Geral
|
11 de junho de 2021
|
20:32

Tentando aprovar novo plano de carreira, Sindjus destaca luta contra ‘invasão do Estado’ pela iniciativa privada

Por
Luís Gomes
[email protected]
Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul. Foto: Maia Rubim/Sul21
Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul. Foto: Maia Rubim/Sul21

O Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul (TJ-RS) aprovou em abril passado, por unanimidade, o texto final do Plano de Carreira, Cargos e Salários para os servidores do Judiciário gaúcho. Reivindicação histórica da categoria, o plano aprovado precisa agora ser aprovado na Assembleia Legislativa para entrar em vigor

Diretor de comunicação do Sindicato dos Servidores da Justiça do Estado do RS (Sindjus), Emanuel Dall’Bello conversou com o Sul21 sobre as mudanças e perspectivas que o plano de carreira, se tiver a aprovação confirmada pelos deputados estaduais, traz para a categoria. “Quase a totalidade dos servidores vão ser transformados em outros cargos para que se crie uma nova estrutura. Antigamente, tinha quase 50 cargos, se eu não me engano, eram 48, e hoje nós estamos indo para uma estrutura com seis cargos. Vai ser uma estrutura muito mais racional do ponto de vista da gestão pública”, exemplifica.

Além do plano, Emanuel fala sobre a reforma administrativa em discussão do Congresso Federal, que poderá trazer alterações para o funcionalismo público em todas as suas esferas, e sobre os impactos da pandemia no trabalho do Judiciário. “Existem vários conceitos dentro dessa reforma que visam destruir a estrutura do serviço público como ele se dá hoje e a gente vai sentir os reflexos disso, não só quem faz parte do serviço público, mas quem está acessando ele, porque a redução vai ser imensa dos serviços e da qualidade que chega à população. É por isso que precisamos combater a reforma na sua essência, não procurar remendá-la”, afirma.

Sul21 – Como tu avalias o plano de carreira aprovado pelo Tribunal de Justiça em abril?

Emanuel Dall’Bello: Nós, do sindicato, avaliamos como um grande avanço para a nossa categoria em relação a todo esse cenário que estamos vivenciando nos últimos anos. Os servidores, não só do Judiciários, mas de todo o Estado do Rio Grande do Sul, enfrentam um cenário muito difícil em relação à retirada de direitos constante. Há um congelamento salarial que já chega há sete anos e isso nos colocou numa situação muito difícil nos últimos anos. Principalmente, depois desse encaminhamento das reformas pelo governador Eduardo Leite, que começou pela reforma da Previdência e se desdobrou também numa reforma administrativa aqui no Estado, tirando inúmeros direitos e possibilidades de melhoria a longo prazo para os servidores públicos, como os avanços temporais, como alteração na questão da licença prêmio.

Nesse cenário todo, inclusive atravessado pela pandemia, a gente se viu na discussão desse plano de carreira, que foi discutido por mais de um ano junto ao Tribunal de Justiça. Conseguimos construir uma alternativa dentro das possibilidades legais vigentes agora, em relação às restrições orçamentárias, à Lei Mansueto, à PEC Emergencial. Foram inúmeras as dificuldades que encontramos para conseguir compor esse plano de carreira, mas avaliamos, sim, como um passo à frente, como um passo muito importante para se construir e se constituir uma fundação que dê um mínimo de solidez para depois aprimorar e melhorar ao longo dos próximos anos, para que, efetivamente, consigamos implementar tudo que a gente precisa e acredita como necessário para se ter uma carreira estruturada, uma carreira que realmente valorize o servidor.

Sul21 – Tem se falado que o plano torna mais atrativa a carreira dos servidores do Judiciário. Quais são os pontos dele que indicam isso?

Emanuel Dall’Bello: Antes de a gente conseguir discutir o plano, tínhamos uma perspectiva de extinção de diversos cargos no Poder Judiciário para uma renovação de uma estrutura que não seria por meio de um plano de carreira. Até foi esse o objeto de uma das maiores greves que teve no Judiciário gaúcho, que fizemos em 2019, contra a extinção do cargo de Oficial Escrevente, que tem a maior quantidade de servidores. Então, uma das coisas mais importantes que esse plano traz é a renovação desse quadro de servidores. Quase a totalidade dos servidores vão ser transformados em outros cargos para que se crie uma nova estrutura. Antigamente, tinha quase 50 cargos, se eu não me engano, eram 48, e hoje nós estamos indo para uma estrutura com seis cargos. Vai ser uma estrutura muito mais racional do ponto de vista da gestão pública.

