Meio Ambiente
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24 de setembro de 2021
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16:27

Prefeitura e Inter defendem construção de torres no Beira-Rio, mas ouvem contestações

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Sul 21
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Projeto apresentado para a construção das torres ao lado do estádio Beira-Rio | Foto: Reprodução
Projeto apresentado para a construção das torres ao lado do estádio Beira-Rio | Foto: Reprodução

A Câmara Municipal de Porto Alegre realizou na noite desta quinta-feira (23) audiência pública para debater o projeto de construção de dois edifícios, que prometem ser as maiores torres do Estado, uma delas com 130 metros de altura e outra com 81 metros, na área do Complexo Beira-Rio. A autorização para a construção é prevista no Projeto de Lei Complementar do Executivo nº 004/19, que está em tramitação na Casa.

Em 7 de dezembro de 2017, o Internacional solicitou à Prefeitura formalmente o encaminhamento de projeto de lei visando “autorização para a realização de um empreendimento imobiliário a ser comercializado”, que ocuparia em torno de 25 mil m² da área em domínio do clube. Como contrapartida, ficou estabelecido que o Município e o Internacional aditariam o Termo de Permissão de Uso que trata da área de 25.748m², formado pela Rua Fernando Lúcio Costa, Avenida Padre Cacique, Rua Carlos Medina, e Avenida Edvaldo Pereira Paiva. A proposta é objeto de Estudo de Viabilidade Urbanística, prevê a edificação de duas torres com imóveis residenciais e comerciais e, segundo o clube, viabilizaria financeiramente a implantação do seu novo Centro de Treinamentos (CT), durante as obras realizadas para a Copa de 2014.

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Na audiência, o secretário Municipal de Urbanismo, Meio Ambiente e Sustentabilidade (Smamus), Germano Bremm, afirmou que o projeto, apesar de ainda não ter passado pelo Conselho Municipal do Plano Diretor (CMDUA), foi encaminhado pelo governo e amplamente debatido pela Comissão de Análise Urbanística e Gerenciamento (Cauge), que reúne técnicos de diversos órgãos e secretarias. Segundo ele, a lei só é necessária em razão da inclusão de atividade residencial no projeto e que a flexibilização das alturas poderia ser feita de forma interna a partir do Estudo de Viabilidade Urbanística (EVU).

O arquiteto da diretoria de planejamento da Smamus, Patric Stephanou, informou que estudos técnicos foram realizados e viabilizam as construções apontadas no projeto. “Pelos estudos feitos, o terreno do Internacional está numa zona arquitetura icônica, e pelo regime urbanístico especifico, a área é mista e permite a construção de residencial e outras atividades de comercio e serviços, sem restrições”, disse.

Presidente do Conselho de Gestão do Internacional, Humberto Busnello, argumentou que o projeto se inclui na valorização e qualificação da Orla do Guaíba. Ele reconheceu que projetos dessa ordem podem causar contrariedades e contestações, mas disse estar convicto que houve ampla discussão, ajustes feitos pela Prefeitura para garantir melhorias para os cidadãos e que os vereadores saberão encontrar as convergências em meio as divergências para o bem da cidade.

O conselheiro e presidente da comissão de novos negócios do Inter, Lamana Paiva, ressaltou que a área total de propriedade escriturada do Internacional tem 150 mil metros quadrados, sendo que deste total, apenas 25 mil serão destinadas ao projeto. Ele defendeu o projeto com o argumento de que o espaço vem sendo utilizado apenas para estacionamento e, a partir da execução, será destinado a um complexo multiuso, que traria benefícios à cidade, nas áreas do turismo, geração de empregos e de impostos. Ele disse ainda que, dos 25 mil metros, 49% do total (12.311 metros quadrados) não serão edificados, mas utilizados como praça pública.

Já o vice-presidente de Negócios Estratégicos do Inter, Paulo Corazza, disse que as medidas mitigatórias do projeto serão a contrapartida do clube para a cidade, como a construção de um píer público que permitirá um ancoradouro para o catamarã em área de 5 mil metros à beira do Guaíba, a restauração e ampliação do Asilo Padre Cacique, a construção de uma faixa extra para o trânsito de veículos na Avenida José de Alencar, a reforma da Unidade Básica de Saúde Santa Martha e a construção de uma escola infantil com capacidade para atender a 250 crianças.

