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12 de abril de 2024
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16:37

Ex-funcionários acusam terceirizada da Equatorial de falta de treinamento e de fornecer EPI’s vencidos

Por
Luís Gomes
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Ações judiciais apontam série de irregularidades que teriam sido cometidas por terceirizada | Foto: Sergio Louruz/SMAMUS PMPA
Ações judiciais apontam série de irregularidades que teriam sido cometidas por terceirizada | Foto: Sergio Louruz/SMAMUS PMPA

O Sul21 teve acesso a uma série de processos judiciais movidos por ex-funcionários da empresa Setup Serviços Especializados, que presta serviços terceirizados para a CEEE Equatorial, em Tramandaí. Eletricistas, eles trabalhavam efetuando corte, religação, nova ligação, troca de padrão e vistoria para microgeração, em contratos que vigoraram entre abril de 2022 e outubro de 2023. O principal ponto dos processos é o pedido de reversão de demissões por justa, que os trabalhadores alegam ter sido injustificada, mas, no âmbito das ações, denunciam uma série de irregularidades que teriam sido cometidas pela empresa durante o período que trabalharam no local.

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A mais grave delas corrobora fatos apurados em investigações do Ministério do Trabalho e Emprego (MTE) e do Ministério Público do Trabalho do Rio Grande do Sul (MPT-RS), que apontaram fraudes nos certificados comprobatórios de treinamentos dos trabalhadores por parte da terceirizada. Em uma das ações, o trabalhador da Setup — os nomes dos funcionários serão preservados nesta matéria — aponta que a motivo indicado para a demissão seria o fato de que ele não efetuou a Análise Preliminar de Risco (APR) durante um atendimento técnico.

Além de desmentir o fato, alegando que efetuou a APR, a defesa do trabalhador aponta que ele nunca recebeu a formação completa de STC (Setor Técnico Comercial) e que precisou aprender o trabalho no “dia-a-dia”, o que não seria o procedimento correto. Portanto, diz a defesa, o trabalhador “não recebeu o treinamento completo para ser cobrado”.

Em conversa com o Sul21, outro trabalhador que está processando a Setup afirmou que, desde o momento que fez entrevistas para ser contratado, estranhou a “simplicidade” como a questão do treinamento era tratada e a falta de suporte para os novos funcionários. “Eu conversei com técnicos da antiga CEEE, que ficavam seis meses fazendo um treinamento para depois ir trabalhar na rua. O que eu notei nos treinamentos é que eles simplificaram tudo. Explicavam um pouquinho de cada função, um pouquinho de cada equipamento e já te submetiam a fazer provas de avaliação para ver se poderia seguir no treinamento. Quem não passava nessas provas de avaliação, ficava mais uma semana treinando com eles, sendo que tinha todo um custo de deslocamento, tu tinha que comer, tu tinha que dormir e era tudo precário. Eles forneciam alimentação, mas era tudo precário, tudo básico do básico. E eu notei que o treinamento era muito curto, eu fiquei sete dias em treinamento”, relata o trabalhador.

Posteriormente, quando precisou arrumar outro emprego, solicitou que a Setup enviasse os certificados dos treinamentos que realizou antes de trabalhar para a empresa. “Só que os certificados que eles enviaram eram diferentes dos certificados que eu assinei. Eram certificados que diziam que todo treinamento que eu fiz com eles era de uso exclusivo da empresa Setup. Eu não poderia usar ou apresentar esse certificado pra qualquer outra empresa. Ou seja, se eu tivesse concorrendo a uma vaga numa empresa que precisasse do treinamento específico que eu recebi deles, eu perderia a vaga, porque eu não poderia usar o certificado que eles forneceram”, continua.

Para este trabalhador, o objetivo da Setup era acelerar o processo de treinamento para que os trabalhadores pudessem prestar serviço na rua o mais rápido possível. “É como tu colocar água no tanque de gasolina do carro e querer que o carro funcione. Eles atropelaram todo o processo de treinamento. Os técnicos estavam saindo com 10%, 20% do treinamento exigido pelo Ministério do Trabalho. E quando a gente questionou tudo isso com eles, eles começaram com perseguições contra nós. No meu caso, eles me demitiram em 10 dias, porque eles notaram que eu ia pra cima, questão de treinamento, questão de cobrança de material que estragava no trabalho, descontos excessivos”, finaliza.

O trabalhador encaminhou à reportagem a imagem de um certificado de um colega, indicando um período de treinamento de cinco dias que teria ocorrido em Manaus, e que garante que nunca ocorreu, pois o funcionário que recebeu o certificado estaria em Tramandaí no período.

 

Certificado concedido a trabalhador que não teria participado de treinamento em Manaus | Foto: Reprodução

Procurado pelo Sul21, o MPT -RS informou que realizou uma audiência para tratar das denúncias de fraudes em certificados e que atualmente está correndo o prazo para manifestação das partes denunciadas.

