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13 de fevereiro de 2022
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09:08

Movimento negro propõe discussão sobre homenagens a escravagistas no RS

Por
Fernanda Nascimento
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Monumento em homenagem ao general Osório, na Praça da Alfândega, localizada no Centro Histórico. Foto: Luiza Castro/Sul21
Monumento em homenagem ao general Osório, na Praça da Alfândega, localizada no Centro Histórico. Foto: Luiza Castro/Sul21

O questionamento de homenagens a personalidades históricas que contribuíram para a exploração e morte de populações negras e indígenas vem adquirindo espaço no cenário mundial. No Rio Grande do Sul, entidades do movimento negro propõem um debate público sobre o papel dos monumentos e da nomeação de ruas e avenidas de figuras que foram escravocratas ou apoiadoras dos processos de escravização no Brasil. A mobilização de 42 entidades vai resultar em uma audiência pública na Assembleia Legislativa, proposta pela deputada Luciana Genro (PSOL) e aprovada nesta semana pelo parlamento estadual.

A proposta de discutir publicamente o tema e repensar os significados dos símbolos históricos surgiu após episódios de contestação em outros locais do mundo. No Brasil, o caso mais emblemático foi o incêndio na base da estátua de Borba Gato, em São Paulo. O protesto simbolizou a contestação da figura de um dos bandeirantes responsáveis pela captura de indígenas e negros no interior do Brasil. O debate proposto pelo movimento negro se soma às iniciativas locais que geraram discussão na última década, como a mudança de nome da avenida Castelo Branco – cuja alteração para avenida da Legalidade e Democracia foi aprovada em 2014 e revogada em 2018.

“Ressignificar é rediscutir a história. A história é uma versão de quem venceu e de quem dominou. Mas é preciso que a gente saiba quem são essas personalidades”, explica o coordenador do movimento Vidas Negras Importam, o sociólogo Gilvandro Antunes.

Em um Estado com um passado marcado pelo imaginário em torno da Revolução Farroupilha, várias homenagens ligadas aos líderes da disputa estão no cerne do debate. Entre elas, homenagens a David Canabarro, por exemplo. Uma das principais lideranças farroupilha, Canabarro era contrário a qualquer possibilidade de abolição ampla da escravatura e é apontado pela historiografia recente como traidor e, ao lado de Duque de Caxias, responsável pelo acordo que culminou na emboscada e massacre do grupamento dos Lanceiros Negros, na Batalha de Porongos.

“Ele era um grande general. Mas para nós, nunca houve um princípio revolucionário entre os farroupilhas, porque se mantinha o escravismo como um dos pilares da organização e da sociedade. Nós temos a necessidade de contar quem eram de fato esses heróis”, explica Bira Toledo, do Instituto de Assessoria às Comunidades Remanescentes de Quilombos.

Entre as propostas que devem ser debatidas pelo movimento estão proposições para alteração de nomes de logradouros, o deslocamento para museus de estátuas e bustos que estão em praças e a colocação de placas explicativas sobre o envolvimento de cada personalidade na exploração de indígenas e negros no Brasil.

“Nós temos dois debates. Temos uma discussão sobre os nomes e as homenagens a essas personalidades. E também um debate sobre a sub-representação de pessoas negras em nomes de ruas e em homenagens públicas”, comenta Antunes.

O processo de discussão dos símbolos aponta para a necessidade de reflexão sobre períodos que deixaram um legado na sociedade. “É um questionamento da visão colonizadora de figuras que representam a opressão, a escravização, o genocídio”, explica Toledo.

Cristiane Johann da Associação dos Defensores Públicos do Estado do Rio Grande do Sul e integrante do Conselho Estadual dos Direitos Humanos afirma que as entidades têm referendado a discussão, baseada especialmente nos princípios constitucionais de garantia de direitos e na necessidade de reparação histórica à populações negras e indígenas. “Esse assunto não é importante só para os negros. Ele é importante para toda a sociedade, porque temos que transmitir valores justos e adequados”, afirma.

Igreja jesuíta São José, na rua Alberto Bins, no centro da Cidade. Foto: Luiza Castro/Sul21

Bento Gonçalves 

Bento Gonçalves da Silva foi um dos militares que liderou a Revolução Farroupilha. Integrou o grupo político que defendia a liberdade das pessoas negras escravizadas a serviço da República como uma das condições de paz. Apesar disso, deixou em seu testamento, em 1847, uma herança de “53 escravos” em sua fazenda de Camaquã. É um dos farroupilhas mais homenageados em monumentos públicos do Rio Grande do Sul.

General Osório 

Manuel Luís Osório foi um general monarquista brasileiro e liderou a Guerra do Paraguai. É um dos principais nomes militares da historiografia brasileira. Além de militar, era estancieiro e escravizava pessoas negras em suas fazendas. Em diversos locais do Estado existem ruas, praças, parques, estátuas e bustos em sua homenagem.

Infante Dom Henrique

Português considerado um dos grandes heróis, especialmente pela participação no processo de expansão do país, no período das Grandes Navegações que resultaram na colonização do Brasil e de outros países. Foi um dos primeiros grandes traficantes de pessoas escravizadas. Nomeia uma escola estadual em Porto Alegre e várias ruas em diferentes cidades do Estado.

Igrejas Jesuítas

Conhecidos pelo processo de conversão e catequização de povos indígenas no Brasil – em processos de violência epistêmica -, os jesuítas também contribuíram para a exploração de pessoas negras, participando do tráfico de pessoas e utilizando mão-de-obra escravizada negra.

Vidal de Negreiros

Militar no Brasil Colônia e reconhecido pela atuação nas disputas entre portugueses e holandeses pela costa pernambucana, no período colonial do Brasil. Foi um dos maiores traficantes de pessoas escravizadas do país. Nomeia ruas em várias cidades do Rio Grande do Sul

Confira mais fotos de algumas dessas homenagens:

Praça General Osório, entre as ruas Fernando Machado e Duque de Caxias. Foto: Luiza Castro/Sul21
Praça General Osório, entre as ruas Fernando Machado e Duque de Caxias. Foto: Luiza Castro/Sul21
Monumento em homenagem a Bento Gonçalves, localizado na Av. João Pessoa. Foto: Luiza Castro/Sul21
Monumento em homenagem ao General Osório, na Praça da Alfândega, localizada no Centro Histórico. Foto: Luiza Castro/Sul21
Igreja jesuíta São José, na rua Alberto Bins, no centro da Cidade. Foto: Luiza Castro/Sul21

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