Educação
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17 de fevereiro de 2024
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08:43

Mudança de endereço do Neeja Paulo Freire preocupa comunidade escolar

Por
Bettina Gehm
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Neeja Paulo Freire terminou o ano de 2023 com 1,9 mil alunos matriculados – esse tipo de escola tem matrículas abertas o ano todo. Foto: Joana Berwanger/CPERS
Neeja Paulo Freire terminou o ano de 2023 com 1,9 mil alunos matriculados – esse tipo de escola tem matrículas abertas o ano todo. Foto: Joana Berwanger/CPERS

A incerteza sobre o futuro do Núcleo Estadual de Educação de Jovens e Adultos (Neeja) de Cultura Popular Paulo Freire preocupa professores e alunos da instituição. O local precisa passar por reformas no telhado e, para fazer a manutenção, a Secretaria de Educação do RS (Seduc) quer transferir os alunos para o prédio da Escola Estadual de Ensino Fundamental Felipe de Oliveira. As escolas ficam a cerca de 5km de distância uma da outra.

O professor de História Sílvio Alexandre Mello de Oliveira leciona desde 2015 no Neeja. Ele alega que a localização da escola, que funciona há 38 anos na rua Coronel Bordini (bairro Auxiliadora), é favorável para os alunos atendidos pela instituição. “É um bom local para os alunos, que vêm de mais de 40 bairros da Zona Norte e de cidades da Região Metropolitana”, afirma. O Neeja terminou o ano de 2023 com 1,9 mil alunos matriculados – esse tipo de escola tem matrículas abertas o ano todo. Em 2024, já são 240 alunos frequentando as aulas.

Embora mais acessível para os moradores da Zona Norte, o bairro Auxiliadora, onde fica atualmente o Neeja, é um dos bairros mais caros da Capital. O metro quadrado de um imóvel custa, em média, R$ 6 mil. O dado é da Pesquisa Mensal para a comercialização de imóveis usados, elaborada pelo Secovi-RS em junho do ano passado. “Querem nos tirar daqui e nos levar para um local que fica próximo de outros dois Neejas, o que seria absurdo”, diz Sílvio. Para o grupo contrário à mudança, a manutenção do telhado poderia ser feita enquanto os alunos frequentam a escola. Eles ainda apontam, como alternativa, a utilização de prédios parcialmente ocupados e que ficam mais perto do Neeja.

O mapa mostra o Neeja Paulo Freire (em laranja), a escola para onde seria transferido (em azul) e os outros dois Neejas perto desse prédio (em verde):

Na tarde desta quinta-feira (15), dois engenheiros da prefeitura fizeram uma vistoria na escola, mas não informaram à equipe diretiva se a reforma do telhado pode ou não ser feita com a presença dos alunos. A direção tinha uma reunião com a Seduc marcada para esta sexta-feira (16), mas a atividade foi cancelada. “Acho que a grande questão da Seduc é a forma como trabalham com a informação. É tudo incerto. Se não tivéssemos nos mobilizado, provavelmente a mudança já teria sido feita”, desabafa Sílvio.

A diretora do Neeja, Joana Ghuellar, também convive com a incerteza. Ela acredita que a estadia no novo prédio possa ser permanente – pela complexidade do processo de mudança– , mas não é contrária à realocação das atividades da escola. “Recebemos alunos de toda a parte. Aqui as salas são pequenas, e a escola Felipe de Oliveira é mais ampla. Poderíamos até aumentar o número de alunos”, alega. Segundo a diretora, o forro da escola está comprometido por cupins, o que coloca os alunos em risco.

Não há data definida para a mudança acontecer. Os professores ficaram sabendo da decisão da Seduc no dia 5 de fevereiro e, desde então, o grupo contrário à mudança buscou apoio na Assembleia Legislativa e se mobilizou através de um abaixo-assinado online, que já tem mais de mil assinaturas. A Seduc informou que a mudança é temporária e tem o objetivo de “garantir a segurança de professores e alunos, além de preservar documentos e dados históricos da escola até que esteja com sua estrutura revitalizada”.

Para o o sindicato dos professores do Estado (CPERS), a mudança de endereço significa cercear o direito à educação daqueles e daquelas que não tiveram a oportunidade de estudar no tempo certo.  “As pessoas não constroem seus vínculos aqui [no Neeja Paulo Freire] por acaso, os alunos e as alunas não estudam aqui por acaso e a gente tem que manter essa identidade. Porque a perda da identidade implica no enfraquecimento de todo o processo de ensino-aprendizagem”, afirma o 2º vice-presidente do CPERS, Edson Garcia.

Movimento da Seduc ocorre em meio a um enxugamento da Educação de Jovens e Adultos (EJA) no estado. Foto: Joana Berwanger/CPERS

William Galho da Costa, de 25 anos, mora no bairro Sarandi e frequenta o Neeja Paulo Freire desde o final do ano passado. “A mudança do local dificulta bastante para nós”, afirma. O aluno faz as contas: diz que gasta no máximo R$ 10, por dia, em deslocamento até o Neeja. Para ir até o novo local, ele e outros alunos teriam que pegar dois ônibus na ida e dois na volta, dobrando o custo do transporte. “Indo três dias na semana, se torna sessenta reais. Eu e outros alunos vamos ter que ir menos dias para a escola, o que vai afetar nosso resultado na avaliação”, conclui. “Eles estão tomando essa decisão como se fosse a vida deles, as condições deles. Mas [a mudança] vai afetar o nosso financeiro. E isso é triste, porque eles não estão pensando em nós”.

O professor Sílvio teme o fechamento permanente do Neeja Paulo Freire. “Os alunos não vão conseguir chegar [à nova sede]”, explica. O movimento da Seduc ocorre em meio a um enxugamento da Educação de Jovens e Adultos (EJA) no estado. O Observatório da Educação Pública, divulgado no início de fevereiro na Assembleia Legislativa, mostra que o número de matrículas no EJA vem caindo desde 2017. São 53,9 mil alunos a menos em cinco anos – período que abrange a pandemia de covid-19. De 2021 para 2022, houve aumento de 8,4 mil matrículas.

“Quase metade da nossa juventude está trabalhando ao invés de estudar”, reforçou, durante a divulgação do Observatório, a deputada Sofia Cavedon. Ela se refere ao dado de que 42,2% dos jovens de 15 a 29 anos trabalham e não estudam. “O EJA é muito importante para essas pessoas. Para eles, o currículo normal, diurno, não serve. Mas o EJA tem sofrido uma queda profunda de atendimento”, afirma. Cavedon relatou que, nos últimos anos, a Comissão tem atendido escolas lutando para manter aberta a educação de jovens e adultos.


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