Entrevistas
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8 de março de 2024
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16:23

Daiana Santos: Comissão de Direitos Humanos não vai ser usada como palco de tumultos

Por
Luís Gomes
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Daiana Santos foi eleita deputada federal em 2022 com mais de 88 mil votos | Foto: Luiza Castro/Sul21
Daiana Santos foi eleita deputada federal em 2022 com mais de 88 mil votos | Foto: Luiza Castro/Sul21

A deputada federal Daiana Santos (PCdoB-RS) foi eleita na última quarta-feira (6) como presidente da Comissão Direitos Humanos, Minorias e Igualdade Racial da Câmara dos Deputados. Deputada de primeiro mandato, negra, oriunda da periferia de Porto Alegre, ela também é a primeira parlamentar assumidamente lésbica a ocupar o posto. O Sul21 conversou brevemente com a deputada sobre os desafios que ela terá pela frente na presidência da comissão, como a sua trajetória de vida pode contribuir na função e o que esperar da participação da extrema-direita brasileira no colegiado, que já foi palco de diversas embates políticos no passado.

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A deputada pontua que a sua trajetória de vida irá marcar a sua atuação como presidente da comissão, especialmente porque muitas das pautas a serem discutidas no colegiado atravessam a sua vida. Contudo, pontua que a condução dos trabalhos será feita de forma propositiva, com muito diálogo com todos as partes. “A gente não vai dar nenhum recorte ideológico, a gente vai fazer com que tenhamos acordos que sejam bons para a sociedade brasileira”, diz.

Daiana reconhece que a Comissão de Direitos Humanos pode ser um palco para extremismos, mas pontua que não irá permitir que as discussões do colegiado sejam capturadas pela extrema-direita e atrapalhem a condução dos trabalhos. “Não vai ser permitido, de fato não vai ser permitido, que aquele espaço, que é um importante espaço de construção e definição, inclusive definição de recurso, definição de pautas necessárias para que a gente tenha uma outra relação com a realidade que agora fortemente vem, e digo das violências, falo também do racismo, falo também do avanço da necessidade da gente olhar para a redução das desigualdades como pauta dos direitos humanos latentes nessa comissão, nós não vamos permitir que seja usada como palco para que venham a criar tumulto e distorcer definitivamente a função que esta comissão deve e vai exercer durante o ano de 2024”, afirma.

Confira a seguir, a íntegra da breve entrevista com a deputada Daiana Santos.

Sul21 — Qual é a importância da indicação para a presidência da Comissão de Direitos Humanos? Como tu imagina que o trabalho vai ser desenvolvido ao longo desse ano?

Daiana Santos: Eu estou imensamente lisonjeada em estar cumprindo essa tarefa. A indicação para essa comissão, em específico, dos Direitos Humanos, Minorias e Igualdade Racial, para mim é muito cara, justamente pelas pautas que eu historicamente defendo. Na verdade, foram essas as pautas que me levaram até a política. Então, hoje, ter a possibilidade de presidir, de ser essa figura que, ao longo desse ano 2024, vai conduzir essa comissão, isso para mim tem um fator que ele é mais do que essa representação legislativa dentro da comissão, ele é muito sensível para essas pautas e ele fala de mim, da minha vida, da minha trajetória, da defesa daquilo que eu acredito e construo.

Esse é um momento que eu acho que é muito simbólico para o Brasil, muito significativo e rompe uma normativa, inclusive dentro desta comissão, pois é a primeira vez que uma mulher negra, periférica, lésbica, que vem de uma base de comunidade, toma posse nesse lugar. Então, a nossa expectativa real para esse trabalho é que seja um trabalho, primeiramente, com muito diálogo e muito amplo. Mas a gente não vai dar nenhum recorte ideológico, a gente vai fazer com que tenhamos acordos que sejam bons para a sociedade brasileira. Esse é o primeiro ponto. Tem que ter essa articulação com os mais diversos setores da sociedade para que a gente possa garantir que, de fato, esta comissão cumpra com um papel, com a defesa dos direitos humanos em todas as suas camadas, em todas as suas esferas. Sendo assim, eu ressalto a importância, nesse momento histórico, da gente fazer um trabalho em uma perspectiva real antirracista, considerando os últimos períodos nos quais nós temos tido episódios de racismo cada vez mais latentes no Brasil. Onde a maioria é negra, uma maioria de mulheres e também a gente vê um aumento nos feminicídios. Isso é fazer a garantia dos direitos humanos, pensando e pautando projetos que venham a dar conta dessas necessidades. Falando de crianças e adolescentes, mas também debatendo o etarismo, trabalhando uma perspectiva muito ampla da igualdade, da justiça e da memória histórica desse País, porque, desta forma, eu tenho plena certeza que nós vamos desenvolver um trabalho que vai deixar uma marca propositiva dentro da Câmara dos Deputados.

Sul21 — Qual é a diferença que alguém com a trajetória que tu acabou de relatar pode trazer para o próprio desempenho da comissão? Que pautas pode trazer?

