Meio Ambiente
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6 de dezembro de 2022
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19:04

Decisão histórica da União Europeia aprova lei antidesmatamento

Por
Sul 21
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Desmatamento é o principal responsável pelo aumento da emissão dos gases de efeito estufa. Foto: Christian Braga/Greenpeace
Desmatamento é o principal responsável pelo aumento da emissão dos gases de efeito estufa. Foto: Christian Braga/Greenpeace

A União Europeia (UE) aprovou nesta terça-feira (6) uma regulação que proíbe a entrada no mercado europeu de commodities produzidas em áreas desmatadas após 31 de dezembro de 2020. O novo regulamento está sendo considerado por entidades ambientalistas um marco histórico para a proteção das florestas: pela primeira vez, os compradores de commodities poderão auditar os vendedores e rejeitar carne, soja, madeira, borracha, cacau, café e óleo de dendê vindos de qualquer propriedade com desmatamento ou degradação, legal ou ilegal.

Embora especialistas também apontem algumas falhas na nova regulação, a notícia é especialmente boa para a Amazônia brasileira, pois a Europa é o segundo maior mercado consumidor de commodities do Brasil e um regulamento rígido sobre desmatamento por parte do bloco tende a ser usado como referência por outros importadores, como China e Estados Unidos. A expectativa é que a novidade contribua para o setor privado facilitar o cumprimento da meta anunciada pelo presidente eleito, Luiz Inácio Lula da Silva, de zerar o desmatamento no País até 2030.

Segundo o Observatório do Clima, a principal rede da sociedade civil brasileira sobre a agenda climática, ainda que muito importante para as florestas, a legislação europeia falhou com os demais biomas. Isso porque o texto aprovado num “triálogo” entre a Comissão Europeia, o Conselho Europeu (representação dos Estados-membros) e o Parlamento Europeu rejeitou a proposta do parlamento de incluir “outras áreas florestadas” (other wooded land) nas auditorias. Com isso, 74% do Cerrado brasileiro ficará desprotegido, fator especialmente grave considerando que o Cerrado é o bioma onde é produzida a maior parte das commodities exportadas para a União Europeia (UE).

A análise do Observatório do Clima, composta por 77 organizações, entre ONGs ambientalistas, institutos de pesquisa e movimentos sociais, é que ao restringir a produção com desmatamento na Amazônia, na Mata Atlântica e no Chaco, os biomas mais tipicamente florestais da América do Sul, a nova regulação pode causar “vazamento” do desmatamento para o Cerrado, ampliando sua destruição. O texto promete revisar a lei um ano após sua entrada em vigor para avaliar a inclusão de “outras áreas florestadas”. Também ficou para revisão a responsabilização de bancos e outras instituições que financiam o desmatamento.

Outro ponto lamentado por ambientalistas se refere aos direitos humanos. Ausente da proposta original da Comissão Europeia, apresentada em novembro de 2021, a inclusão de uma menção a direitos humanos causou intensa pressão do movimento indígena. O Parlamento Europeu chegou a avançar no assunto, mas no “triálogo” ele foi enfraquecido. Apesar da inclusão do Consentimento Livre, Prévio e Informado (FPIC) na definição da legislação do país de produção, o texto limita o escopo de direitos humanos às leis nacionais e não faz referência a convenções internacionais relevantes, como a Convenção 169 da OIT (Organização Internacional do Trabalho).

A data de corte estipulada pela União Europeia, dezembro de 2020, significa que as auditorias feitas pelos compradores (chamadas “due diligence” no jargão do mercado) nos vendedores deverão recusar produtos cultivados ou criados em áreas desmatadas após essa data.

Todavia, o período estipulado vai beneficiar todos os produtores que desmataram antes de dezembro de 2020, o que significa metade do mandato do governo de Jair Bolsonaro (PL), caracterizado por “passar a boiada” e estimular crimes ambientais. No Brasil, a moratória da soja já audita propriedades desde 2006 e especialistas apontam que haveria condição técnica de recuar a data de corte para antes de 2020. Prevaleceu, porém, a proposta original da Comissão Europeia ao invés da do Conselho Europeu, que queria 2023 como data de corte.

Apesar das brechas, a nova legislação inova ao tratar de um dos pontos essenciais para o combate ao desmatamento: a rastreabilidade. A partir da data de entrada em vigor da legislação, operadores serão obrigados a fornecer as geolocalizações de suas mercadorias até o polígono (parcela de terra) da fazenda onde elas foram produzidas. O lobby do agronegócio, dentro e fora da Europa, tentou excluir a geolocalização da lei, alegando aumento de custos para os produtores.

O Observatório do Clima e outras organizações da sociedade civil argumentaram, num posicionamento público à União Europeia, que essa alegação é frágil, visto que o setor da soja no Brasil pratica rastreabilidade até o polígono há mais de 15 anos — e a tecnologia de sensoriamento remoto permite fazer isso em qualquer lugar do mundo.

O novo regulamento isenta pequenos produtores (até 4 hectares) e divide os países em categorias de alto, médio e baixo risco de desmatamento. Aqueles considerados de “baixo risco de desmatamento” terão auditoria simplificada e menos fiscalizações por parte dos compradores.

“A aprovação da legislação europeia é um marco importante na luta pelo fim do desmatamento. Ainda que devesse ter incluído o Cerrado para ter um efeito mais amplo no Brasil, foi importante que o texto final reconheceu e incluiu o direito dos povos indígenas. Para o Brasil, é uma mensagem clara e inequívoca de que o único caminho para a prosperidade do agronegócio é eliminar, o mais rápido possível, o desmatamento e a conversão das cadeias produtivas”, afirma Maurício Voivodic, diretor-executivo do WWF Brasil.

“A normativa deve servir de anteparo, um tipo de salvaguarda ambiental para destravar o acordo União Europeia e Mercosul. E o resultado disso para o Cerrado será uma maior aceleração do desmatamento e violação de direitos de povos e comunidades tradicionais”, analisa Guilherme Eidt, assessor de Políticas Públicas do Instituto Sociedade, População e Natureza (ISPN).

“Mais uma vez o Cerrado é colocado como bioma de sacrifício. Os europeus deram uma sinalização importante para o mundo, mas perderam a oportunidade de fazer uma lei efetiva. O Cerrado é a principal fonte de desmatamento importado pela Europa hoje. Para nós, aumenta o risco do esgarçamento dos recursos hídricos, crise de abastecimento d’água e energética para os maiores centros urbanos do país, e o acirramento da violência no campo”, critica o assessor de Políticas Públicas do Instituto Sociedade, População e Natureza.

Marcio Astrini, secretário-executivo do Observatório do Clima, observa que a legislação europeia está longe de ser perfeita, mas dá um sinal importante para o mundo inteiro, o de que o desmatamento não deve mais ser tolerado. “Daqui pra a frente os mercados se fecharão a quem destruir ou degradar florestas. Quem apostou na passagem da boiada durante o governo Bolsonaro e achou que poderia devastar impunemente quebrou a cara. Felizmente essa parcela do agronegócio, embora barulhenta, é minoritária”, diz.


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