Além da questão da transformação dos cargos, que evita que todas as pessoas sejam extintas e sejam jogadas num limbo jurídico, onde vai ser muito difícil construir essa disputa de direitos a longo prazo, temos a carreira estruturada em progressões e promoções. Então, dentro de cada cargo, vai ter uma possibilidade de tu ascender até 17 níveis, os quais vão ter possibilidade de progressão, ano a ano pode se possibilitar isso aos servidores e, de tempos em tempos, de promoção. Isso vai estar vinculado a critérios de avaliação contínua dos servidores, que vão ser critérios pré-definidos para que, chegando na nota ideal, o servidor possa, ano após ano, ter um avanço dentro dessa carreira. Isso é muito importante num cenário de tantos problemas como o que a gente vem enfrentando, para dar uma perspectiva de continuidade no avanço, para que a pessoa continue engajada em relação ao trabalho, para que ela possa ter, inclusive, condições de qualificação e de trabalhar essa questão dos cursos, poder avançar dentro dessa estrutura de ter condições de se qualificar mais. Nós temos, dentro desse plano de carreira, uma comissão paritária, que vai gerir esse plano conjuntamente com o tribunal, com servidores eleitos pela base. Vamos ter voz direta junto ao Tribunal para conseguir gerir o plano e todos os seus desdobramentos.

O principal é que todos foram contemplados com a possibilidade de melhoria, inclusive aqueles cargos que, por questões legais, de já terem sido extintos, não podem fazer parte dessa transformação. Mesmo esses cargos também vão ficar dentro dessa carreira estruturada, com a possibilidade de progredir.

Outra coisa importante é que esse plano estabelece uma carreira única. Hoje em dia, com os diversos cargos, alguns têm carreira, outros não, então vai se estabelecer uma carreira única, onde não vai ter distinção entre o primeiro e o segundo grau. Isso vai permitir que as pessoas tenham uma possibilidade de trânsito muito maior dentro das comarcas do Estado. Antes, os cargos eram vinculados a entrâncias e a pessoa só podia ter uma condição de melhoria remuneratória quando ela saísse de uma cidade e fosse para outra, saísse de uma entrância inicial, fosse para uma intermediária, para depois chegar na final. Isso fazia com que, obrigatoriamente, saísse da cidade em que ela está. Muitas vezes tinha uma dificuldade grande de fazer a mudança com a sua família, muitos ficam longe de suas famílias. O plano dá a possibilidade da pessoa se estabelecer em um determinado local e manter a sua carreira e progredir no mesmo local. O que é muito importante também para que não haja uma fuga de servidores das comarcas iniciais e intermediárias, que são as que mais têm defasagem de trabalhadores. Isso vai possibilitar uma maior distribuição de servidores e o fortalecimento das condições de trabalho nessas comarcas que têm mais dificuldade de serem providas.

Sul21 – O plano foi aprovado por unanimidade pelo TJ e segue agora para a Assembleia Legislativa, que, como tu falastes no início, tem aprovado uma agenda de ajuste fiscal. Quais os argumentos que vão ser usados para aprovar o plano na Assembleia? Ou tu achas que não vai ter grandes dificuldades de aprovação por já ter esse respaldo do TJ?

Emanuel Dall’Bello: Dentro da nossa perspectiva, trabalhar com direitos de servidores, trabalhar com estruturas de carreira, com essa legislatura atual da Assembleia, sempre vai ser um desafio. Sabemos das dificuldades que a pandemia nos trouxe, do perfil do atual governo e da maioria da sua base, então vamos precisar de muito engajamento dos colegas para fazer esse trabalho de pressão parlamentar, ainda que virtual, para buscar apoio nas comarcas, que precisam muito de melhores condições nos judiciários locais, para buscar moções de Câmaras de Vereadores, das OABs, que são muito importantes.

