Educação
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4 de abril de 2024
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17:11

Com salário base de R$ 657, funcionários de escolas no RS protestam: ‘O governador nos esqueceu’

Por
Luís Gomes
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Ato do Cpers reuniu milhares de pessoas na Praça da Matriz | Foto: Maí Yandara/CPERS
Ato do Cpers reuniu milhares de pessoas na Praça da Matriz | Foto: Maí Yandara/CPERS

“Eu sou uma funcionária nomeada, tenho 30 anos de escola já e faz 10 anos que a gente não recebe aumento. É uma situação que a gente não vive, a gente sobrevive. Todas as vantagens que nós tínhamos, o Leite tirou. A gente se sente humilhada, porque quem é que vive com um salário de R$ 657. Não tem como, até o salário mínimo é mais alto que nós. Pela lei, nenhum funcionário independente, seja público ou estatal, poderia ganhar menos do que o salário mínimo, mas o nosso governo faz questão de deixar essa minoria de fora de reajuste”, diz Elen Guedes, funcionária de uma escola de Porto Alegre.

Elen é uma das milhares de pessoas que participaram na manhã desta quinta-feira (4) do protesto organizado pelo Centro dos Professores do Estado do Rio Grande do Sul (Cpers) diante do Palácio Piratini, na Praça da Matriz. Em pauta, a reivindicação salarial dos funcionários de escola, que têm sido excluídos dos reajustes salariais concedidos aos professores durante o governo Leite e que atualmente possuem um salário básico de R$ 657,97, precisando receber um completivo para que seus vencimentos não sejam inferiores ao salário mínimo regional do Rio Grande do Sul — cinco faixas que variam de R$ 1.573,89 a R$ 1.994,56.

“Tu vai te privando de ter uma cesta básica completa, vai te privando de fazer um passeio, vai te privando de estudar, vai te privando de muitas coisas. Enquanto o sistema vai indo, tu vai ficando para trás. Não posso dizer que nós estamos abaixo da linha da pobreza, mas não falta muito. Porque eu não pago aluguel, mas tem muitas pessoas que pagam aluguel, e eu creio que, no fim do mês, tu tem que optar: ou eu como eu pago aluguel, ou eu como eu pago a minha passagem”, diz Elen.

 

Elen (centro) participou do protesto nesta quinta-feira | Foto: Luís Eduardo Gomes/Sul21

Durante o ato, funcionários ligados ao 40º núcleo do Cpers, de Palmeiras das Missões, distribuíram cópias de um contracheque de um colega referente ao mês de março. Além dos valores já citados acima, este servidores recebia ainda R$ 192,00 referentes ao vale-transporte, totalizando vencimentos brutos de R$ 1.903,69.

Por outro lado, tinha descontos de R$ 165,86 de INSS, R$ 59,37 de estorno de auxílio transporte, R$ 61,62 de IPÊ Saúde, R$ 683,70 em três empréstimos consignados junto ao Banrisul — com vencimentos que se estendem até 2033 — e R$ 6,58 de contribuição sindical, totalizando remuneração líquida de R$ 926,56.

 

Contracheque de funcionário de escola exposto durante o ato do Cpers | Foto: Luís Eduardo Gomes/Sul21

“Como que as pessoas vivem com esse salário? Não tem como sobreviver com esse salário. Por isso que hoje a gente está com esse ato que faz parte de uma jornada de lutas mais intensas para que os contratados tenham um salário básico pelo menos igual ao piso regional e, nós que somos de carreira, tenhamos um reajuste”, diz Sonia Solange Viana, coordenadora do Departamento de Funcionários de Escola do Cpers.

Ao longo do ato, os manifestantes entoaram palavras de ordem como “sou funcionário da educação, quero respeito e valorização” e exigiram que o governador apresente alguma proposta para os funcionários de escola. Ao longo de cerca de duas horas, representantes de cada um dos núcleos do Cpers no Estado relataram as dificuldades que vivem e fizeram cobranças.

“Vivo numa situação de miséria. Ou eu como ou eu pago minhas contas. Tenho colegas que ou comem ou compram remédios. Cada dia estamos mais empobrecidos. Estamos lutando pelos colegas que têm medo de estarem aqui, têm medo de terem o ponto cortado”, disse Maria Elizabeth, de São Gabriel.

“Tenho vergonha às vezes de viver. O que a gente coloca todos os dias na panela para as crianças comerem, na nossa mesa falta. Estamos lutando há muito tempo para que tenhamos reconhecimento, mas os contratados têm medo de perder o pouquinho que ganham”, acrescentou Raquel, merendeira há 21 anos na região de Santa Cruz do Sul.

“O que o governador tem contra os funcionários de escola? Por que ele trata a gente como lixo? Ele é filho de uma professora”, questionou Isabel Cristina, de Rio Grande.

Uma funcionária de escola lançou um desafio ao governador: “Será que ele viveria com o salário que paga aos funcionários da educação?” Sendo retrucada por outra: “Isso não paga nem os almoços dele”.

 

Foto: Maí Yandara/CPERS

Segundo Sonia Viana, entre concursados e contratados, o Estado tem hoje 28 mil funcionários de escola. O sindicato não tem um levantamento exato de como esse número se divide, mas a maioria dos concursados estão aposentados ou no final da carreira. Sônia estima que são 7 mil os concursados ainda na ativa.

A dirigente do Cpers pontua que os principais problemas que afetam os funcionários, além da não concessão de reajustes, são o congelamento do plano de carreira, a eliminação de vantagens e promoções, e a não realização de concursos — o último ocorreu durante o governo Tarso Genro (2011-2014).

