Geral
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25 de agosto de 2023
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17:23

Em Porto Alegre, pai de Assange diz acreditar que liberdade do jornalista está próxima

Por
Luís Gomes
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Sessão-debate do documentário
Sessão-debate do documentário "Ithaka – A Luta de Assange", com a presença de John Shipton na Sala Redenção da UFRGS | Foto: Luiza Castro/Sul21

Quando partires em viagem para Ítaca
faz votos para que seja longo o caminho,
pleno de aventuras, pleno de conhecimentos.
(Ítaca, Konstantinos Kaváfis)

Josh Shipton parece ser um homem pessimista. Pai de Julian Assange, ele não acredita mais em final feliz para o filho, desde 2019 em uma prisão de segurança máxima no Reino Unido após passar sete anos vivendo em um quarto na embaixada do Equador, em Londres. “O tempo que roubaram de Julian não volta mais”, disse John, após a exibição do filme “Ithaka: a luta de Assange” na Sala Redenção da UFRGS, na noite de quinta-feira (25). Contudo, ele também acredita que Assange está prestes a ser libertado.

O documentário Ithaka é um filme de 1h45 que conta a jornada de John Shipton e da esposa de Assange, Stella Morris, para que o fundador da Wikileaks não fosse extraditado aos Estados Unidos em julgamento na capital britânica.

A primeira parte do filme foca, principalmente, no pai. Aos 76 anos durante as gravações (realizadas majoritariamente em 2020), ele equilibra o esforço de percorrer o mundo em busca de apoio para a liberdade do filho mais famoso, com o conflito de estar perdendo um importante tempo de convivência com a filha mais nova, de apenas 5 anos, que vive na Austrália.

Sem transparecer grandes emoções e receoso de falar da relação com Assange — John não conviveu com o filho dos três anos até a vida adulta dele –, o pai aparece no filme como uma figura quase estoica, ao mesmo tempo em que demonstra obstinação por percorrer o mundo e, dia após a dia, comparecer ao tribunal durante a fase de audiências do processo.

Já a segunda parte é mais focada em Stella. Integrante de equipe jurídica do jornalista, ela se torna noiva dele durante o período de refúgio na embaixada equatoriana. Por meio de imagens de câmeras de vigilâncias que acabamos descobrindo terem sido instaladas na representação diplomática para espionar Assange, vemos como o casal se relaciona ao longo do tempo, e depois a chegada de seus dois filhos.

Após a prisão, assim como John, Stella assume a tarefa de liderar a busca por apoio internacional. Em determinado momento, o filme destaca que um caso de extradição é 99% político e 1% relativo a questões legais. É por meio da jornada de Stella, na verdade pelo celular dela, que também vemos as únicas aparições de Assange para além daquelas gravadas pelas câmeras de segurança.

Nas narrativas de pai e esposa, e nos relatos de outras figuras, como o relator especial da ONU sobre tortura e tratamento cruel e desumano, Nils Melzero, o filme tenta contar a história de como o caso judicial de Assange é uma tentativa de intimidação e tortura psicológica para impedir que outros jornalistas publiquem documentos e reportagens que desagradem autoridades governamentais, como é caso das publicações da Wikileaks, de 2010, que revelaram crimes de guerra cometidos pelo Exército americano no Iraque. Dessa forma, o filme também é a jornada do próprio jornalismo, e de como a profissão pode manter sua credibilidade diante de sua mais famosa tentativa moderna de silenciamento.

O trecho final do documentário conta como Assange só não foi extraditado pela Justiça britânica em razão do temor de que ele viesse a cometer suicídio na prisão de segurança máxima para a qual seria enviado nos EUA e as tentativas de Stella de conseguir o perdão presidencial de um ambíguo Donald Trump em fim de mandato. O ex-presidente americano aparece, em determinado momento, como propenso a conceder o indulto, ao mesmo tempo que em nenhum momento de seu governo abrira mão do processo. É nesse contexto que John Shipton aparece dizendo que já não havia mais possibilidade de sucesso para o filho, pois grande parte de sua vida e de sua sanidade já haviam sido tiradas.

 

John Shipton conversou com Demori e com o público após a exibição do filme | Foto: Luiza Castro/Sul21

Recebido por uma efusiva salva de palmas e uma sala lotada, com o público todo de pé, em Porto Alegre, John conversou com o jornalista Leandro Demori, ex-Intercept e atualmente no ICL e em seu canal pessoal, A Grande Guerra, sobre a situação em que o filho se encontra, mas também sobre o que o caso jurídico de Assange significa para o jornalismo.

