O Juiz Substituto da 20ª Vara Cível de Brasília condenou o ex-piloto Nelson Piquet Souto Maior ao pagamento de R$ 5 milhões de indenização por danos morais coletivos, a serem destinados a fundos de promoção da igualdade racial e contra a discriminação da comunidade LGBTQIA+, em razão de ofensas proferidas contra o atual piloto de Fórmula 1 Lewis Hamilton.
A ação foi ajuizada pelas entidades da sociedade civil Francisco de Assis: Educação, Cidadania, Inclusão e Direitos Humanos (FAECIDH), Centro Santo Dias de Direitos Humanos, Aliança Nacional LGBTI+ e Associação Brasileira de Famílias Homotransafetivas (ABRAFH).
Elas alegaram que, em entrevista a um canal de Youtube em novembro de 2021, Piquet violou direito fundamental difuso à honra da população negra e da comunidade LGBTQIA+.
Na ocasião ao se referir aos pilotos Keke e Nico Rosberg, Piquet afirmou: “O Keke? Era uma b… Não tinha valor nenhum. (…) É que nem o filho dele [Nico]. Ganhou um campeonato. O neguinho [Hamilton] devia estar dando mais c… naquela época e ‘tava’ meio ruim”, disse.
As associações argumentaram que, apesar da fala ter sido direcionada a Hamilton, houve a prática velada de ato racista e homofóbico, que afetou “o direito de toda a sociedade de não se ver afrontada por ações dessa natureza”, o que extrapolaria os limites da liberdade de expressão.
Em sua defesa, o ex-piloto argumentou que apresentou uma retratação quanto ao modo como tratou o piloto inglês, mas defendeu que sua conduta não caracterizou racismo ou homofobia e que não poderia se vista como discurso de ódio ou ofensa à população negra ou à comunidade LGBTQIA+ em geral.
A Defesa argumentou que, apesar do uso de linguagem inadequada, não houve intenção de atingir a honra de Hamilton ou de qualquer pessoa. Assim, como não se tratou de discurso de ódio, não estaria caracterizado o dever de indenizar.
Na análise do processo, o juiz afirmou que é possível verificar, no discurso do réu, conteúdo discriminatório. “Nas oportunidades em que se referiu ao piloto inglês, o requerido utilizou a palavra neguinho sempre quando o criticava, associando-o ao período em que não estava com um bom rendimento nas pistas ou a condutas que reputava erradas. A conduta amolda-se no conceito de discriminação racial prevista no artigo 1º, parágrafo único, inciso I, do Estatuto da Igualdade Racial”.
O magistrado também destacou que “as nuances da linguagem não podem passar despercebidas, pois a sutileza é uma das características do racismo contemporâneo brasileiro: o elemento subjugador está presente, o neguinho não é uma pessoa qualquer, não é um negro jovem, não é um apelido carinhoso, é uma lembrança de que o negro está fazendo algo errado, que é uma raça inferior. Neste contexto, é fácil então perceber que o uso do termo neguinho pelo réu, pessoa branca, para se referir ao piloto inglês negro é uma conduta discriminatória e com significado pernicioso”.
Quanto à conduta homofóbica, o magistrado entendeu que Piquet foi menos sutil e sinalizou que “não fosse Hamilton gay, teria ganhado o campeonato” — o piloto nunca confirmou ser essa sua orientação sexual. “Logo, o ser gay seria uma característica negativa, porque significa incompetência. Reforça, ainda, a conotação negativa à homossexualidade a risada do requerido logo em seguida, transparecendo o tom debochado”, disse, destacando que, nesse sentido, está configurada a prática de ato ilícito.
O magistrado acatou o argumento dos autores e pontuou que “as ofensas perpetradas pelo réu atingem não apenas os direitos individuais da vítima, mas os valores de toda a coletividade, e da população negra e da comunidade LGBTQIA+ em especial”.
*Com informações do TJ-DF.