Política
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8 de setembro de 2021
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18:32

Reações a atos do 7 de setembro podem acelerar descarte de Bolsonaro, diz cientista político

Por
Luís Gomes
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Polícia Federal enquadrou Bolsonaro nos crimes de associação criminosa e inserção de dados falsos em sistema de informações. Foto: Fábio Rodrigues Pozzebom/Agência Brasil
Polícia Federal enquadrou Bolsonaro nos crimes de associação criminosa e inserção de dados falsos em sistema de informações. Foto: Fábio Rodrigues Pozzebom/Agência Brasil

O 7 de setembro não foi o primeiro momento em que o presidente Jair Bolsonaro fez ataques públicos ao Supremo Tribunal Federal (STF) e ameaçou com uma ruptura democrática nos mais de dois anos e meio de seu mandato. Contudo, parece ter sido o momento que levou muitos partidos que permaneciam contrários à possibilidade de impeachment a começarem a colocar em andamento um processo de “descarte” do atual presidente. Essa é a avaliação de Paulo Sérgio Peres, doutor em Ciência Política e professor da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), para o resultado das manifestações desta terça-feira.

Peres vê a reação aos episódios do 7 de de setembro como parte de um processo de “preparação para descarte do Bolsonaro pela aliança que afiançou a chegada dele ao poder”. O professor elenca dois motivos para esse descarte. O primeiro é que o governo estaria sendo um desastre e trazendo prejuízos para setores empresariais que deram apoio ao presidente na eleição de 2018. “O Paulo Guedes não vem conseguindo avançar uma série de reformas que o mercado financeiro nacional e internacional gostariam”, diz Peres.

O segundo motivo seria o fato de as pesquisas eleitorais estarem consolidando um cenário em que o ex-presidente Lula (PT) é o grande favorito para ser eleito em 2022 e que Bolsonaro, apesar de ainda contar com apoio significativo na sociedade, estaria bloqueando o espaço para candidatos que poderiam defender os interesses dos agora ex-apoiadores do presidente.

“O que significa para essa agenda de alianças que se formou em torno da eleição do Bolsonaro? O Bolsonaro eleitoralmente é inviável, mas, ao mesmo tempo, se ele concorrer, não haverá nenhum outro candidato capaz de chegar ao segundo turno para disputar com o Lula. Então, praticamente a vitória do Lula estaria garantida. É aí que eu vejo que começa essa situação complexa que esse grupo vai ter que lidar”, afirma o professor.

Cientista político e professor da UFRGS, Paulo Sérgio Peres avalia | Foto: Guilherme Santos/Sul21

Apesar de as chamadas “notas de repúdio” a declarações de Bolsonaro já terem se tornado quase anedóticas no cenário político brasileiro, uma nova leva de posicionamentos contrários às ideias de ruptura do presidente foram publicados desde ontem. Na manhã desta quarta-feira (8), o PSD, de Gilberto Kassab, informou que estava criando uma comissão para acompanhar os desdobramentos das manifestações bolsonaristas.

“Temos avaliações de alguns importantes juristas apontando que apenas as falas, as manifestações, seriam razões suficientes para justificar o processo. Vamos acompanhar a conduta do governo para determinar, ou não, a defesa e o apoio a um eventual processo de impeachment do presidente da República”, disse Kassab, que até então defendia publicamente que não seria possível banalizar o instrumento do impeachment. “Tivemos hoje a temperatura mais elevada, manifestações muito duras, acima do tom. Começam a surgir indicativos importantes, que podem justificar o impeachment. A fala de que o presidente não vai acatar decisões judiciais é muito preocupante”, complementou.

Presidente nacional do Solidariedade, Paulinho da Força também defendeu abertamente o impeachment do presidente. “Mais uma vez, o presidente afrontou a democracia e deu provas de que não vai parar com os ataques às instituições. Neste momento, sou favorável ao impeachment do Bolsonaro. Precisamos sair da neutralidade e vou conversar com diversos partidos sobre o impedimento do presidente”, escreveu nas redes sociais.

