Geral
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1 de fevereiro de 2022
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17:59

Movimentos denunciam racismo e xenofobia em morte de congolês por espancamento

Uma nova manifestação por justiça para Moïse está sendo convocada pelas redes sociais para este sábado (5), às 10h, no Posto 8 da praia da Barra. Foto: Reprodução
Uma nova manifestação por justiça para Moïse está sendo convocada pelas redes sociais para este sábado (5), às 10h, no Posto 8 da praia da Barra. Foto: Reprodução

Da RBA

O assassinato do jovem congolês Moïse Mugenyi Kabagambe, de 24 anos, espancado até a morte após cobrar pagamento atrasado pelo trabalho prestado a um quisoque na Barra da Tijuca, zona oeste do Rio de Janeiro, na semana passada, tem provocado uma onda de indignação e pedidos de justiça nas redes sociais. Para movimentos sociais, parlamentares e personalidades públicas, Moïse é “mais uma vítima do racismo e da xenofobia no Brasil”. Um protesto está sendo organizado para sábado (5).

De acordo com familiares e amigos, o jovem foi covardemente assassinado por cinco homens depois de cobrar salários atrasados referente a dois dias de trabalho, no valor total de R$ 200, no quiosque Tropicália, no Posto 8 da praia da Barra, onde trabalhava como garçom.

As agressões foram gravadas pelas câmeras de segurança do estabelecimento. E, segundo um primo da vítima, o autônomo Yannick Iluanga Kamanda, de 33 anos, que conta ter visto as imagens, elas mostram Moïse reclamando com o gerente do quiosque, que pega um pedaço de pau para ameaçar o jovem. O congolês chega a se defender com uma cadeira.

Na sequência, descreve Kamanda, o homem vai embora, mas volta em seguida com outras pessoas que aplicam um golpe no pescoço de Möise, e o imobilizam. A partir daí o jovem começou a sofrer uma série de agressões. “Bateram nele com madeira, veio outro com uma corda, amarrou as mãos e as pernas para trás, passou a corda pelo pescoço. Ficou amarrado no ‘mata-leão’, apanhando. Tomando soco e taco de beisebol nas costelas. Até ele desmaiar”, relatou Kamanda ao portal G1.

O jovem congolês foi encontrado por policiais ainda amarrado, deitado no chão já sem vida, em uma escada do quiosque.

Ainda segundo os relatos, o estabelecimento continuou funcionando normalmente. “Eles foram embora e ficou só o gerente do quiosque. E ele deitado no chão, como se nada estivesse acontecendo”, afirmou o primo. A perícia indicou que Moïse tinha várias “áreas hemorrágicas de contusão” e vestígios de broncoaspiração de sangue.

No atestado de óbito foi registrada como causa da morte traumatismo do tórax com contusão pulmonar provocada por ação contundente.

A família, contudo, só descobriu a morte na manhã do dia seguinte, terça (25), quase 12 horas após o crime. A Polícia Civil carioca afirma que as investigações já estão em andamento na Delegacia de Homicídios da capital fluminense.

O órgão afirmou também já ter as imagens da câmera de segurança que mostram pelo menos cinco pessoas participando das agressões. A gravação, segundo a DH, foi cedida pelo proprietário do quiosque que deveria prestar depoimento ainda nesta terça (1º).

Mas, até o fechamento desta matéria, nenhum dos agressores tinha sido formalmente identificado. Ao todo, a Polícia Civil confirmou ter ouvido oito testemunhas, entre parentes e frequentadores do quiosque.

O corpo de Moïse foi sepultado neste domingo (30), no Cemitério do Irajá. Familiares e amigos que acompanhavam a cerimônia protestaram por justiça ao jovem. O congolês chegou ao Brasil com 11 anos, em 2011, com a mãe e os irmãos. Todos refugiados dos conflitos armados na República Democrática do Congo. Em nota de repúdio ao crime, a comunidade de congoleses do Rio de Janeiro observou que Möise havia crescido em um lar repleto de amor.

Ao jornal O Globo, a mãe do trabalhador, Ivana Lay, contou ter fugido do Congo para que a família não fosse morta. Durante a guerra em seu país, ela já havia perdido vários parentes, inclusive a mãe, além do próprio pai de Möise. Nesses anos todos no Brasil, ainda segundo Ivana, ela disse que o filho “virou brasileiro”. “A gente chegou aqui e os brasileiros sempre foram pessoas boas. Mas, hoje, não sei mais”, lamentou a mãe.

“Eles quebraram as costas do meu filho, quebraram o pescoço. Eu fugi do Congo para que eles não nos matassem. No entanto, eles mataram o meu filho aqui como matam em meu país. Mataram o meu filho a socos, pontapés. Mataram ele como um bicho. (…) Ele era trabalhador e muito honesto. Ganhava pouco, mas era dele. No final, chegava com parte do dinheiro e me dava para ajudar a pagar o aluguel. E reclamava, dizendo que ganhava menos que os colegas”, observou Ivana.

Ainda ontem, o vereador Tarcísio Motta (Psol-RJ) enviou ofícios à prefeitura e à Orla do Rio exigindo a cassação do alvará de funcionamento do quiosque na Barra. De acordo com o parlamentar, o estabelecimento é uma concessão pública e os relatos de que a gerência está envolvida no crime “são gravíssimos”. “Isso demanda apuração urgente”, cobrou em suas redes.

Segundo informações da Folha de S. Paulo, a Secretaria Municipal de Fazenda suspendeu o alvará de funcionamento do quiosque. Já a Orla Rio disse já ter suspendido a operação do estabelecimento até a conclusão das investigações.

Pelo Twitter, internautas se indignaram com a escolta da polícia no quiosque comparando a falta de celeridade dos agentes em esclarecer o crime. “Além da violência e da covardia, a falta de informação no caso do Möise é impressionante. Tudo choca nessa história, absolutamente tudo”, contestou o advogado Augusto de Arruda Botelho, um dos fundadores do Instituto de Defesa do Direito de Defesa (IDDD).

A deputada federal Benedita da Silva (PT-RJ) também destacou que o caso está sendo conduzido de forma “desumana”. “Um jovem trabalhador que só queria receber o que era seu direito. As autoridades já deveriam ter os responsáveis PRESOS! Cadê as imagens de segurança? Por que a demora e descaso? “, tuitou a parlamentar.

“Se Möise fosse um jovem branco e rico, filho de empresários da zona sul, o caso já estaria solucionado e os culpados estariam pagando por essa barbárie. Entretanto, o racismo institucional não permite que haja #justicaparaMoise de forma rápida e contundente”, acrescentou.

Movimentos sociais, como o dos Atingidos por Barragens (MAB) e o Instituto Marielle Franco, também ressaltam que o jovem congolês é mais uma vítima da herança racista e da xenofobia do Brasil. “Essa herança está presente em todos os detalhes do nosso dia a dia. Estruturada na violência que se manifesta desde a violência policial no cotidiano das favelas brasileiras até o rompimento criminoso de barragens que vitimam atingidos em sua maioria negra”, escreveu o MAB.

Nova manifestação por justiça para Moïse está sendo convocada pelas redes sociais para o próximo sábado, às 10h, no Posto 8 da praia da Barra, na avenida Lúcio Costa, altura do número 6.900.


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