Daiana Santos: A sensibilidade que se tem às pautas e essa sensibilidade não é daquilo que se fala, é daquilo que se sente, daquilo que já se viveu, daquilo que se vive cotidianamente, pelo fato da gente ter uma aproximação enquanto mandata, enquanto estrutura, e vou falar inclusive enquanto sujeito atuante neste nesse mundo. Porque, em definitivo, é isso, o que me move para a política é justamente esse desejo de transformação real nessas bases, do Brasil profundo em desigualdade, de reduzir essas desigualdades, de reduzir a fome, de reduzir o racismo, de criar estratégias reais de avanço para esse povo que paga uma conta muito cara e que essa conta tem que ficar bem objetiva de onde ela vem. Que isso ainda é um resquício desta estrutura que foi uma estrutura de colonização que não permitiu de forma igualitária o avanço para todos e todas, considerando a exploração de territórios indígenas, considerando a escravização dos povos negros, mas também considerando que, enquanto essa sociedade foi se modernizando, ela não deu possibilidades e oportunidades igualitárias a todas. Então, essa sensibilidade dessas pautas que me atravessam, incluindo e deixo registrado as pautas LGBTQIA+, porque faço parte dessa sigla e me coloco honradamente como essa primeira mulher assumidamente lésbica a ocupar uma cadeira no Congresso Nacional, isso faz diferença.

A gente faz a defesa das pautas olhando para a vida e para centralidade de um desenvolvimento que perpassa pelo social, mas também pelo econômico, porque a gente trabalha justamente nisso. Nesse resgate da memória e na construção de uma sociedade onde as identidades e a diversidade, principalmente a diversidade, possa resistir e resista latente, pautando a vida. Nós queremos falar é justamente disso, desse desenvolvimento do Brasil que agora retorna e retorna com todos os seus tons de pele, com todo o seu colorido, com toda essa amplitude de pautas necessárias, porque o sectarismo, de fato, nos retira a possibilidade de exaltar e ter aquilo que de mais bonito a gente tem sendo participativo ativamente na nossa sociedade, que é a diversidade do povo brasileiro, cultural, em todos os seus aspectos. Esse sentimento de pertencimento a essas pautas, eu tenho certeza que vai fazer com que a gente tenha uma condução da comissão de maneira muito objetiva, pautando a sociedade brasileira e olhando também, acho importante neste momento ressaltar, que nós temos conflitos externos que impactam aqui no Brasil. Isso, se fala de direitos humanos, precisa estar em debate nesta comissão e nós atuaremos da forma mais direta e objetiva possível para dar conta de todos esses que são temas importantíssimos para o desenvolvimento da sociedade.

Sul21 — A gente sabe que a Comissão de Direitos Humanos foi palco de disputas ao longo das últimas décadas, mesmo antes do fenômeno do bolsonarismo. Teve a questão envolvendo o Marco Feliciano. A gente sabe que uma das armas que a extrema direita tem nesse momento é, na falta de outro termo, bagunçar o funcionamento das coisas e pode-se imaginar que fará isso nesta comissão. Como tu vê essa situação?

Daiana Santos: Acho que a gente está preparada para para tudo que vier. Mas, em definitivo, a Comissão de Direitos Humanos é exatamente isso que tu sintetiza. Ela acaba sendo palco para um extremismo, e vou te dizer que é um extremismo raso em argumento, porque não se sustenta em outra base que não seja de uma falácia ideológica, identitária, criando uma cisão na sociedade. Quer fazer isso e vai querer utilizar, sem dúvida alguma, essa comissão para alimentar essa base que, infelizmente, ainda se condiciona a essas migalhas ideológicas que são jogadas para alimentar isso que a gente já tem visto, que é um fenômeno, e eu até por vezes considero não citar o nome do ex-presidente, porque eu acho que não é este o símbolo dessa organização que vem se dando, até porque eles não têm uma fidelidade a ele. Eles não têm uma fidelidade a esse projeto, eles têm uma fidelidade àquilo que eles conseguem capitalizar por conta desse fenômeno. É totalmente diferente daquilo que a gente luta, que tem como mote um projeto de país organizado e sustentando bases para que todos avancem igualitariamente.

Então, obviamente, esta organização vai estar discutindo nessa comissão, mas eu estou disposta a construir com base no diálogo para que a gente tenha a condução pensada, de novo eu digo, é para o conjunto da sociedade brasileira e não vai ser permitido, de fato não vai ser permitido, que aquele espaço, que é um importante espaço de construção e definição, inclusive definição de recurso, definição de pautas necessárias para que a gente tenha uma outra relação com a realidade que agora fortemente vem, e digo das violências, falo também do racismo, falo também do avanço da necessidade a gente olhar para a redução das desigualdades como pauta dos direitos humanos latentes nessa comissão, nós não vamos permitir que seja usada como palco para que venham a criar tumulto e distorcer definitivamente a função que esta comissão deve e vai exercer durante o ano de 2024.

E, pode ter certeza, ao final desse ano nós vamos ter uma soma de grandes movimentações, porque a responsabilidade que a gente tem com a reconstrução desse Brasil é gigante. Eu só me coloquei à disposição porque sei que é possível somar essas forças com outros e outras que estão também aplicados nesse mesmo sentimento para fazer essa mudança real dentro desse espaço legislativo, que deve cumprir essa função, e não ficar alimentando uma organização que, definitivamente, não conseguiu demonstrar enquanto estava no poder aquilo que veio. Nós vimos muito bem no período de pandemia o quão sofrido foi esse viés ideológico, identitário, raso, limitado, negando as ciências, fazendo com que pessoas perdessem vidas por conta disso. A nossa atuação e o nosso papel é para colocar um contraponto e, definitivamente, criar aí uma perspectiva de avanço e um horizonte mais ameno para toda a sociedade, que precisa e espera que o nosso trabalho seja dessa forma.


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