Representante do Conselho Municipal de Desenvolvimento Urbano Ambiental (Cmdua), Hermes Puricelli, salientou que o projeto não foi aprovado no Conselho. Ele lembrou que “quando da doação do terreno para aterro e construção do estádio, o Internacional assumiu que iria construir um grupo escolar e não o fez e agora estão prometendo de novo a construção de escola como contrapartida”.

Puricelli disse ainda que os gestores do Inter não cumpriram os projetos sociais que se comprometeram e que constam no processo administrativo. “Porto Alegre precisa de segurança, calçadas, tirar a população miserável da rua, que espanta turista e envergonha a cidade, e não de uma torre. Será criado precedente de privatização da orla, os mecanismos já estão dados para passar o espaço público à iniciativa privada e ter lucros vultuosos”, disse.

A coordenadora do Colegiado Setorial de Memória e Patrimônio do Estado, Jaqueline Custodio, defendeu que o projeto precisa ser mais debatido entre moradores, representantes de escolas de samba e da comunidade para analisarem as contrapartidas e avaliar todos impactos como de meio ambiente e mobilidade. “Não vejo benefício para a cidade, apenas para o Inter, como está na justificativa do projeto que, com o dinheiro, vai construir o Centro de Treinamento. E apenas cinco pessoas inscritas para falar não é democrático”, disse.

Felisberto Seabra Luisi, conselheiro da RP1 do Conselho Municipal de Desenvolvimento Urbano Ambiental (Cmdua), também criticou duramente o projeto. Ele argumento que as torres só não tiveram o EVU aprovado no Conselho porque interviu lembrando que havia projeto a ser apreciado no Legislativo e solicitou consulta à Procuradoria Geral do Município. Ele afirmou que não é contra a construção de torres, mas disse que isso não pode ser feito em qualquer lugar, argumentando que a cidade não precisaria de mais espigões na Região Central.

Para Simara Mombelli, moradora da Região, a discussão não evoluiu em relação a debates anteriores e uma série de pontos já levantados pela comunidade “mais uma vez não foram respondidas”. Ela contestou o estudo de sombreamento apresentado e afirmou que não engloba a vizinhança, pois se foca no Asilo Padre Cacique sem olhar o entorno. Para ela, somado aos demais projetos já em execução na região, a proposta irá contribuir para a formação de mais uma ilha de calor, com impacto semelhante ao que já é possível ver em outras cidades onde foram desenvolvidos, “pois impede a livre circulação de ar, com impacto negativo para toda a cidade”.

Representante do Quilombo Lemos, localizado em área lindeira ao Asilo Padre Cacique, Sandro Lemos cobrou o fato de sequer os quilombolas serem mencionados no projeto. Para ele, isso caracteriza a “invisibilidade social” de uma comunidade que está situada na região, antes mesmo da construção do estádio Beira-Rio. Disse que em momento algum as comunidades do Quilombo, da FASE e da Vila Buraco Quente ou da Vila Gaúcha foram procuradas para o debate e construção da proposta.

Lemos argumentou que o que está acontecendo no local é semelhante ao que ocorreu com as comunidades da Ilhota, “que foi parar na Restinga”, e do Mont Serrat, que foi expulsa pela especulação imobiliária. Afirmou ainda que Porto Alegre é a capital mais racista do Brasil e que a forma como está sendo conduzido esse processo demonstra o “segregacionismo da negritude”.

A vereadora Cláudia Araújo (PSD) disse que é favorável ao projeto porque os empreendimentos vão gerar desenvolvimento e novos empregos para região. “Nenhum licenciamento seria feito se o projeto não fosse legal e oportuno. O trabalho da Secretaria do Meio Ambiente tem legitimidade porque foram feitos estudos técnicos”, afirmou a vereadora.

O vereador Aldacir Oliboni (PT) entende que uma audiência pública não vai resolver os problemas e que o projeto apresentado pelo Inter tem uma visão comercial e econômica, e não social. Ele salientou que “na época da cedência do espaço ao clube e, recentemente na Copa do Mundo, em que foram retiradas as escolas de samba, não foram feitas as contrapartidas de construção de escolas”. Segundo o vereador, o clube deveria ouvir os moradores, torcida e conselheiros sobre a construção pleiteada. “E rever o projeto que tem índices construtivos além do permitido no Plano Diretor”, concluiu.

Para ela, a proposta segue o olhar de privatização do espaço público que deveria ser voltado ao coletivo. Que as camadas menos favorecidas só conhecerão o complexo para o trabalho em baixa remuneração ou de passagem em ônibus lotados pela Padre Cacique. Por fim também apelou a direção do Internacional para que apoie a realização de um plebiscito com toda a população da cidade.


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