O governador de São Paulo e pré-candidato do PSDB à presidência, João Dória, já manifestou sua defesa da remoção de Bolsonaro ao criticar o discurso do presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), que horas antes havia ignorado o tema. “Lamento que ele não tenha compromisso com a democracia, porque se tivesse, estaria colocando em pauta o impeachment do presidente Bolsonaro. Eu lamento, sinceramente, a postura, a atitude e o descompromisso do presidente da Câmara federal com a democracia brasileira”, disse Dória, que em 2018 surfou na onda bolsonarista e buscou o apoio de aliados do presidente para a dobradinha “Bolsodória”.

No final do dia, foi a vez da direção nacional do partido oficializar sua ida para a oposição, dizendo que passaria a analisar a possibilidade do impedimento. “Por unanimidade PSDB anuncia oposição ao governo Bolsonaro e início da discussão sobre a prática de crimes de responsabilidade pelo presidente da República. O PSDB repudia as atitudes antidemocráticas e irresponsáveis adotadas pelo presidente da República em manifestações pelo Dia da Independência. Ao mesmo tempo, conclama as forças de centro para que se unam numa postura de oposição a este projeto autoritário de poder”, diz nota divulgada nas redes sociais do partido.

Em tom “mais suave”, o MDB criticou, em nota oficial, os ataques de Bolsonaro aos demais poderes. “É lamentável o presidente da República usar o Dia da Independência para afrontar os outros Poderes. Parece tentar se desviar dos problemas reais: inflação de alimentos, combustíveis, crise fiscal, hídrica, desemprego e baixo crescimento. O MDB respeita divergências programáticas, mas se aferra à Constituição que determina a independência harmônica entre os poderes. Contra isso, o próprio texto constitucional tem seus remédios em defesa da democracia, que é sinônimo da vontade do povo”.

Mesmo Democratas e PSL, partidos de sustentação do governo que estão em fase de fusão, divulgaram uma nota crítica. “Hoje se torna imperativo darmos um basta nas tensões políticas, nos ódios, conflitos e desentendimentos que colocam em xeque a Democracia brasileira e nos impedem de darmos respostas efetivas aos milhões de pais e mães de família angustiados com a inflação dos alimentos, da energia, do gás de cozinha, com o desemprego e a inconstância da renda. Não existe independência onde ao cidadão não se garantem as condições para uma vida digna. O Brasil real pede respostas enérgicas e imediatas. Coloquemos as mãos à obra”, diz a nota conjunta.

Já o presidente da Câmara, Arthur Lira, apesar de não mencionar a possibilidade de impeachment, defendeu a necessidade de se interromper a escalada de negatividade na política. “Conversarei com todos, e com todos os poderes. É hora de um basta a essa escalada em um infinito looping negativo. Bravatas em redes sociais, vídeos e um eterno palanque deixaram de ser um elemento virtual e passaram a impactar o dia a dia do Brasil de verdade. O Brasil que vê a gasolina chegar a R$ 7 reais, o dólar valorizado em excesso e a redução de expectativas. Uma crise que, infelizmente, é superdimensionada pelas redes sociais, que apesar de amplificar a democracia estimula incitações e excessos”, disse Lira, que até o momento se recusa a colocar em apreciação os mais de 100 pedidos de impeachment de Bolsonaro já apresentados.

Por fim, naquela que foi considerada como a resposta mais dura contra Bolsonaro, o presidente do STF, Luiz Fux, afirmou que atacar decisões judiciais é “crime de responsabilidade” e que ninguém fechará o Supremo. “Este Supremo Tribunal Federal jamais aceitará ameaças à sua independência nem intimidações ao exercício regular de suas funções. Ninguém fechará esta Corte. Nós a manteremos de pé, com suor e perseverança”, disse.