Outra situação relatada em múltiplos processos aos quais o Sul21 teve acesso é a alegação de que os trabalhadores eram submetidos a usar Equipamento de Proteção Individual (EPI) vencido. Um dos processos aponta que o trabalhador era “obrigado a laborar com EPI’s vencidos e danificados, correndo risco de vida”. Esta ação inclui fotos de um equipamento usado para corte de luz, chamado de podão, que indicariam que estava com a validade vencida. A mesma ação diz que este funcionário estava trabalhando com a escada usada para subir em postes quebrada.

Em um processo diferente, cujo reclamante foi demitido sob alegação de que não usou os EPI’s e sinalização no local de trabalho, a defesa alega que o trabalhador era obrigado a usar luvas que não seriam adequados para o serviço que ele prestava. “Ocorre que em um dos serviços realizados, era impossível usar o equipamento, visto que a mão não passaria na tela (cerca) da casa. O reclamante tentou usar luva, mas a mesma rasgou e o mesmo se obrigou a realizar o trabalho sem o equipamento. Ademais, era obrigado a fazer o serviço, pois tinha prazos e metas e a reclamada cobrava e exigia agilidade para cumprimento de cada serviço. O reclamante nunca tomou nenhuma advertência com relação ao assunto. Ademais, sempre que a luva sofresse qualquer tipo de extravio/dano ou algo que a inutilizasse, a reclamada dizia que era mau uso e o funcionário tinha que arcar com a compra de uma nova. É visível que o procedimento da ré com relação aos EPI’s era incorreto”, diz o texto da ação.

Em todos os processos analisados pelo Sul21, os ex-trabalhadores pedem a reversão da justa causa e, consequentemente,  o pagamento proporcional de 13º salário, férias proporcionais e outros direitos que não são depositados nestes casos. Contudo, também relatam nas ações o não pagamento de horas extras, bem como o agendamento de reuniões em horário de descanso, sem compensação.

“Duas vezes por mês o autor tinha reuniões no intervalo, com o ponto batido, o que impossibilitava o gozo. Credor, portanto, do pagamento de horas extras semanais e diárias, com base na remuneração do autor, que deverão refletir em repousos, feriados, natalinas, férias com 1/3, aviso prévio, tudo com incidência no FGTS e na multa do FGTS”, reivindica uma ação.

A defesa também aponta que a jornada dos trabalhadores era de segunda a sexta no horário das 08h às 12h e das 13h às 19h, com sábados alternados, das 8h às 12h e das 13h às 17h. “As escalas de sábado que eram extras ao horário de trabalho, eram comunicadas nas sextas-feiras, ao final do expediente. Ou seja, tinha folga programada no sábado e menos de 24 horas era avisado que estava escalado para trabalhar, não tinha como programar sua vida social”, diz o texto que se repete em múltiplas ações.

Uma das ações ainda relata que um dos trabalhadores tinha a meta de realizar 630 atendimentos e que, ao superá-la, não recebeu o valor de R$ 280 previsto pela empresa, enquanto outra aponta que o técnico foi descontado indevidamente em R$ 680 por danos causados a um veículo que seriam resultado do uso diário. Há ainda a reclamação de que um eletricista foi diagnosticado com “síndrome do manguito rotador”, com ruptura parcial dos tendões do ombro esquerdo, em razão de esforço repetitivo e necessidade de carregar pesos.

Além das reversões das justas causas, as ações pedem indenizações que variam de R$ 20 mil a R$ 80 mil. Em todas as ações, a CEEE Equatorial é acionada de forma subsidiária, como tomadora dos serviços finais.

Advogado responsável por processos trabalhistas no setor, Lucas Souto Bolzan pondera que os problemas relatados nas ações às quais o Sul21 teve acesso refletem o cenário conhecido das terceirizações. “Não é de hoje que a terceirização é um dos problemas mais complexos no que diz respeito ao mundo do trabalho”, diz.

Ele pondera que múltiplos escritório mantêm ações do tipo contra empresas do setor e que envolvem os mesmos temas relatados. “De maior gravidade, sem dúvida, são os relatos de problemas com relação aos EPIs, que vão desde o uso de materiais vencidos e danificados, o que, tendo em vista a natureza do trabalho, coloca em risco a vida dos trabalhadores, além do excesso de justas causas aplicadas, que, na versão dos clientes, são irregulares”, diz.

Por outro lado, ressalta que as alegações apresentadas em processos estão sempre sujeitas à validação e comprovação através de evidências e processos legais apropriados, que estão a cargo do judiciário trabalhista.

Procurado pela reportagem com questões relativas às situações relatadas nos processos, o Grupo Setup encaminhou uma nota que diz:

O Grupo Setup vem a público esclarecer o que segue:

a) Como empresa contratada pela CEEE Equatorial, pauta sua atividade pelo integral cumprimento de toda legislação aplicável e utilizando a melhor tecnologia e pessoal especializado;

b) Em respeito às partes, juízos e órgãos que conduzem os processos judiciais e administrativos em andamento, não irá se manifestar publicamente sobre o conteúdo dos mesmos;

c) Ratifica seu compromisso de propiciar as melhores condições de trabalho aos seus colaboradores, em especial no cumprimento integral da legislação trabalhista e acidentária;

d) Está à disposição das autoridades competentes para prestar os esclarecimentos necessários.


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