“Todas essas grandes empresas de massa de comunicação privadas tiveram um comportamento de distanciamento do Julian quando as coisas começaram a ficar muito ruins. O Washington Post chegou a escrever um editorial praticamente defendendo o governo americano em relação ao seu filho”, pontuou Demori, ao questionar John sobre o comportamento da grande imprensa americana em relação a Assange.

“É uma pergunta muito poderosa. Sob o presidente Bill Clinton, o cenário de jornais [dos EUA] foi concentrado em cinco corporações. Todas essas corporações recebem licenças governamentais. Elas podem ser investigadas por anomalias em impostos. Consequentemente, se tornaram porta-vozes do governo. Fazem o que o governo deseja e nos convencem a seguir as políticas de governo”, respondeu John.

Ele também pontuou que a aplicação extraterritorial da lei americana em todo o mundo é uma das “maldições” do século 21. “Nós, cidadãos, devemos aprender a ignorar os EUA e insistir que os nossos governos ignorem também”, afirmou.

Demori também traçou um paralelo com a condenação de Walter Delgatti a 20 anos de prisão, período semelhante a condenações por homicídio, pontuando que o jornalista Glenn Greenwald só não foi julgado por uma liminar do STF, que proibiu a medida, por sua atuação como jornalista na Vaza Jato. Demori então questionou se o caso de Assange poderia contribuir para o entendimento de que jornalistas possam, sim, ser condenados por publicarem documentos obtidos junto a pessoas que posteriormente seriam condenadas por crimes.

“O jornalismo não é um trabalho fácil, se for feito corretamente. Precisa de muita coragem, da unidade da categoria jornalística e de suporte da comunidade. Eu não acho que isso vá mudar, porque o poder está sempre inseguro. Como cidadãos comuns, não conseguimos ver que o Estado está inseguro, mas ele sempre está, pouco ou muito. É um fenômeno que é invisível a nós, porque sentimos o efeito desse poder sobre nós. Contudo, nós podemos observar o nervosismo do poder no seu comportamento ao mentir para nós e ao censurar o que dizemos uns para os outros. Então, a resposta é que devemos insistir que não haja censura na informação que os jornalistas trazem para nós, informação que é a base do conhecimento. Nenhuma nação, família ou indivíduo pode prosperar em meio à ignorância”, disse.

Demori lembrou então as falas de John, durante o filme, de que as coisas só poderiam piorar para Assange, em razão do tempo perdido na prisão, questionando se essa percepção teria mudado. “Tudo que nós temos é o nosso tempo”, respondeu John. “Quando um Estado rouba tudo que você tem, o seu tempo, as coisas nunca podem melhorar. Só o que pode acontecer é ele parar de roubar. Enquanto Julian permanecer preso, as coisas pioram um dia de cada vez, uma hora por vez, um minuto por vez”, continuou. “Não é fatalismo encarar a verdade de frente. É libertador e nos dá enormes recursos e energia para superar as dificuldades”.

No final da entrevista, John recitou os primeiros versos do poema Ítaca (que dão nome ao filme e abrem esta matéria). Na sequência, ele seria convidado a recitar o restante do poema por um membro do público.

Ao ser questionado pela plateia sobre qual a sua opinião honesta a respeito do futuro do julgamento de Assange, apareceu então um viés mais otimista de John. “Eu acho que estamos muito próximos do sucesso. Quanto tempo, não posso dizer. Mas, com o mundo ocidental inteiro, a América Latina, as instituições da Austrália, América Latina e Europa, eu acho que nós vamos ter sucesso”, disse.

Ele ainda se retrataria, em parte, ao dizer que não chamaria exatamente de sucesso, mas que Assange está próximo de ir para o local que escolher para morar.

Ao ser questionado pelo Sul21 sobre a importância de manter viva a memória da luta de Assange neste momento do processo judicial — recursos ao pedido de extradição para os EUA ainda estão sendo julgados –, John destacou que este é, também, um trabalho dos jornalistas. “O Dia dos Finados acontece uma vez por ano para nos lembrar dos mortos. E assim é com Julian Assange e seus 14 anos de prisão. A cada vez que os jornalistas lembrarem que o conhecimento é vital para eles, essa é a memória de Julian Assange”.


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