Mobilidade
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30 de março de 2022
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14:20

Como o corte da meia-passagem impacta professores e alunos em Porto Alegre

Por
Editorial J
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Edição sobre foto de Marcelle Cristinne/ASN
Edição sobre foto de Marcelle Cristinne/ASN

Laís Alves Rodrigues*

No final de dezembro de 2021, o prefeito Sebastião Melo (MDB) sancionou a Lei das Isenções Tarifárias, aprovada cerca de um mês antes na Câmara Municipal. A medida reduziu as isenções tarifárias no transporte público de Porto Alegre de 14 para 6, resultando na retirada do meio-passe para algumas categorias, como os professores. Na ocasião, o Executivo destacou que a medida não afetaria os docentes, que teriam vale-transporte garantido por seus empregadores, mas não é bem assim.

“Infelizmente, os professores estão tendo que arcar com maiores gastos para se deslocar. É importante frisar que o governo do município faz parte do consórcio governista a nível de Estado. Ele é responsável também pela aprovação de um projeto de lei que desfigurou o piso salarial do magistério. É aquela velha política de criar ações ou leis que tenham um impacto geral, no qual as pessoas têm que resolver um problema por sua própria conta”. A avaliação é de Alex Saratt, professor e 1º vice-presidente do Centro dos Professores do Estado do Rio Grande do Sul (CPERS-Sindicato), sobre o corte da meia-passagem dos professores.

No caso dos professores da rede estadual, por exemplo, o auxílio-transporte muitas vezes não cobre as necessidades de deslocamento e ainda é descontado, em parte, no final do mês. Segundo explica Saratt, a mudança agrava a vulnerabilidade financeira de muitos docentes, junto com a inflação e a não reposição salarial.

É o caso de Mariane Pereira, professora do Estado, que trabalha em duas escolas e precisa usar o transporte público para se deslocar entre Viamão e Porto Alegre. Ela relata que o ônibus é seu principal meio de locomoção, e que não teve outra opção a não ser continuar utilizando o transporte ao perder a meia-passagem na Capital. Para economizar um pouco, Mariane ocasionalmente pega carona com colegas que tenham carro por ao menos uma parte de seu trajeto.

“O meu maior problema está sendo arcar com o custo das passagens, sendo que o nosso salário não acompanha o real da inflação, atualmente ele é só para a nossa sobrevivência. Nossos direitos estão sendo usurpados de nós, e a maioria da população não percebe isso”, diz a professora.

O valor do auxílio-transporte fornecido pelo governo do Estado para a professora é de R$ 92 por mês, mas Mariane gasta R$ 264 em passagens indo dois dias às escolas onde trabalha, segundo demonstrativos enviados à reportagem.

Saratt também destaca a importância das políticas públicas na correção de desigualdades e a necessidade do reconhecimento dessas assistências.

Já para os estudantes, o benefício não foi totalmente excluído, e sim reduzido.

O PLE 043/21, de Sebastião Melo, determinou as seguintes mudanças para esse grupo:

  • A passagem escolar será destinada ao estudante hipossuficiente, devidamente inscrito no CadÚnico, regularmente matriculado e efetivo nas redes de ensino fundamental, médio, técnico, profissionalizante, graduação ou preparatório, em instituições de ensino público e privadas, devidamente reconhecidas pelo respectivo órgão oficial.
  • Para renda familiar per capita máxima entre R$ 1.925,01 até R$ 2.200,00: isenção de 25% para estudantes do ensino fundamental, médio, técnico, profissionalizante, graduação ou preparatório.
  • Para renda familiar per capita máxima entre R$ 1.650,00 e R$ 1.925,01: isenção de 50% para estudantes do ensino fundamental, médio, técnico, profissionalizante, graduação ou preparatório.
  • Para renda familiar per capita máxima de até R$ 1.650,00:
    100% de isenção para alunos do ensino fundamental;
    75% para estudantes do ensino médio e técnico;
    50% para ensino profissionalizante, superior ou preparatório.

Em uma enquete feita com 29 alunos de Porto Alegre, 57% disseram que vão passar a diminuir o uso do ônibus, enquanto isso, 33% não mudarão o modo como usam o transporte e os 10% restantes vão deixar de usar totalmente o transporte coletivo. Apenas dois dos entrevistados continuam com benefício.

Em um caso de total desistência do uso de ônibus, Justyne Oliveira aderiu aos aplicativos de transporte para se movimentar pela cidade. “Eu teria que pegar dois ou três ônibus para ir até a faculdade, isso sairia uns R$ 30 em passagens de ida e volta todos os dias, para não precisar ser desse jeito, o meu pai me busca”, explicou a estudante ao ser perguntada sobre como ela faria para economizar.

Renatha Jotz, outra estudante entrevistada, diz que com o aumento dos gastos em deslocamento, passou a pegar ônibus apenas para trajetos longos e que prefere caminhar se o destino for perto.

A União Metropolitana dos Estudantes Secundários de Porto Alegre (UMESPA) apoiou o projeto. Anderson Farias, presidente da entidade, explica que a decisão se deu em “uma tentativa de redução de danos”. “O projeto substituiu outro que era pior. Ele retirava a isenção de estudantes do ensino privado, pré-vestibular e profissionalizante.”

O projeto anterior, ao qual Anderson se refere, é o PLE 013/17, assinado por Nelson Marchezan Júnior (PSDB).

Além de participar do protesto contra o projeto de Marchezan em 2019, a UMESPA apresentou um documento à Prefeitura de Porto Alegre apontando os “erros do projeto e sua ineficiência”. “Algumas das nossas reivindicações foram atendidas, outras acabamos perdendo, como o estudante que mora fora de Porto Alegre, mas estuda na cidade, esse estudante ficou de fora.”

Atualmente a União está auxiliando no processo de comprovação de renda de pessoas que encontram alguma dificuldade para se inscrever no CadÚnico.

“Fomos pegos de surpresa na questão de comprovar a renda. A lei entrou em vigência e logo começaram a cobrar. Enfrentamos problemas no atendimento, tem gente que não consegue comprovar. Fizemos um documento no qual a pessoa assina na hora, para dizer que não tem como declarar a renda. Encaminhamos o registro para a EPTC, que leva 11 dias úteis para aprovar a carteira”, afirma Anderson.

A vereadora Karen Santos (PSOL) vê importância na criação de leis para a diminuição de disparidades sociais, mas aponta que empresas privadas de transporte individual devem ser taxadas para auxiliar na manutenção do transporte público.

“A gente entende que deveria haver um fundo municipal de transporte público. Não é viável que o usuário seja o único pagador da tarifa na roleta. Deveria ter um subsídio do Governo Federal para todas as capitais que estão passando por esse processo de crise. É preciso buscar uma forma de taxar as empresas de aplicativo (99, Uber…), destinar esses recursos a um fundo de transporte coletivo para tentar subsidiar a tarifa”, avalia Karen.

*É aluna de Jornalismo da Famecos. A reportagem integra projeto desenvolvido em parceria pelo Editorial J – Laboratório de Jornalismo Convergente do Curso de Jornalismo da Famecos/PUCRS e pelo Sul21 sobre mobilidade urbana em Porto Alegre.


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