Tem um compromisso muito sério do presidente do Tribunal [desembargador Voltaire de Lima Moraes] em aprovar esse plano, é um dos compromissos principais da gestão dele. Ele demonstrou isso desde o início, quando no terceiro dia de gestão criou uma comissão para construir o plano de carreira, com o Tribunal e as entidades. Então, sabemos desse compromisso e eles estão se movimento para aprovar isso. Da nossa parte, estamos realizando várias agendas com parlamentares de todas as bancadas para demonstrar a importância do plano. E não é só a importância no sentido de valorização do servidor do Judiciário, que é o único do País que não tem um plano de carreira para todos os servidores. Mas essa nova carreira traz uma reestruturação do Judiciário e uma adaptação à nova realidade, muito atravessada pela tecnologia. A implementação do processo eletrônico é algo recente no RS e está caminhando muito bem essa transição. Eu acredito que, entre um e dois anos, nós vamos ter praticamente todos os processos digitais, e isso vai implicar numa mudança muito grande no formato do trabalho, em relação à necessidade de reorganizar a estrutura de cargos para que se adeque a essa nova estrutura administrativa. Então, esse plano de carreira também é muito importante em relação à modernização que é necessária no judiciário para a gente conseguir  implementar bem essa transição tecnológica. Sempre vamos defender a necessidade de valorizar os trabalhadores, mas também sabemos que a nossa importância enquanto servidores públicos é entregar um serviço de qualidade.

Sul21 – O plano de carreira era uma luta histórica dos servidores do Judiciário, como se deu o processo de construção nesse momento?

Emanuel Dall’Bello: Esse plano de carreira já vem sendo debatido há 40 anos pelas categorias dos servidores do Judiciário e já se discutiram vários outros planos anteriores a esse. Naqueles momentos, a categoria acabou entendendo que eram planos adequados e eles não foram aprovados, não foram levados à frente. Essa é a primeira vez que um plano de carreira chega à Assembleia Legislativa para a sua tramitação parlamentar e tem a real possibilidade de ser aprovado, com engajamento, inclusive, por parte do presidente do Tribunal e com o aval de mais de 93% da nossa categoria. Nós fizemos uma assembleia geral virtual, a primeira da nossa história, com mais de mil e duzentos servidores. Nesse momento, se apresentou o plano de carreira e todas as dificuldades que a gente teve para construí-lo, e 93% dessas pessoas aprovaram. E, na verdade, ele começou nesse período histórico depois de uma greve de quase 60 dias em que nós derrubamos, pela primeira vez na história, um projeto de lei do Poder Judiciário, que queria extinguir cerca de 3,6 mil cargos de oficiais escreventes da estrutura do Judiciário. Nós defendíamos a transformação desses cargos em técnicos. O presidente do Tribunal, à época, defendia que era ilegal e inconstitucional essa transformação e nós defendíamos que não era.

Mobilização dos servidores durante a greve de 2019. Foto: SindjusRS/Divulgação

No momento que trocou a gestão do Tribunal, a gente já havia saído da greve com um acordo de discutir uma carreira e outras pautas, o novo presidente gestionou, no terceiro dia de gestão, uma comissão com membros da administração e com membros de todas as entidades de classe que representam os servidores no Judiciário estadual para debater esse plano. Nós ficamos durante todo o ano de 2020 com reuniões virtuais, muito bem preparados para fazer esse debate, e melhoramos muito a proposta de plano apresentada inicialmente pelo Tribunal. Conseguimos inserir diversas coisas que são muito importantes para nós. Infelizmente, nós não conseguimos avançar em tudo que queríamos, em relação a essas restrições todas que já comentamos, mas chegamos num plano que não é o ideal, mas eu acredito que é sempre muito difícil de se debater o ideal nessa estrutura de serviço público, temos que conseguir o melhor possível dentro da realidade. Esse plano vai ser um alento para nós, vai nos garantir alguns direitos que foram perdidos e já foram retirados com as últimas reformas. Tem duas ações diretas de inconstitucionalidade que vão importar numa redução de quase 17% nas nossas remunerações, que elas estão questionando reposições salariais anteriores. Então, garantimos que não vai haver esses prejuízos e ainda dando uma perspectiva de futuro, de ter possibilidade de avançar, de ter uma melhoria concreta, de buscar uma carreira que estabilize agora o que temos, para que consiga, depois, dentro dessa carreira, melhorar a estrutura.

