![Penitenciária Estadual de Canoas é uma das cadeias com falta de agentes penitenciários, segundo o Sindppen. Foto: Rodrigo Ziebell / SSP](https://sul21.com.br/wp-content/uploads/2024/11/26125905-1452611-GDO-1-450x300.webp)
Após o assassinado de um apenado da Penitenciária Estadual de Canoas (Pecan), decisões recentes da Superintendência dos Serviços Penitenciários (Susepe) se tornaram ainda mais questionadas por parlamentares e trabalhadores do sistema prisional. A transferência de presos de alta periculosidade para o Complexo de Canoas teria promovido o estopim da crise. O governador Eduardo Leite, em viagem à China, disse que a Susepe e a secretaria de Segurança precisarão revisar fluxos e processos para evitar novos casos como esse.
Em abril, o Sul21 publicou a denúncia de que o governo Leite estaria transferindo presos de facções à Pecan para fazer “mídia positiva” na inauguração do novo presídio de Charqueadas. Na época, foi solicitada a retirada dos apenados do Presídio Central, que a princípio iriam para a PEC 2, em Charqueadas. O plano inicial seria transferir 50 presos por dia, de forma organizada, levando em consideração o fato de muitos servidores da PEC 2 terem sido nomeados há pouco tempo e, portanto, ainda com pouca experiência.
Entretanto, o planejamento mudou e a transferência de cerca de 749 presos foi realizada rapidamente, em cerca de três dias. Ao invés dos apenados do Presídio Central irem para a PEC 2, eles foram transferidos à Pecan; por sua vez, os presos de Canoas é que foram para a PEC 2.
O Complexo Penal de Canoas é conhecido por desenvolver um elogiado sistema de trabalho com presos considerados de baixa periculosidade, uma espécie de “cadeia modelo”, com mão de obra prisional e conexões com empresas. Situação que não se aplica a muitos dos presos que estavam no Presídio Central, ligados a facções e organizações criminosas.
O preso que foi morto no sábado, conhecido como Nego Jackson, de 41 anos, já esteve à frente da facção Anti-Bala. No dia do crime, 54 servidores atuavam na Pecan para um total de 2.400 presos.
Questionado pelo Sul21 se a transferência desses apenados para a Pecan, que não teria estrutura para receber criminosos de alta periculosidade, teria relação com a morte de Nego Jackson, o vice-governador Gabriel Souza respondeu que os envolvidos no crime vieram da Penitenciária de Alta Segurança de Charqueadas (PASC), e não do presídio central. Souza afirmou que a decisão de retirar pessoas da PASC – onde o bloqueio de celulares não funcionava completamente – e transferi-los para a Pecan “poupou muitas vidas”.
O apenado que foi morto e os dois envolvidos no assassinato estavam em celas diferentes, mas na mesma galeria. De acordo com Gabriel, eles eram suspeitos de ordenar crimes de dentro da PASC e foram transferidos para a Pecan enquanto o módulo de segurança máxima da PASC não é inaugurado.
No entanto, para Cláudio Dessbesell, presidente do Sindicato da Polícia Penal (Sindppen), a morte registrada neste final de semana tem sim relação com a transferência de apenados de outros presídios para a Pecan. “Mudou o perfil do estabelecimento, e agora só piorou a situação”, afirma.
Em entrevista ao Sul21, o presidente do sindicato já havia relatado o adoecimento mental de policiais penais e o risco de descontrole sobre presos ligados ao crime organizado. Dessbesell acredita que a origem da crise está nas decisões precipitadas da Susepe.
O Partido dos Trabalhadores (PT) emitiu uma nota dizendo que o assassinato na Pecan evidencia problemas nos presídios gaúchos e o descaso do governo. Em julho deste ano, em audiência pública da Comissão de Segurança, Serviços Públicos e Modernização do Estado, o deputado Jeferson Fernandes (PT) apresentou um relatório que registra o aumento de 45% da população carcerária do Rio Grande do Sul, sem que a estrutura das casas prisionais e o número de servidores chamados em concurso tenha acompanhado esse crescimento.
