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30 de junho de 2023
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07:45

Censo indica que Porto Alegre precisa planejar habitação de interesse social

Por
Luís Gomes
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4º Distrito é um dos focos da atual gestão. Foto: Luiza Castro/Sul21
4º Distrito é um dos focos da atual gestão. Foto: Luiza Castro/Sul21

Os primeiros dados do Censo Demográfico de 2022, divulgados nesta quarta-feira (28) pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), revelaram que, nos últimos 12 anos, Porto Alegre sofreu um decréscimo populacional de 76 mil pessoas e viu aumentar expressivamente, tanto o número de domicílios, como o número de moradias vagas. Para entender os impactos desses dados no planejamento de uma cidade que discute atualmente a revisão do seu Plano Diretor, o Sul21 conversou nesta quinta-feira (29) com a coordenadora do Planejamento Urbano da Secretaria Municipal do Meio Ambiente, Urbanismo e Sustentabilidade (Smamus), Vaneska Henrique, e com o professor Eber Marzulo, do Departamento de Urbanismo da Faculdade de Arquitetura e do Programa de Pós Graduação em Planejamento Urbano e Regional da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS).

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De acordo com o Censo, Porto Alegre tinha 1.409.351 habitantes em 2010 e, em agosto de 2022, possuía, 1.332.570 moradores, o que significa uma queda de 5,4% da população.

Apesar da queda populacional, Porto Alegre teve um aumento expressivo no número de domicílios. Em 2010, a cidade tinha 574.831 domicílios particulares permanentes. Já em 2022, esse número saltou para 686.414, dos quais 558.151 estão ocupados, 101.013 estão vagos e 27.250 são de uso ocasional. O número de domicílios vagos mais que dobrou, já que eram 48.934 em 2010.

Por outro lado, o número de domicílios ocupados cresceu cerca de 10% — eram 508.813 em 2010 –, o que é explicado pela média menor de moradores por domicílio. Atualmente, a cidade tem 2,37 moradores por domicílio, contra uma média de 2,75 em 2010.

Vaneska e Eber pontuam que os dados apresentados no Censo confirmam uma tendência de decréscimo populacional em Porto Alegre que não surpreende quem trabalha com o planejamento urbano. Por outro lado, apontam que uma avaliação mais precisa sobre os motivos e os impactos para a redução da população ainda dependem de dados ainda não divulgados pelo Censo, como a população por bairros, por faixa de renda, entre outros.

Contudo, destacam que fatores perceptíveis que contribuem para a queda são o envelhecimento da população e o aumento de famílias monoparentais. “O aumento da expectativa de vida, da população idosa com acesso a serviços, ao mesmo tempo de uma mudança na estrutura familiar em que os idosos passam a viver sozinhos, implicam necessariamente em transformações no planejamento urbano, no sentido de dar uma maior acessibilidade aos serviços públicos dessa população”, pontua Eber.

O professor pontua o Censo indica que há mais pessoas morando sozinhas, mas ainda precisa ser feito um cruzamento de dados para entender melhor qual é o novo perfil de ocupação das moradias. “Mas certamente tem a ver menos com um perfil de jovens morando sozinhos, provavelmente de mais idosos, o que tem impacto no planejamento urbano, na qualidade do transporte público para que essas pessoas possam se deslocar, na qualidade do cuidado com a pavimentação. Mais um motivo para diminuir a facilidade dos carros privados e mesmo do transporte público, com priorização nas vias aos pedestres”, afirma.

Eber aponta ainda que Porto Alegre é a sétima cidade do Brasil com maior perda de habitantes em números absolutos. “O que é muito relevante na medida em que, entre as grandes capitais históricas do país, é aquela que tem a menor população e com esse movimento forte de decréscimo”, diz.

Já a arquiteta da Smamus avalia que outro fator determinante é a chamada “fuga de cérebros”, que é a migração de pessoas com alta qualificação profissional para outras regiões. “Além de ter o desafio de formar talentos dentro da cidade, a gente precisa impedir ou tentar coibir que esses talentos migrem para outros mercados”, diz Vaneska.