Nós buscamos também a construção de um plano que não tivesse um impacto negativo do ponto de vista social, em relação a um aumento exacerbado de despesas públicas do Poder Judiciário. Trabalhamos dentro daquilo que tem no orçamento do Tribunal, do que é possível ser realizado dentro desse orçamento e também respeitando a questão da boa utilização dos recursos públicos. Nós acreditamos, sim, que essa carreira vai nos trazer grandes benefícios, principalmente a longo prazo. Então, foi um processo dialogado com todas as entidades, uma construção coletiva, um processo dialógico também junto ao Tribunal, que sempre teve muita abertura, muito respeito na figura do presidente da comissão, desembargador Eduardo Uhlein, e o presidente do Tribunal também sempre respeitou muito as decisões da comissão. E chegamos agora com a unanimidade no órgão especial do TJ e com a quase unanimidade da nossa categoria em relação ao nosso pleito.

Sul21 – Vemos hoje um discurso anti serviço público entre muitos parlamentares e setores da sociedade. Tu consideras que ele é mais forte contra o Judiciário, por ser considerado a elite do funcionalismo — claro que os maiores salários são de magistrados e promotores, não dos técnicos?

Emanuel Dall’Bello: Nós vivemos isso na carne muito forte no dia a dia e existe uma confusão muito grande, muito focada justamente por essas pessoas que têm interesses antagônicos aos da sociedade, que fazem esse discurso de que o servidor é privilegiado, que se gasta muito com servidores públicos aqui no Brasil. Isso, sabemos que é uma mentira. Existem dados do Dieese, existem diversos estudos a nível nacional, que comprovam que o Brasil é um dos países que menos têm servidores públicos na comparação com outros países, inclusive mais desenvolvidos em termos de políticas públicas. Isso está muito associado a uma apropriação do Estado pela iniciativa privada. Há um interesse muito grande de ocupar esses espaços. A reforma administrativa traz isso, mas não só. Existem vários projetos que estão reduzindo muito, desde a Emenda Constitucional 95, os investimentos públicos e que vêm utilizando também a mídia hegemônica para fazer esse trabalho de tornar o servidor público um bode expiatório, para colocar na conta dos trabalhadores os problemas econômicos que o Estado vem enfrentando, e isso não é verdade. E existe um abismo econômico muito grande entre algumas classes do serviço público. Entre os servidores do Judiciário e os magistrados, por exemplo, existe um abismo imenso, não só na questão remuneratória, mas também na questão da manutenção de garantias e direitos, na questão da reposição inflacionária, que a gente está há tanto tempo sem receber e os magistrados puderam ter essa possibilidade por meio de uma auto concessão dessa reposição. Sabemos que, nessa disputa de poder, os servidores sempre acabam prejudicados. Então, precisamos de muito mais organização, muito mais força, para conseguir fazer ações contundentes para resguardar esses direitos.

E, assim, a gente precisa muito demonstrar para a sociedade, e estamos baseando a nossa campanha a favor do plano de carreira nisso, que o servidor está, sim, muito comprometido com as causas sociais, muito comprometido com a entrega de um serviço público de qualidade. Para tu der uma ideia, o RS recebe, há mais de uma década, anualmente, prêmios, como selos de ouro do CNJ, medalhas de prata, em diversas avaliações. Somos considerados um dos judiciários mais eficientes do País, isso graças muito aos servidores públicos que estão trabalhando aqui. Então, precisamos precisa fazer com que a sociedade perceba que existe um interesse corporativista de entidades vinculadas à burguesia e ao neoliberalismo, que estão inclusive utilizando agora essas ferramentas do ultraconservadorismo e do fascismo, para se apropriarem do Estado e fazer com que ele seja invadido pela iniciativa privada. E é disso que temos que nos defender.

Um Judiciário que tenha terceirização como foco, que é o que eles querem com essa reforma administrativa, tirar a estabilidade, poder terceirizar, delegar outras tarefas para empresas realizarem, isso vai diminuir cada vez mais a qualidade do serviço público, da Justiça brasileira, e isso é uma coisa que não se pode aceitar.

Sul21 – Ainda sobre a reforma administrativa, quais são os principais pontos que tu considera problemáticos na discussão que está ocorrendo em Brasília?

