixou claro aos mandatários dos EUA que o Brasil não se envolveria em guerras. Lembrou que, recentemente, o chanceler alemão, Olaf Scholz, solicitou que o Brasil vendesse munições para o esforço de guerra a favor da Ucrânia, mas disse que recusou porque, quando uma munição brasileira fosse usada na guerra, isso significaria envolvimento do Brasil.

Por outro lado, pontuou que o Brasil quer discutir a paz ao lado de países que não estão envolvidos com o conflito, o que ele considera ser a única possibilidade adequada. “Somente assim a gente pode encontrar a paz”, disse.


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