Para o professor Paulo Peres, um elemento que precisa ser levado em consideração ao se tratar da possibilidade de impeachment é o fato de que ele pode interessar até mesmo a setores das Forças Armadas, que hoje ocupam milhares de cargos no governo Bolsonaro.

“Esse clima golpista que o Bolsonaro sugere faz com que as Forças Armadas pudessem ser um Plano B de salvação do País evitando o perigo golpista, por um lado. Por outro, segurar o Bolsonaro até o fim do mandato tem um custo que é bastante imprevisível. Então, o que aparece agora? Eu penso que eles estimularam o Bolsonaro a radicalizar, e ele não percebeu que, no fundo, é um laranja nisso tudo, porque agora se abre uma possibilidade de tentar encontrar o melhor curso de ação para que esse grupo, quem sabe, tenha alguma chance de competição contra o Lula em 2022”, avalia Peres. “Se Bolsonaro radicaliza, você encontra a desculpa perfeita para tentar atrair o Centrão para essa esfera de influência que viria de alguns setores empresariais e de militares que querem continuar a ocupação do Estado para remover o Bolsonaro. O problema aí é o seguinte: qual seria a melhor maneira de retirar o Bolsonaro?”.

Peres avalia que os movimentos do impeachment, do ponto de vista da centro-direita e da direita que estão rompendo com Bolsonaro, devem levar em conta dois fatores: que a retirada do Bolsonaro não significasse o fortalecimento do PT e que grupos que hoje estão ganhando com o governo federal não saiam perdendo com a troca de governo.

Por outro lado, Peres avalia que a mera existência da discussão sobre ter ou não golpe é algo muito grave e que, na verdade, obscurece o fato de que um “golpe” já foi dado pelos militares para tomarem conta do governo. “Já houve um golpe processual, que não é o clássico, de derrubada de maneira rápida e violenta do presidente da República, com o fechamento do Congresso, mas nós temos um governo de ocupação militar. De maneira que eu penso também que já poderíamos classificar o regime brasileiro como uma democracia militar, se é que dá para falar isso, mas ilustra bem essa situação paradoxal. No fundo, são eles que dão as cartas. Então, golpe clássico aconteceria numa eventualidade de haver uma radicalização muito grande dos apoiadores do Bolsonaro, deles não encontrarem outra alternativa eleitoral e aí, com a desculpa de restabelecer a ordem, aclamado pela população, o Exército poderia assumir. Mas eu vejo essa possibilidade como ainda distante porque esse golpe já aconteceu, eles já estão no poder e o Bolsonaro é um fantoche disso, cumpre a função de nos distrairia desse fato”, diz o professor.

Peres diz que, com o enfraquecimento de Bolsonaro, as alternativas que restariam aos grupos subitamente interessados na saída do presidente seriam o impeachment e a cassação da chapa pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE), mas que estes seriam cenários que trariam grande incerteza e poderiam resultar, no caso do último, em uma antecipação da eleição. Ainda haveria outra alternativa que seria Bolsonaro concluir o mandato, mas ser impedido de concorrer caso o TSE venha a impugnar sua candidatura de reeleição por considerar que ele está fazendo campanha antecipada.

“Quanto mais o Bolsonaro radicaliza, mais abre esse espaço para a possibilidade de removê-lo com a desculpa de que é uma salvaguarda para a democracia, mas, no fundo, com a intenção de abrir o espaço para uma alternativa de centro-direita, que tentaria capturar os votos do Bolsonaro, mas também os votos dos nem Bolsonaro, nem Lula”, afirma Peres.

Em qualquer caso, o professor vê a intenção dos militares de permaneceram ocupando o Estado e buscando, de alguma forma, manter o governo federal tutelado, o que obrigaria mesmo Lula, em eventual vitória em 2022, a negociar com as Forças Armadas. “É triste e, ao mesmo tempo, desalentador perceber que altos comandantes usam um recurso público, que são as Forças Armadas, como uma força de chantagem”, diz.


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