Emanuel Dall’Bello: Bom, a reforma administrativa é a continuidade desse projeto de reformas que tem esse objetivo que eu venho dizendo. Poderia ser feita uma reforma que trouxesse uma melhoria em diversos aspectos e uma redução de desigualdades, um combate verdadeiro ao alto escalação do serviço público, não à classe mais baixa, que são os que estão carregando o piano, como a gente fala. Eu vejo a estabilidade como ponto central porque ela é o que nos dá a garantia, e não é a garantia de não ser demitido. Isso é uma confusão muito grande que as pessoas fazem. Em qualquer cargo público, tu pode ser demitido, tu pode perder o teu cargo. Dependendo do porquê tu for condenado, tu pode, sim, perder teu cargo. Não é uma questão eterna, que tu passa do estágio probatório e se mantém para o resto da vida, trabalhando ou não trabalhando. Temos, além do estágio probatório, diversas outras possibilidades de perder o cargo. Então, esse debate sobre a estabilidade em relação a isso está muito equivocado. A estabilidade é uma garantia para que o servidor consiga se manter dentro dos princípios do Estado, da legalidade, da moralidade e da ética. Essa possibilidade existe justamente para nos defender, para que quando alguém venha, superior hierarquicamente ou não, querer te conduzir a fazer alguma coisa inadequada à tua atribuição, tu possa dizer não. ‘Eu não vou fazer isso porque isso está errado, isso é ilegal, antiético’. Com isso, é possível evitar muitos processos de corrupção dentro do serviço público como um todo. Isso é uma garantia não para o servidor, mas para a sociedade.

Emanuel Dall’Bello. Foto: Arquivo Pessoal

Tivemos agora um caso recente de um policial federal que confrontou o ministro do Meio-Ambiente, Ricardo Salles, e não teve medo de enfrentar toda a realidade difícil. Ele perdeu um cargo de coordenação, foi atacado de diversas formas, mas se manteve firma com base na estabilidade. ‘Eu sou um servidor federal, ele cometeu um crime e vou denunciá-lo’. É disso que se trata a estabilidade.

Fora isso, essa reforma enfraquece muito a forma de seleção das pessoas que vão fazer parte do Estado, trazer essa nova realidade de não ser tudo por concurso e não serem todos os servidores estáveis. Então, vão ter contratações temporárias, isso facilita muito aquele troca-troca político. É aquela coisa, a pessoa vai entrar de alguma forma precária no serviço público e, quando for do interesse da pessoa que estiver no cargo dominante, pode ser retirada a qualquer momento. Quem perde com isso, em qualidade, é a sociedade. Esse novo formato de ingresso no serviço público está muito equivocado.

A gente vê também o congelamento de estruturas de carreiras. Existem vários conceitos dentro dessa reforma que visam destruir a estrutura do serviço público como ele se dá hoje e vamos sentir os reflexos disso, não só quem faz parte do serviço público, mas quem está acessando ele, porque a redução vai ser imensa dos serviços e da qualidade que chega à população. É por isso que precisamos combater a reforma na sua essência, não procurar remendá-la. Nós precisamos derrubá-la, porque, assim como passou com a reforma da Previdência e com a reforma trabalhista, que prometia aumentar empregos, diminuir a crise social e econômica brasileiras, na verdade só retirou empregos, o desemprego está batendo recordes no último período. Então, nós vemos que são falas vazias que buscam convencer a sociedade e, depois, é a sociedade que paga a conta.

Sul21 – Com relação à pandemia, o Judiciário gaúcho já teve essa aceleração da digitalização dos processos eletrônicos. Quais outras transformações a pandemia trouxe para o Judiciário e quais delas vieram para ficar?

Emanuel Dall’Bello: A pandemia pegou de surpresa todo mundo e o Tribunal estava no início do processo de transição tecnológica, então foi uma das grandes dificuldades em relação à necessidade de se trabalhar à distância. E isso acho que foi uma das principais mudanças que veio para ficar, a questão do tele trabalho. Tivemos que se adequar numa estrutura que não estávamos preparados, existiam pouquíssimos servidores, poucas dezenas, em regime oficial de tele trabalho quando a pandemia entrou. Era um regime-piloto. A pandemia veio e colocou todos nós dentro dessa estrutura por uma questão de segurança, por uma questão de saúde, inclusive para evitar o trânsito de pessoas. Os fóruns têm trânsito enorme de pessoas em todas as comarcas. Aqui, em Porto Alegre, são milhares de pessoas que transitam no fórum no dia a dia, entre advogados, partes e demais interessados. Essa foi uma das principais mudanças que veio para ficar.