Questionada sobre quais medidas podem ser tomadas para evitar essa fuga de cérebros, Vaneska avalia que as pessoas que têm a possibilidade de escolher onde morar acabam optando por cidades em que há aproximação da habitação com espaços que propiciem uma maior qualidade de vida, como espaços culturais e de lazer. “Nos programas do Centro e do 4º Distrito existe uma previsão de uma série de melhorias que devem ser executadas no espaço público e na infraestrutura instalada para que se crie esse ambiente atrativo”, diz.

Vaneska aponta que um primeiro impacto dessa redução populacional é no planejamento do uso da infraestrutura urbana. “Hoje, a gente tem uma cidade que foi pensada para um certo número de habitantes e, a partir do momento que a gente subtiliza essa estrutura, a gente pode estar causando aí alguns efeitos indesejados. A Diretoria de Planejamento Urbano [da Smamus] já vem atuando no sentido de pensar e propor estratégias para que a gente possa enfrentar essa problemática no Programa de Reabilitação do Centro Histórico e no Programa +4D, que foi pensado para o Quarto Distrito”, diz.

Por sua vez, Eber avalia que o fatiamento do planejamento urbano em planos diretores regionais, como os do Centro e do Quarto Distrito, não tem dado conta de enfrentar as dinâmicas pelas quais a cidade passa nos últimos anos.

“Muitas das coisas que nós não vemos e que deveriam fazem parte do planejamento urbano não aparecem com relevância nem nas propostas de Plano Diretor, nem nesse fatiamento que faz o Plano Diretor perder relevância através da produção desses planos locais. Esses dias, apareceu uma declaração do secretário Germano Bremm (titular da Smamus) falando que essa pode ser uma estratégia para outros bairros, fazendo com que o Plano Diretor, que deveria articular as questões urbanas, perca relevância, produzindo uma cidade fatiada e desintegrada. Corre-se o risco de ter um processo de institucionaliação de uma segregação socioespacial. Em vez de termos uma superação, no sentido de uma maior integra entre os diferentes grupos que vivem e usam a cidade, no maior acesso aos serviços e equipamentos, ocorra uma diminuição”, avalia.

Ainda que os dados atualizados de moradias por bairros na Capital não tenham sido disponibilizados, Vaneska avalia que a tendência é que regiões de periferia concentrem o maior número de domicílios na comparação com as regiões centrais da cidade, o que indica que há uma maior demanda por habitações de interesse social.

De acordo com o estudo “Déficit Habitacional e Inadequação de Moradias no Brasil”, realizado pela Fundação João Pinheiro (FJP) em 2021, a Região Metropolitana de Porto Alegre — portanto, não apenas a Capital — registrava um déficit de moradias de 90.585 unidades, o que incluía 31.619 habitações em situação precária, 10.116 famílias que vivem em situação de coabitação e 48.849 que pagavam um aluguel com valor excessivo para suas realidades financeiras.

“A gente vê a redução do números moradores por domicílio é uma tendência não só em Porto Alegre, em todo o Brasil. O mercado ele é um bom identificador de tendência, a gente percebe uma mudança do tipo de imóvel que hoje ofertado em Porto Alegre, provavelmente influenciado por essa mudança do perfil das famílias, mas a gente vai ter que estudar como isso está ocorrendo nos diferentes bairros de Porto Alegre. Então, vai depender da gente entender esse fenômeno localizado. O aumento de domicílios vagos também precisa ser olhado com esse enfoque”, diz Vaneska.

A arquiteta da Smamus pontua que o planejamento urbano da Prefeitura já identificou que um efeito da redução populacional é a subutilização de grandes casarões em bairros eminentemente residenciais, o que é um resultado da redução no número de moradores por domicílio.

“Grandes imóveis, especialmente nos bairros com uso residencial predominante, a gente vê que estão se tornando grandes elefantes brancos na cidade. Hoje, a gente tem casarões onde não existem mais famílias para mantê-los. Isso também é uma questão que tem que ser enfrentada, até trazer a possibilidade de reocupar, adaptar essas situações, para que a gente possa atender melhor esse perfil da população que vê a composição familiar mudando. Mesmo que muitas permaneçam semelhantes, a gente tem aí uma diferença do momento em que Porto Alegre foi construída. Então, a gente tem que pensar como é que a gente acolhe essa dinâmica da transformação social e urbana da cidade”, afirma.

