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24 de novembro de 2023
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17:01

Em defesa do patrimônio arquitetônico, manifestantes criticam leilão do antigo prédio da Smov

Por
Luciano Velleda
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Conselho de Arquitetura e Urbanismo entrou com ação na Justiça para tentar impedir a venda do prédio. Foto: Reprodução
Conselho de Arquitetura e Urbanismo entrou com ação na Justiça para tentar impedir a venda do prédio. Foto: Reprodução

Dezenas de pessoas promoveram, nesta sexta-feira (24), um “abraço” simbólico à antiga sede da Secretaria Municipal de Obras e Viação (Smov). Localizado na Avenida Borges de Medeiros, quase esquina com a Avenida Ipiranga, o edifício deve ir a leilão na próxima segunda-feira (27), com preço mínimo de R$ 48,1 milhões. O ato foi organizado pelo Fórum de Entidades em Defesa do Patrimônio Cultural Brasileiro do Rio Grande do Sul.

Inaugurado em 1970, o prédio teve projeto assinado pelos arquitetos Moacyr Moojen Marques, João José Vallandro e Léo Ferreira da Silva.

“A proposição da venda do prédio da antiga Smov exige contestação, porque ele poderá ser destruído para dar lugar a um espigão. Está em jogo a defesa do patrimônio histórico e cultural da cidade, de um prédio do nosso modernismo tardio. Está marca não pode ser apagada. Faremos todos os movimentos possíveis por sua preservação”, afirmou o vereador Adeli Sell (PT).

Membra do Conselho do Plano Diretor de Porto Alegre, Claudete Aires Simas, coordenadora da iniciativa Acesso Cidadania e Diretos Humanos, avalia ser crucial reconhecer a importância do tombamento do edifício da Smov. Para ela, o prédio é um patrimônio arquitetônico que representa não apenas a excelência do movimento moderno no Sul do Brasil, mas também carrega consigo mais de 50 anos de contribuições ao urbanismo moderno.

“No entanto, é lamentável observar a omissão do município em dar seguimento à avaliação requerida. É imperativo que as autoridades reconheçam a urgência desse assunto e ajam prontamente para assegurar a proteção desse valioso patrimônio para as gerações futuras na preservação desse legado cultural e parte integrante da história arquitetônica do País que agora se encontra sob risco num processo de licitação”, pondera.

O arquiteto Sérgio Marques, filho do arquiteto Moacyr Moojen Marques, um dos autores do projeto do prédio, destacou a representatividade do ato, com a presença de professores da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) e da Pontifícia Universidade Católica (PUC/RS), estudantes e membros de entidades ligadas à arquitetura.

Após o ato, Marques participou de audiência no Ministério Público Estadual (MPE) com o objetivo de tentar adiar o leilão para que o debate tenha tempo de ocorrer “de forma adequada”.

Inconformado com a possibilidade de venda, o Conselho de Arquitetura e Urbanismo (CAU/RS) entrou na Justiça, na última terça-feira (21), com uma Ação Civil Pública (ACP) que visa “proteger e resguardar um exemplar da arquitetura modernista na capital gaúcha”. A ação tramita na 9ª Vara Federal de Porto Alegre.

“É lamentável havermos chegado ao ponto de precisarmos desse ato extremo de buscar na justiça a proteção do bem histórico. Apesar do alinhamento de muitas instituições técnicas da área, faltou sensibilidade e responsabilidade dos gestores para atender a essa importante demanda da sociedade de Porto Alegre”, afirmou Tiago Holzmann da Silva, presidente do CAU/RS.

O arquiteto Sérgio Marques defende que o antigo prédio da Smov reúne três aspectos que justificam sua preservação sob o ponto de vista histórico, urbanístico e arquitetônico.

Sob o ponto de vista histórico, ele avalia que o Rio Grande do Sul não teve a mesma potência formal e vanguardismo técnico que Rio de Janeiro e São Paulo, com a arquitetura moderna desenvolvida entre 1930 e 1960. Ainda assim, no campo do urbanismo moderno, diz que Porto Alegre, no entendimento de muitos pesquisadores do meio, se iguala ou ultrapassa outras capitais brasileiras em termos de pioneirismo e tradição urbanística moderna.