Ela tem seus pontos positivos, mas tem muitos pontos negativos também. Os pontos positivos são que tu pode trabalhar num regime que tu está em casa, não tem que fazer o deslocamento para o trabalho, tem uma certa liberdade em relação ao horário dentro da tua capacidade, então tem algumas pessoas que se adaptam bem a essa estrutura. Mas, também temos que lembrar que ela tem que vir com uma responsabilidade de entregar ferramentas com ergonomia. A gente tem que pensar na saúde mental das pessoas, porque tu misturar trabalho com a questão afetiva do nossa lar, com a questão das atividades domésticas, as pessoas não estão preparadas para isso e tem muitas pessoas adoecendo. Esse é o ponto mais complicado, mas o tele trabalho dá uma certa liberdade, inclusive de trabalhar em locais diversos daquele ao qual tu está vinculado, sabemos que tem casos de pessoas que estão trabalhando em outros estados, em outras cidades, podendo estar mais próximo da família também. Então, são coisas positivas.

Eu acho que outra coisa que veio para ficar é o avanço da implementação do e-Proc, que é o processo eletrônico no Judiciário gaúcho, que está digitalizando praticamente todo o acervo físico. Passamos muitas dificuldades com esse processo de digitalização também, porque os servidores estão sendo obrigados a retornar ao trabalho presencial para realizar parte desse trabalho de digitalização dos processos físicos, e isso é muito complicado porque coloca em risco a vida dessas pessoas. Querendo ou não, qualquer um de nós que sair de casa, que tem que pegar um ônibus, que tem que se deslocar ao local onde tu vai estar num ambiente fechado com diversas outras pessoas, isso vai estar colocando sempre em risco a saúde das pessoas. Mas, no final do processo, quando já tivermos todo o acervo digitalizado, isso também vai permitir com que a gente tenha mais essa disponibilidade de não ser obrigado a realizar o trabalho presencial em razão dos processos físicos. Então, quando todo o acervo estiver digitalizado, vai ser mais possível que os servidores se mantenham na segurança dos seus lares e não sejam obrigados a ir até o fórum. Isso facilita a vida, inclusive, dos colegas advogados e dos outros operadores do Direito, que vão ter um acesso muito mais fácil ao sistema. Tem vários problemas e várias críticas que atravessam isso tudo, mas eu acredito que a mais difícil é esse processo de retomada do trabalho presencial. Nós trabalhamos muito junto ao Tribunal e sempre buscamos evitar o retorno dos colegas. O Judiciário nunca parou, nós sempre trabalhamos muito, inclusive, em tempos de pandemia, dados do CNJ apontam que nós estamos entre o terceiro e o quinto em diversas metas do Tribunal, superando as metas mesmo durante a pandemia. Somos um dos judiciários que mais têm produzido e isso é reflexo da qualidade do nosso servidor e da nossa servidora.

Além disso, nós entendemos que, depois de um ano e meio nessa sistemática do trabalho remoto e de sempre um mínimo de pessoas no fórum para cumprir as urgências e dar acesso aos advogados daquilo que realmente era necessário, num período de terceira onda, que ainda tem muita gente morrendo, de aumento de ocupação de leitos no RS, o Tribunal fazer esse movimento por uma pressão externa, principalmente por parte da OAB, pedindo a retomada dos prazos e do andamento dos processos físicos, isso pode levar, sim, à morte de muitos colegas e de seus familiares. Então, isso nos preocupa muito e estamos lutando muito contra isso. Vamos ter um ato no dia 16 de junho para denunciar a incoerência desse retorno precoce. Já estamos até aqui nos segurando, trabalhando nas condições que temos, e agora fazer esse movimento de retorno é muito perigoso. Isso é uma das coisas que mais nos preocupam em relação à pandemia. É esse vai e vem de pessoas, é essa abertura dos fóruns. Sabemos que todos querem e todos precisam do acesso à Justiça, mas a Justiça nunca se negou a estar lá, nem nos piores dias do pandemia. É isso que nos mantém tranquilos e seguros em relação a esse pleito de não retorno, de manutenção dos servidores em regime de tele trabalho.


Leia também
Compartilhe:  
Assine o sul21
Democracia, diversidade e direitos: invista na produção de reportagens especiais, fotos, vídeos e podcast.
Assine agora