Meio Ambiente
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23 de outubro de 2023
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18:56

Com poucas novidades, governo Leite lança plano para enfrentar mudanças climáticas

Por
Luciano Velleda
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Leite procura mostrar uma agenda preocupada com a crise do clima, mas ações práticas do governo são muito criticadas por ambientalistas. Foto: Luiza Castro/Sul21
Leite procura mostrar uma agenda preocupada com a crise do clima, mas ações práticas do governo são muito criticadas por ambientalistas. Foto: Luiza Castro/Sul21

O governador Eduardo Leite (PSDB) assinou, nesta segunda-feira (23), um contrato de R$ 1,5 milhão com o Conselho Internacional para Iniciativas Ambientais Locais (ICLEI, na sigla em inglês), uma rede global fundada em 1990 por 200 governos locais de 43 países, voltada para o desenvolvimento urbano sustentável. Pelos próximos 18 meses, a entidade irá assessorar o governo gaúcho na governança, análise de risco e vulnerabilidade climática do Rio Grande do Sul diante dos desafios das mudanças do clima que afetam todo o planeta. O Plano de Governança e Conformidade Climática inclui a execução do inventário de emissões de gases do efeito estufa, conforme diretrizes da Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudança de Clima (UNFCCC).

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A assinatura da parceria ocorreu na Fábrica do Futuro, em Porto Alegre, quando o governo apresentou o que avalia como um conjunto de estratégias para o enfrentamento das mudanças climáticas que, somente em 2023, já causaram mais de 100 mortes em pelo menos quatro eventos extremos no RS.

A parceria com o ICLEI se insere no Plano Estratégico do ProClima 2050, que tem como objetivo reduzir as emissão de carbono em 50% até 2030 e agir para neutralizar a totalidade das emissões até 2050. O ProClima 2050 pretende ser um roteiro de ações para medidas de mitigação e adaptação às mudanças climáticas, com prazos para que as ações sejam executadas.

Transição energética justa; redução das emissões de gases do efeito estufa; educação e conscientização ambiental; e resiliência climática são os quatro pilares do ProClima 2050 elaborado pelo governo estadual.

“O enfrentamento às mudanças climáticas envolve esse tipo de atuação para reduzir o impacto ambiental das atividades humanas, o que inclui a transição energética. Além de disseminar as práticas, devemos incentivá-las economicamente, e são várias as atividades sendo implantadas pelo governo do Estado nesse sentido”, afirmou Leite durante a solenidade. “Não se trata apenas de conseguir um selo ou certificado, mas de assumir compromissos públicos alicerçados em ações concretas.”

O governador destacou que o RS precisa dar sua contribuição ao mundo no enfrentamento da crise do clima, ao mesmo tempo em que precisa saber conviver com as mudanças climáticas que já são realidade. Leite lembrou que após sofrer três severas estiagens, o RS vive um 2023 com muitas chuvas, enchentes e ciclones.

A parceria com o ICLEI envolve ainda a capacitação de uma equipe do governo gaúcho nas metodologias aplicadas para viabilizar o monitoramento contínuo das emissões de gases do efeito estufa. Durante o evento, o governo do Estado também anunciou a criação de um gabinete de crise para tratar das mudanças climáticas que afetam o RS.

Leite e Marjorie Kauffmann, secretária estadual do Meio Ambiente e Infraestrutura (Sema). Foto: Luiza Castro/Sul21

Durante a apresentação das ações de enfrentamento às mudanças do clima que o governo Leite entende já teriam sido realizadas, chamou a atenção alguns episódios que tiveram ampla repercussão negativa das entidades ambientalistas do RS.

É o caso da Lei 15.434, o chamado Novo Código Estadual do Meio Ambiente, que suprimiu ou flexibilizou mais de 500 artigos e incisos do Código Estadual de Meio Ambiente de 2000, afrouxando assim as regras de proteção ambiental dos biomas Pampa e Mata Atlântica.

Segundo a secretária estadual do Meio Ambiente e Infraestrutura (Sema), Marjorie Kauffmann, o novo Código Estadual do Meio Ambiente “trouxe mais elementos para analisar” o tema das mudanças climáticas

Em dezembro de 2021, o governo estadual também criou o Licenciamento por Adesão e Compromisso (LAC), criando o autolicenciamento privado, medida igualmente muito criticada por ambientarias.

Entre as medidas listadas pelo governo como ações para enfrentar a crise climática estão ainda a participação na COP 26, em Glasgow, e na COP 27, no Egito; a adesão ao programa Race to Zero e Race to Resilience; a criação do Fórum Gaúcho de Mudanças Climáticas; o incentivo a criação de Comissões Municipais sobre Mudanças Climáticas; assim como a assinatura do protocolo de intenções para a descarbonização das cadeias produtivas do RS e o Programa de Desenvolvimento da Cadeia de Hidrogênio Verde no RS, entre outras ações.

No âmbito da redução das emissões de gases do efeito estufa, o governo destacou na apresentação o programa Campos do Sul, que visa dar incentivos para que pecuaristas desenvolvam boas práticas ambientais e de manejo – a pecuária é considerada uma atividade econômica que protege os campos nativos do Pampa. Em 2021, 252 propriedades rurais receberam o certificado, totalizando 4 mil hectares.

Ainda que importante, o programa do governo estadual é aquém da necessidade de preservação do bioma. De acordo com o MapBiomas, o Pampa perde, anualmente, em torno de 130 mil hectares de campos nativos transformados em lavouras, prioritariamente de soja. Hoje, o bioma típico do RS tem mais áreas modificadas pela ação humana (antropizadas) do que de vegetação nativa. Em 1985, as áreas de vegetação nativa ocupavam 61,3% do Pampa e, em 2021, essa participação foi de 43,2% – quase o mesmo das áreas de agricultura, que já ocupam 41,6% do bioma.

Entre 1985 e 2021, a perda de vegetação nativa foi de 29,5%, sendo acentuada nas últimas duas décadas. Os dados são de estudo do MapBiomas, em 2022, sobre uso e ocupação do solo do Pampa cobrindo o período de 37 anos. Apesar da importância do tema na agenda ambiental do RS, o anúncio desta segunda-feira (23) não trouxe novidade sobre medidas de preservação do Pampa.

A agenda climática do governo estadual também ocorre poucas semanas após os advogados Thales Zendron Miola e Marina Ramos Dermmam, sócios no escritório MDRR Advocacia & Direitos Humano, especializado em direitos socioambientais, analisaram o Projeto de Lei Orçamentária Anual (LOA) para 2024 e o Plano Plurianual 2024-2027 elaborado pelo governo Leite, e concluíram que a adaptação aos eventos climáticos extremos não é prioridade.

As cifras do orçamento foram objeto de discussão em recente reunião da Comissão de Finanças da Assembleia. No caso da LOA, a análise feita pela dupla de advogados aponta que “menos de 0,2% dos recursos propostos são para políticas públicas de adaptações climáticas”. Apenas R$ 157,933 milhões, de um orçamento total de R$ 80,348 bilhões, são previstos para a adaptação climática tão falada por cientistas e ambientalistas – e pelo próprio governo estadual.


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