“A partir do Plano Moreira Maciel, no início do século 20, o Plano de Melhoramentos de 1936, e a Contribuição ao Estudo da Urbanização de Porto Alegre de 1938, elaborados pelos urbanistas da prefeitura Evaldo Paiva e Luís Ubatuba de Farias, passando por um dos primeiros cursos de urbanismo do País, criado na UFRGS nos anos 1940, até o Plano Paiva desenvolvido nos anos 1950, os cânones do movimento moderno se manifestaram explicitamente e de maneira profunda no planejamento urbano da cidade”, explica Marques.

Além disso, ele destaca a criação da Divisão de Urbanismo da Secretaria de Obras, na década de 1950, liderada por Paiva, tendo como ponto de culminância o movimento dos técnicos do município reivindicando a construção de uma sede própria, à altura da relevância do planejamento urbano da cidade, cujo produto é a sede da Smov. “A Smov, é símbolo e resultado de processo histórico representativo da disseminação do movimento moderno no Sul do país”, afirma.

Sob o ponto de vista urbanístico, Marques enfatiza que a Smov foi construída sobre a área do aterro da Praia de Belas, conquistada do estuário Guaíba. Na época, foi considerado o maior aterro fluvial do mundo, praticamente duplicando a superfície do centro histórico de Porto Alegre.

“Objeto de projetos especiais, durante toda a história da Capital, o aterro da Praia de Belas tem especial relevância no urbanismo moderno da cidade, em particular na regulamentação do Plano Paiva, em 1961, onde Fayet e Moojen, a mão, desenharam a planta que daria origem ao Parque Marinha do Brasil, a orla pública e o Centro Administrativo da cidade, com edifícios da esfera federal, estadual e municipal. A Smov, portanto, como parte do conjunto de edifícios públicos da área, é uma peça chave de um plano maior cuja morfologia e estratégia urbanística é representativa do urbanismo moderno no Sul brasileiro”, destaca o arquiteto.

Por fim, sob o ponto de vista arquitetônico, ele sustenta que seu pai, Moacyr Moojen Marques, um dos autores do projeto, além de integrante da equipe de urbanistas dirigida por Paiva, foi de certa maneira seu sucessor, como gerente do planejamento urbano de Porto Alegre, a partir do plano Paiva, até a elaboração do Primeiro Plano Diretor de Desenvolvimento Urbano (PDDU) da Capital.

Como funcionário público, Moacyr Moojen Marques projetou em equipe o Auditório Araújo Viana, o Edifício Sede da Carris, e mais uma dezena de edifícios, em sua carreira pública e privada, que são representativos da arquitetura moderna brasileira no Sul.

O prédio sede da Smov, diz o arquiteto, tem representatividade em diversos aspectos. Funcionalmente, a obra adota a ideia de planta livre, com núcleo rígido centralizado e estrutura resistente disposta perimetralmente, de maneira a não ter pontos de apoio nas áreas de uso e garantir flexibilidade.

“Formalmente, o prédio segue certo conservadorismo compositivo filiado as vertentes norte americanas da Escola de Chicago, como a arquitetura de Adler & Sullivan, com volumetria tripartite, base, corpo e coroamento, ligada à tradição acadêmica. O sistema formal das fachadas, com os recessos de térreo e cobertura e a textura dos peitoris, igualmente se situam no universo de outro arquiteto filiado à Escola de Chicago, o célebre Frank Lloyd Wright, do qual Moojen era profundo admirador”, explica Marques.

Na análise sob ponto de vista construtivo, ele diz que apesar da estrutura resistente ter sido moldada em loco, o edifício segue rigorosos padrões de modulação e expressão geométrica, próprios de uma construção industrializada. “Provavelmente influenciado pelos pioneiros projetos em pré-fabricação em concreto no Brasil, realizados para a Petrobras naqueles mesmo anos. Os peitoris, no entanto, são pré-fabricados em concreto, o que não era comum na constituição de fachadas, nos anos 1960, em Porto Alegre. Internamente, um sistema sofisticado de divisórias e elementos móveis, completava a capacidade de adaptação do edifício a diversas configurações, o que confirma sua vocação à perenidade.”


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