O documento de 39 páginas também apontou para as condições dos espaços físicos das penitenciárias e a forma como está se dando a gestão das unidades a partir da nova Secretaria de Sistemas Penal e Socioeducativa do RS. O volume e as condições de trabalho dos policiais penais, de acordo com o PT, demonstra que o acúmulo de atribuições num ambiente insalubre e belicoso tem gerado adoecimento físico e mental de quem trabalha nesses locais.
“O Projeto de Lei Complementar 256 aprovado pelo governo Leite no início de setembro, com a promessa de reestruturação de carreiras da Segurança não alterou a realidade dos servidores da Superintendência de Serviços Penitenciários, que segue precária, com sobrecarga e salários pouco valorizados, denúncias de assédio moral, perseguições, falta de pessoal, sobrecarga de trabalho, ideações suicidas e adoecimento dos servidores”, diz a nota.
“Em nosso Relatório que tratou da situação do Sistema Prisional no RS, alertamos quanto ao forte domínio das facções em cada unidade prisional do estado e que isso era uma bomba relógio prestes a explodir”, afirma Fagundes. “Os próprios policiais penais manifestaram consequências dessa situação denunciando o sofrimento mental ao qual a categoria vem sendo submetida. Mas o governo Leite tem ignorado todos esses alertas e piorado muito a sua gestão, ao colocar pessoas inexperientes e arrogantes na condução da Susepe, menosprezando a experiência de colegas policiais e autoridades do sistema da Justiça Criminal,”.
Para o deputado Leonel Radde, o governador se comprometeu a refazer a carreira dos policiais penais, mas a promessa não saiu do papel. “As pessoas que estão lá trabalhando não sabem como vão progredir, não sabem qual é a sua função real, não sabem até onde podem ir, fica um limbo dramático, com dificuldades de horários, de tabelas, de distância do presídio para sua residência, são vários fatores de falta de efetivo, que acabam culminando nessa situação, de entrada de uma arma de fogo. Faz muito tempo que não havia notícia de um homicídio dentro do sistema prisional com arma de fogo”.
O governo do Estado afastou cinco servidores da Pecan após o assassinato que ocorreu no sábado (23). Foram afastados dois supervisores de turno, um chefe de segurança, o responsável pela segurança da galeria no momento do crime e o diretor do complexo prisional. A informação foi anunciada em coletiva de imprensa na tarde desta segunda-feira (25) pelo vice-governador, Gabriel Souza, que ressaltou que o afastamento não é por atribuir culpa a esses servidores, mas para “garantir uma apuração isenta e rigorosa”.
Foi anunciado ainda o deslocamento de mais de 500 policiais militares para reforçar a segurança em Porto Alegre e na Região Metropolitana. O batalhão aéreo e efetivos especiais da Polícia Civil foram mobilizados. Souza afirmou que, a partir de agora, serão realizadas três revistas diárias dentro da Pecan.
No dia do crime, havia sido realizada uma revista que localizou ilícitos e um rádio.
Souza afirmou que, nesta terça-feira (26), serão realizados os testes finais do sistema de bloqueio de celular na PASC, em Charqueadas. A implementação do sistema dependerá de autorização da Anatel.
As autoridades também esclareceram na coletiva que os outros dois apenados mortos na Pecan depois do assassinato de Nego Jackson faleceram de causas naturais, conforme avaliação preliminar do IGP, sem vínculo com o assassinato.
Quanto ao assassinato, a Polícia Civil instaurou um inquérito na Delegacia de Homicídios de Canoas. Os dois criminosos envolvidos na morte foram autuados em flagrante.
A arma usada no assassinato que ocorreu no sábado teria chegado ao presídio por meio de drone. A Susepe informou que não há nenhum tipo de proibição para o abate desses aparelhos. “É uma decisão pessoal de cada agente que se depara com a situação”, esclareceu o vice-governador.