Política
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11 de junho de 2021
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21:21

Vereadora trans de São Borja denuncia violência política após ter chefe de gabinete exonerada

Por
Luciano Velleda
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Num caso fora do comum, a chefe de gabinete da vereadora Lins Roballo (PT) foi demitida pelo presidente da Câmara de São Borja. Foto: Divulgação
Num caso fora do comum, a chefe de gabinete da vereadora Lins Roballo (PT) foi demitida pelo presidente da Câmara de São Borja. Foto: Divulgação

Lins Roballo (PT) foi uma das três mulheres trans eleitas vereadoras no Rio Grande do Sul em 2020. Com 678 votos, foi a 12ª mais votada em São Borja. Assumiu o mandato com consciência dos desafios que enfrentaria e montou um gabinete formado apenas por mulheres trans. O desafio é fazer a disputa política dentro da Câmara de São Borja com demandas historicamente ignoradas.

No dia 24 de maio, Lins e sua equipe foram vítimas de um fato insólito. Após uma discussão, o vereador e presidente da Câmara de São Borja, José Luiz Machado (PP), exonerou a chefe de gabinete da vereadora. O pretexto teria sido uma publicação sobre cuidados na pandemia feita pelo mandato de Lins e que, entre orientações de prevenção para evitar o contágio, alertava os eleitores a não votarem em 2022 e em 2024 em quem coloca a saúde da população em risco. O material citava “brancos elitistas”.

A referência foi a deixa para os vereadores de São Borja acusarem Lins de racismo. Após a discussão, o presidente da Câmara exonerou a chefe de gabinete. Para a vereadora, o caso revela o incômodo que seu mandato tem causado entre os colegas de parlamento.

“Nossa mandata é combativa, composta por mulheres trans, com assuntos historicamente invisíveis na sociedade. Sempre fizemos as reflexões sobre igualdade racial, temas da periferia e isso tem impactado na atuação dos nossos colegas. São assuntos que geram polêmicas e visões distintas”, analisa Lins.

A vereadora não tem dúvida de que a demissão da sua chefe de gabinete tem o objetivo de atacar e fragilizá-la politicamente. Desde então, Lins tenta reverter a exoneração na Justiça e está sem chefe de gabinete.

“É uma decisão totalmente arbitrária. Isso, na verdade, é uma violência política, é a própria estrutura da política machista de não conseguir compreender os mandatos que não seguem o perfil branco e machista”, define. “A gente sabia que seria difícil e conturbada nossa passagem pela Câmara, mas justamente por isso decidimos entrar para o campo político, para ocupar o espaço e trazer nossas demandas pra dentro dessa estrutura.”

O caso da vereadora Lins Roballo é mais uma violência política contra mulheres eleitas que tem acontecido pelo Brasil. A denúncia dela foi apresentada em reunião da Força-tarefa de Combate aos Feminicídios no Rio Grande do Sul, vinculada à Comissão de Segurança e Serviços Públicos da Assembleia Legislativa, na última segunda-feira (7), com a participação de deputados, vereadoras e representantes de diversas entidades e órgãos públicos.

Além do caso da vereadora de São Borja, também foram feitos relatos de denúncias pelas vereadoras Rita Della Giustina (PT), de Sapiranga, Caren Castencio (PT), de Bagé, e Denise Pessôa (PT), de Caxias do Sul. Na ocasião, foram acolhidas denúncias de vereadoras que vêm sofrendo ataques machistas e violência política no exercício dos seus mandatos.

“São mulheres que têm sido sistematicamente ameaçadas dentro e fora das Câmaras, em virtude das suas atuações”, afirma Ariane Leitão, da coordenação da Força-tarefa. Embora as ameaças sejam contra mulheres em geral, ela pondera que o foco da violência tem sido mais direcionado contra parlamentares alinhadas com o campo político da esquerda. “É a ameaça permanente à vida das mulheres, e a possibilidade de  transformar isso em crime político.”

Ariane diz que a Força-tarefa de Combate aos Feminicídios da Assembleia tem se tornado o único espaço de denúncia e escuta das mulheres vítimas de violência. No ambiente político dos parlamentos, as agressões têm origem nos próprios colegas, uma situação que ela define como um “conluio masculino” para atacar os mandatos de mulheres. “Infelizmente são os próprios vereadores. É realmente assustador”, lamenta.

A coordenadora da Força-tarefa manifesta preocupação com a vida das parlamentares e diz ser preciso garantir proteção. “Elas foram eleitas, têm o direito de fazerem a política que elas quiserem. São atacadas por defenderem o feminismo. Não se aceita que o espaço seja ocupado por mulheres. Elas não são atacadas por corrupção, são atacadas por serem mulheres”, afirma.

A partir do final de junho, a Força-tarefa de Combate aos Feminicídios da Assembleia planeja encontros regionais pelo Rio Grande do Sul para ouvir denúncias e identificar as situações problemáticas de cada região.

Ainda no começo do mês, a deputada estadual Luciana Genro (PSOL) solicitou audiência pública junto à Comissão de Cidadania e Direitos Humanos da Assembleia Legislativa para tratar da perseguição às vereadoras transexuais e travestis do Rio Grande do Sul.

Na ocasião, a deputada citou a discriminação por parte de parlamentares e ameaças sofridas pela vereadora Lins Roballo (PT). “Precisamos garantir o livre exercício dos direitos políticos destas vereadoras eleitas e fortalecer a luta contra a transfobia em todos os espaços”, disse Luciana Genro, coordenadora da Frente Parlamentar em Defesa da População LGBT na Assembleia.

Além de Lins, o RS tem outras duas vereadoras trans: Regininha (PT), em Rio Grande, e Yasmin Prestes (MDB), em Entre-Ijuís. Em Porto Alegre, a ativista trans Natasha Ferreira é suplente de vereadora pelo PSOL.

Enquanto isso, a vereadora Lins Roballo enfatiza que os “mandatos da diversidade” e periféricos continuarão surgindo e assumindo cada vez mais os espaços políticos. “Talvez não haja mudança tão rápida, mas a política está se encaminhando para ter mais diversidade de negros e mulheres e falar sobre essas dores invisíveis e apagadas.”

A reportagem entrou em contato com o gabinete do vereador José Luiz Machado (PP) e ainda não teve retorno. Assim que houver resposta sobre a situação que envolveu a demissão da chefe de gabinete da vereadora Lins Roballo (PT), será incluída na matéria.


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