Geral
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13 de agosto de 2021
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07:14

Nos 15 anos da Lei Maria da Penha, rede integrada de proteção ainda é um desafio no RS

Por
Andressa Marques
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Abertura oficial da exposição #BastadeViolência contra as mulheres. Foto: Vinicius Reis/Agência ALRS
Abertura oficial da exposição #BastadeViolência contra as mulheres. Foto: Vinicius Reis/Agência ALRS

Neste mês de agosto, a Lei Maria da Penha completou 15 anos. Considerada um marco no enfrentamento à violência contra as mulheres no país e uma das melhores legislações do mundo no quesito pela Organização das Nações Unidas, ela ainda enfrenta desafios para ser aplicada conforme está prevista.

Segundo o Mapa da Violência Contra a Mulher no RS, apresentado em audiência da Comissão de Cidadania e Direitos Humanos da Assembleia Legislativa na última quinta-feira (11), nos seis primeiros meses de 2021, 8.484 mulheres foram vítimas de lesões corporais, 931, de estupros e, 48, de feminicídios. Só em 2020, 80 mulheres foram vítimas de feminicídio no Estado, das quais apenas cinco estavam com medida protetiva de urgência, 81% morreram pelas mãos dos seus agressores, 70% dentro de casa, 39% pelo uso de arma de fogo e 34% por faca. 79% das vítimas assassinadas tinham entre 18 e 40 anos.

Os dados ainda apontam que o crime de gênero tem horário padrão: 43% aconteceram nos finais de semana e, 56%, pela manhã, entre 6h e 12h. Para a delegada Nadine Anflor, chefe da Polícia Civil do RS, é preciso reforçar a atenção e incentivar a denúncia dos agressores. “Nós ampliamos os canais de denúncia porque observamos nos dados estatísticos que as mulheres que morrem são aquelas que não fizeram a ocorrência, então há uma preocupação no sentido da denúncia”, afirma.

Para Nadine, a participação da Polícia Civil é primordial para uma investigação rápida e para a detenção do agressor. “Houve um aumento significativo de prisões na Delegacia da Mulher. Temos certeza que através disso nós conseguimos reduzir esses indicadores.”

No entanto, a própria delegada destaca que a falta de casas-abrigo e de uma rede integrada de proteção acabam por impactar nos números de violência. “As mulheres chegam na polícia e, às vezes, pedem coisas que não podemos ajudar”, diz. “Essa é uma discussão que temos que amadurecer. Precisamos de um espaço único para que todos os serviços estejam integrados e haja uma rede fortalecida”, completa.

Coordenadora da Força-Tarefa de Combate aos Feminicídios, vinculada à Comissão de Segurança e Serviços Públicos da Assembleia Legislativa, Ariane Leitão destaca que, para o Estado reverter os números de violência contra a mulher, é necessário que a determinação da Lei Maria da Penha seja cumprida. “Não é cumprida nem no Brasil e nem no Rio Grande do Sul”, afirma.

Para Ariane, o não funcionamento da Lei significa que as redes de atendimento e enfrentamento à violência doméstica não estão sendo totalmente implementadas. “É preciso uma estrutura de qualidade mínima para que as mulheres possam denunciar e, depois da denúncia, se sintam seguras para poder seguir o seu caminho”, diz. “Para que depois de dar o primeiro passo, sendo na delegacia ou no espaço de saúde, ela tenha um encaminhamento efetivo junto ao centro de referência da mulher. As mulheres, após a denúncia, não têm para onde ir”, completa. Com 497 municípios, atualmente o Rio Grande do Sul tem somente 13 casas-abrigo e 23 centros de referência da mulher.

Ariane ressalta que mulheres negras e indígenas são as mais atingidas. “Se a gente convidar qualquer autoridade para ir até o plantão da delegacia da mulher, as pessoas vão ver que, em sua maioria, são mulheres negras, indígenas e pobres”, diz. “Não há recursos públicos para o acolhimento das mulheres porque não há disposição política para isso. É preciso colocar orçamento, articular a rede de proteção, aparelhar as delegacias, Polícia Civil e patrulha Maria da Penha, debater com o Poder Judiciário e Ministério Público”, conclui.

Com proposição da Procuradora Especial da Mulher do Parlamento gaúcho, deputada Franciane Bayer (PSB), neste ano, a campanha Agosto Lilás foi aberta com o lançamento dos canais virtuais para as mulheres em situação de violência. “Todos esses eventos têm o objetivo de chamar a atenção da sociedade, disseminar informações sobre os tipos de violência, porque muitas mulheres sequer sabem que estão sendo vítimas de algum tipo de violação”, afirma.

O Agosto Lilás foi criado em 2016, nos 10 anos da Lei Maria da Penha, com o objetivo de intensificar o conhecimento sobre o tema, sensibilizar a sociedade e divulgar os serviços especializados da rede de atendimento à mulher em situação de violência e os mecanismos de denúncia existentes.

Para Franciane, um dos principais méritos da Lei está na proposta de trabalho articulado entre o governo e a sociedade civil, no fortalecimento da rede de proteção às mulheres, mas ela admite que há muito ainda a ser feito. “Todos esses avanços, que não param por aí, não podem ser comemorados enquanto vidas ainda são ceifadas diariamente no nosso Estado, e ainda pior, pelo simples fato de serem mulheres.”

A deputada apresentou o PL 177/2020, que pretende criar um fundo estadual para o enfrentamento da violência contra as mulheres, com objetivo de ter um mecanismo que possa receber recursos e também financiar ações, como o abrigamento de mulheres em situação de vulnerabilidade e programas de capacitações e qualificações para que essas mulheres tenham independência financeira.

Além da iluminação da fachada, a Procuradoria da Mulher lançou nesta semana a exposição #BastadeViolência contra as Mulheres, que está aberta para visitação no Espaço Carlos Santos, na entrada do Palácio Farroupilha, durante todo o mês. No dia 16 de agosto, a Procuradoria promove uma palestra, voltada para as mulheres e os homens que trabalham na Casa, que poderá ser acompanhada pelo canal da TV AL no YouTube, abordando o tema da violência doméstica e os tipos de assédio que acontecem no ambiente de trabalho.

Para denunciar:

  • Emergências 190 (Brigada Militar) e 197 (Polícia Civil)
  • Disque-Denúncia 181
  • Denúncia Digital 181: ssp.rs.gov.br/denuncia-digital
  • WhatsApp (Polícia Civil): (51) 98444.0606
  • Escuta Lilás: 0800.541.0803
  • WhatsApp e ligações: (51) 3210.1638

*Andressa Marques é repórter do Programa de Diversidade nas Redações realizado pela Énois – Laboratório de Jornalismo, com o apoio do Google News Initiative


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