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27 de fevereiro de 2024
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16:46

‘Acordo 3 da manhã, sento na cama e começo a chorar’, diz porteiro agredido por morador na Capital

Por
Luciano Velleda
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Guarita do prédio onde o porteiro foi agredidos a socos por um morador. Fotos: Marihá Maria/Sul21
Guarita do prédio onde o porteiro foi agredidos a socos por um morador. Fotos: Marihá Maria/Sul21

O porteiro Rodinei Antônio Xavier afirma que não voltará mais ao condomínio onde trabalhou nos últimos três anos, localizado na Rua Álvaro Alvim, no bairro Rio Branco. Na noite de quarta-feira (21) da semana passada, ele foi agredido por um morador do edifício após discussão a respeito de uma entrega de comida. Levou socos no rosto. Seus olhos estão inchados e, desde o episódio, passou a tomar remédios para dormir.

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A violência física, dolorosa, veio acompanhada de outra, que ele conta machucar tanto quanto, ainda que não deixe marcas visíveis no corpo. A ofensa racial levou Rodinei a fazer, nesta segunda-feira (26), um Boletim de Ocorrência (BO) na Delegacia de Combate à Intolerância. Ele já havia feito BO semelhante no sábado (24), por injúria racial, mas foi orientado a registrar a queixa em delegacia especializada.

“Estou abaixo de remédio para dormir, estou tendo insônia. A doutora me receitou Rivotril, além dos remédios para dores porque ele deu vários golpes na cabeça”, conta o porteiro.

Segundo Rodinei, o entregador tinha o número do apartamento, mas não sabia em qual torre do condomínio. Ele diz que chegou a tentar interfonar para o possível morador, mas o aparelho não funcionou. Em seguida, a esposa do morador ligou para a portaria e ele informou que o entregador havia ido embora. Foi então que a pessoa desceu, acompanhada do síndico, para tirar satisfação.

Ainda ontem (26), ele foi ao Banco de Olhos fazer exames para ver se havia sofrido algum dano mais grave. A preocupação era maior por ter glaucoma num dos olhos atingidos. Os exames iniciais, todavia, descartaram qualquer lesão interna.

A decisão de não trabalhar mais no condomínio em que foi violentamente agredido já está tomada. “Eu não volto mais pra lá”, afirma, de modo veemente. “Medo, insegurança, não quero mais voltar. Quero apenas tratar da minha saúde.”

Ele conta que no condomínio de 216 apartamentos e centenas de moradores, sempre esperou que o agressor viesse da rua. Naquela noite, entretanto, o agressor estava ali dentro, na forma de um morador. “Isso aí, pra mim…”, Rodinei insinua o sentimento, sem completar a frase. Em 15 anos trabalhando como porteiro, diz jamais ter vivido situação semelhante.

 

A portaria onde houve a agressão vista pelo lado de dentro do condomínio. Foto: Marihá Maria/Sul21

O que mais se aproximou foi outro caso com o mesmo morador que agora lhe deu socos. Rodinei lembra que, certa vez, o morador reclamou que amigos não puderam estacionar dentro do condomínio, pois locatários não têm direito a vaga para visitante.

– Qual é nego de merda, tá se encarnando nos meus amigos?, teria dito o morador, segundo o porteiro.

Na ocasião, a discussão não foi adiante. Dessa vez, o final da história foi diferente.

“A dor física vai passar com medicamentos, mas a tua mente, saber que o racismo prevalece em pleno ano de 2024, com toda essa tecnologia que temos… a gente olha na televisão e nunca acha que vai acontecer conosco. Pois estou passando por isso neste exato momento e é horrível. É horrível”, afirma Rodinei.

“Jamais pensei que ia passar por um psiquiatra. Acordo três da manhã, sento na cama e começo a chorar. Recebi da doutora Rivotril pra me acalmar. E tudo começou por causa da minha cor, não foi nem por causa de uma telentrega. Ele ficou mais faceiro em bater no ‘negão’ e voltou pra casa pra dormir. Isso é o que dá mais revolta”, salienta.

Nego. Macaco. Nego de merda. Aqui tu não vai ficar mais. Vou te tontear até tu sair daqui. Bosta.

São as ofensas que o porteiro conta ecoarem em sua cabeça. Assim como a cena da discussão, em que o morador reclamou com o síndico que Rodinei não deixava subir sua telentrega, até que entrou na casinha da portaria e desferiu vários socos com a mão direita.


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