“Quem entra concursado hoje para o Estado, e não tem concurso há muito tempo, não recebe mais nenhum direito que está lá no Estatuto do Funcionário Público, que são os triênios, a licença-prêmio, não tem mais nada desses direitos. Ele não mexeu no plano de carreira dos funcionários, mas está congelado. Desde 2014 que a gente não tem promoções, que a gente não tem um reajuste digno. O último reajuste digno foi em novembro de 2014, ainda no governo do Tarso, nós recebemos 14,96%, que totalizou 76% nos quatro anos do governo do Tarso. O Sartori entrou, deu zero de reajuste para professores e funcionários. O Leite entrou já com uma defasagem grande salarial e aprofundou. O único reajuste que os funcionários da educação viram foi o 6% aprovado em dezembro de 2021 e pago lá em fevereiro de 2022, e aí nós funcionários nem sentimos esse reajuste no nosso contracheque, porque o nosso salário é muito baixo”, diz.

Ela destaca que, no caso dos professores contratados, o reajuste sequer existiu na prática, uma vez que significou apenas a redução do completivo necessário para que não recebam menos que o salário mínimo regional.

 

Solange Viana | Foto: Caco Argemi/CPERS

Funcionária há 30 anos de uma escola no município de Barra Funda, na região de Palmeira das Missões, diz que a única diferença que ocorreu nos últimos anos é que os funcionários passaram a receber cada vez menos. “O que a gente ganhava há 9 anos, a gente tá ganhando hoje. A única diferença é que temos muito mais descontos, porque a gente começou a pagar o IPE para os nossos dependentes, que antigamente a gente não pagava. Então, está cada vez pior”, diz.

Além do salário já ser baixo, ela pontua que quase a totalidade da categoria paga parcelas de empréstimos ao Banrisul — contraídos principalmente durante o período de parcelamento salarial. “A gente passa o restante do mês sem ter o que colocar na mesa para os nossos filhos. O governador simplesmente nos esqueceu enquanto funcionários. A gente não é lembrado no Estado, o governo não nos reconhece como educadores, mas a gente quer dizer para o governo que a gente é educador sim. Porque a gente educa em todos os ambientes da escola, em todos os locais, a gente educa no pátio, a gente educa na cozinha, a gente educa na biblioteca, na secretaria, em todos os momentos que a gente convive com os alunos”, afirma.

Beloni ainda pontua que os funcionários aposentados, além de terem passado a pagar mais para o IPE Saúde pelo início da cobrança por dependentes — imposta na reforma de 2023 –, também voltaram a contribuir com a previdência a partir da reforma realizada pelo governo Leite em 2019.

“O que o aposentado já tinha contribuído para que tivesse uma aposentaria digna, hoje ele voltou a contribuir. E isso muito se dá pelo fato do governo não fazer concurso público. Como a maior parte dos funcionários hoje no Estado são contratados, contribuem com o INSS, uma hora vai estourar, porque não vai ter como o governo manter a aposentadoria. Então, ele tem que fazer concurso para que as pessoas continuem contribuindo e deixem os aposentados sem esse desconto da previdência, que não é justo para eles”, diz.

 

Foto: Maí Yandara/CPERS

Presidente do Cpers, Helenir Aguiar Schürer diz que, na última reunião que o sindicato teve com a Casa Civil para tratar da situação dos funcionários, realizada no final do ano passado, o governo apresentou uma proposta que elevaria o salário básico destes servidores para uma faixa entre R$ 1,5 mil e R$ 1,6 mi.

“A resposta da Casa Civil é que está sendo feito o estudo. Então, este ato aqui é para que esse estudo se conclua o mais rapidamente possível, mas que, depois de concluso, não vá diretamente na Assembleia, que chame a categoria pra discutirmos, pra gente ver se pode melhorar a proposta ou aceitarmos a proposta como ela vem. Enfim, nós queremos uma mesa real de negociação”, afirma Helenir.

Ela pontua, no entanto, que a reivindicação do sindicato é para que os funcionários sejam considerados educadores e recebam, assim como os professores, o Piso Nacional do Magistério, atualmente em R$ 4.580,57 por 40 horas. A presidente do Cpers lembra que, até 2014, os funcionários de escola recebiam os mesmos índices de reajustes concedidos para toda a categoria. “Sartori deu zero para todo mundo, e o Leite agora tem dado somente para os professores, não incluindo os funcionários”, pontua.

Em nota enviada à reportagem, a Casa Civil afirmou que o governo segue aberto ao diálogo, mas não confirmou o valor da proposta que estaria em estudo. “A democracia demanda a convivência com manifestações e impõe o respeito à liberdade. O governo do Estado segue aberto ao diálogo com todas as categorias de servidores, tendo o secretário-chefe da Casa Civil recebido, recentemente, a diretoria do Cpers. O Estado precisa ter, para atender pleitos que entenda justos, equilíbrio nas contas, tema que tem sido tratado de forma transparente com toda a sociedade”, diz a nota.

A avaliação de deputados estaduais que acompanharam o ato é de que o governador vai utilizar a pressão dos servidores para justificar o aumento de ICMS. Contudo, a leitura é de que a reivindicação dos funcionários não tem ganho tração política entre os parlamentares.

Um novo ato para tratar da pauta, bem como reivindicar uma revisão geral do salário para os servidores públicos do Estado, está previsto para o dia 24 de abril.


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