Ela avalia que uma possibilidade de enfrentar essa subutilização seria a possibilidade de dividir esses casarões em duas, três ou mais economias, o que reduziria o custo da moradia para mais famílias. “Não vai se tornar daqui a pouco atrativo para a habitação de interesse social, mas já vai estar acolhendo uma outra classe social nesse bairro”, pondera.

Por outro lado, reconhece que o poder público tem que focar mais na construção de unidades de interesse social. “Muitas delas terão que ter subsidiadas, porque essas famílias não têm a possibilidade de aderir ao mercado”, diz. “São questões que podem ser abordadas com diferentes estratégias. Se eu não tenho tantas respostas definitivas para te dar agora, um caminho que a gente vê fazer sentido, que muitos municípios do mundo trabalham nesse sentido, é de apostar no monitoramento. Um monitoramento não só das densidades que existem nos diferentes bairros, mas essa densidade a partir de qualidades que se esperam para que se possa promover o mix de classes sociais, um mix de perfil etário, um mix de atividades. Se a gente está falando em democratização dos espaços da cidade, é para todos esses perfis”, afirma.

Vaneska também avalia que é importante que essa habitação de interesse social seja promovida em regiões centrais da cidade e não nas periferias, movimento que caracterizou o “espraiamento” de Porto Alegre nas últimas décadas. Ela pontua que o custo econômico de subsidiar essa tipo de moradia deve levar em conta o custo econômico da implantação de infraestrutura e também de sua subutilização nos locais onde ela já existe de forma adequada.

“Hoje, tem muitas questões que não estão fazendo parte da conta, essa extensão da malha da cidade, essa ocupação dispersa, acabam tendo um custo para o poder público ao fornecer esse serviço para essa população que está mais distante. Se a gente tem uma cidade mais compacta, a gente tem uma melhor gestão da infraestrutura, pode modernizar os sistemas num custo mais baixo, porque ele é dividido por uma população maior. Então, a gente vê que é importante que essas outras questões sejam agregadas a esta conta, que hoje infelizmente não se tem esse paralelo e esse contraponto, então acaba sendo mais interessante economicamente muitas vezes construir longe do Centro. A gente tem que reverter essa situação e a gente aposta que seria através desses incentivos que possam regular essa balança de vantagens e desvantagens em se construir uma habitação”, afirma.

Por sua vez, o professor Eber avalia que o montante de domicílios vagos deve ser composto por imóveis subtilizados e abandonados, por um lado, e por outro lado por uma produção recente voltada para investidores. “Esses poucos muito ricos, que cada vez são mais ricos porque acumulam e concentram mais capital, e tem seus portfólios de investimentos como uma de suas alternativas, terras e imóveis”, explica.

O professor pontua que o aumento do número de domicílios vagos, para mais de 100 mil, exigiria do planejamento urbano da cidade pensar alguma forma de reaproveitar essa ociosidade. Uma das formas, destaca, seria exigir que projetos imobiliários incluam sempre a previsão de construção de habitação de interesses sociais nos locais onde vão se instalar e que eles não se dediquem apenas para grupos de alta renda, como se tem visto na Capital.

“Se a gente pensar essa média de ocupação de 2,7 pessoas por domicílio, estamos falando aí numa possibilidade de atendimento de mais de 200 mil moradores de Porto Alegre. Essa seria uma grande revolução. Teria que vir, obviamente, com melhorias e investimentos no serviço público, mas não de grande montante de investimento, porque a tendência é que esses imóveis estejam concentrados na área central”, diz.

“Para isso, cidades que a nossa elite adora tomar como referência, adora visitar, falar da Highline de Nova York, dos parques de Paris, do sistema de transporte sem poluentes e andam até de bicicleta se vão visitar os países nórdicos, é uma característica de todas essas cidades ter uma legislação em que a produção imobiliária urbana implique num percentual de produção para habitação social. Você imagine as torres do Barra, o Golden Lake, a privatização da área do Cais Mauá para produção de área privada. Em Nova York, teriam que destinar parte dessa produção, neste local, não em outro, um percentual de habitação social para outras faixas socioeconômicas da população, o que só melhoraria a vida urbana, tornando as pessoas menos isoladas do ponto de vista socioeconômico, permitindo uma experiência social mais ampla e uma experiência humana mais profícua de contato com agrupamentos sociais de diferentes origens”, complementa.


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