Educação
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29 de julho de 2022
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09:13

Educação comunitária x lucrativa: Fim de PPGs na Unisinos expõe desafios no ensino superior

Por
Duda Romagna
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Em julho, Unisinos divulgou encerramento de 12 PPGs. Foto: Divulgação/Unisinos
Em julho, Unisinos divulgou encerramento de 12 PPGs. Foto: Divulgação/Unisinos

Entre a quarta (20) e a quinta-feira (21) da semana passada, a Universidade do Vale do Rio dos Sinos (Unisinos) informou parte de seu corpo docente sobre o fechamento de 12 de seus 26 programas de pós-graduação (PPG). A instituição confirmou que serão descontinuados os programas dos cursos de Arquitetura, Biologia, Ciências Contábeis, Ciências Sociais, Comunicação, Economia, Enfermagem, Engenharia Mecânica, Geologia, História, Linguística Aplicada e Psicologia, metade deles com reconhecimento de excelência da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes) com notas entre cinco e seis de um máximo de sete.

O anúncio chocou a comunidade acadêmica e provocou revolta e manifestações online e presenciais. Na terça-feira (26), aconteceu, em frente ao campus da universidade em São Leopoldo, um ato intitulado “Luto pela Ciência e pela Pesquisa”, mobilizando alunos, professores e lideranças sociais.

Diretor do Sinpro, Marcos Fuhr, diz que a decisão da Unisinos foi uma surpresa também para o sindicato. Foto: Igor Sperotto

Segundo Marcos Fuhr, diretor de Políticas Sociais e Serviços do Sindicato dos Professores do Ensino Privado do Rio Grande do Sul (Sinpro/RS), a entidade foi informada no início da semana de que haveria cortes na pós-graduação, “nos informaram que havia terminado o planejamento estratégico e uma das decisões era uma revisão da política da pós-graduação, que haveria um enxugamento dos programas de pós-graduação, não foi muito além disso, foi uma fala muito genérica”, conta. Na quinta-feira (21), ao ficarem sabendo da descontinuidade e da demissão de 40 professores, Marcos conta que a preocupação foi grande.

“São 40 profissionais, todos eles certamente doutores, com uma certa idade, larga experiência de docência, de pesquisa e orientação que dificilmente vão se recolocar no mercado. Não tem concurso nas instituições públicas, as instituições privadas estão todas em crise, sempre demitindo mais do que contratando.”

Para o sindicato, a universidade agiu de uma forma muito drástica. “Entendemos que tenha problemas e dificuldades, a conjuntura é a mais adversa que as universidades privadas comunitárias já enfrentaram, mas, no nosso entendimento, não foram exercitadas as possibilidades de contenção disso”, diz Marcos. A entidade esperava que a universidade realizasse junções de programas para evitar o corte brusco no corpo docente e na produção científica.

Para o diretor, esse caso é uma evidência do cenário atual brasileiro. “Precisamos especialmente apostar em uma perspectiva de mudança em relação à educação e à ciência, nós estamos no fundo do poço, não é possível que essa situação continue, temos a expectativa de que um governo a partir do ano que vem tenha outra proposta política que volte a valorizar a ciência e a educação. E mesmo se não mudar é impossível que continue essa decadência progressiva que temos hoje, porque vamos desaparecer do cenário científico e educacional do mundo, se não houver uma reversão do que está acontecendo.” O Sinpro entrou em contato com a reitoria da instituição para agendar uma reunião acerca do assunto e, até o momento, está aguardando retorno da universidade.

Em nota ao Sul21, a Unisinos informou que está “adotando algumas ações que envolvem o início do processo de desativação de uma parte de seus programas de pós-graduação” para “promover o equilíbrio financeiro da instituição e sua preparação para crescer de forma sustentável nos próximos anos”. A universidade garantiu que manterá a continuidade dos cursos em andamento até que todos os alunos concluam sua formação. No entanto, não informou sobre demissões de professores que integram os programas encerrados.

Sérgio Franco define a situação como angustiante para todas as instituições de educação superior. Foto: Flávio Dutra

O coordenador do Programa de Pós-Graduação em Educação da UFRGS, Sérgio Franco, salienta que, para entender o compromisso de uma universidade como a Unisinos, é necessário esclarecer a diferença entre o ensino comunitário e universidades com fins lucrativos. Em 2013, foi aprovada a lei que regulamentou o funcionamento das Instituições Comunitárias de Educação Superior (ICEs) e autorizou o repasse de recursos públicos para as atividades. As verbas repassadas são utilizadas na prestação de serviços gratuitos à comunidade.

De autoria de Maria do Rosário (PT), o texto descreve características básicas para a qualificação das universidades comunitárias: constituição na forma de associação ou fundação de direito privado, patrimônio pertencente à sociedade civil ou ao Poder Público, não distribuição da sua renda, aplicação integral dos recursos nas suas atividades e desenvolvimento permanente de ações comunitárias.

Lia Maria Herzer Quintana, reitora do Centro Universitário da Região da Campanha (Urcamp) e presidente do Consórcio das Universidades Comunitárias Gaúchas (Comung) e do Conselho de Reitores das Universidades Brasileiras (Crub), considera que o caso da Unisinos não é pontual apenas para as instituições comunitárias. “Significa perda de qualificação, perda de capacitação, perda de profissionais, inclusive acerca dos investimentos que as instituições fizeram para manter estes cursos. Para uma Comunitária que sabe do seu compromisso social e regional, a Unisinos com certeza não teve outra solução a não ser adotar essa medida.”

Para Marcos, a Unisinos é um exemplo de instituição privada com uma envergadura expressiva de programas de pós-graduação, “é de se reconhecer esse perfil da Unisinos, mas isso foi construído numa realidade muito diferente da atual”, diz.

Sérgio explica que a graduação tende a ser o que viabiliza a pós nessas instituições, juntamente ao recurso público investido e à participação de empresas interessadas na ciência produzida. “Alguns países têm empresas que investem muito, as empresas brasileiras não costumam investir em pesquisa e inovação.”

Não são somente as universidades públicas que sofrem com o corte orçamentário federal, declara Sérgio. “O fechamento desses PPGs é um reflexo do corte das bolsas, a Capes transforma bolsas em cotas de empréstimo e quando a pessoa termina seu mestrado ou doutorado essa bolsa some do programa. Isso é sinal da falta de políticas públicas.”

O motivo da pós-graduação custar tanto é a necessidade de uma alta qualificação dos professores e a distribuição de poucos alunos por professor. “O ideal é que um professor tenha até oito alunos orientandos, no máximo 10. Se tiver 10 professores, pode ter 100 alunos distribuídos do primeiro, segundo, terceiro e quarto ano pensando em doutorado. Não é como o caso da graduação, em que se pode ter muito mais alunos por professor”, explica.

O surgimento crescente de universidades privadas com cursos a distância e valores mínimos de mensalidades também é um desafio para que as instituições comunitárias mantenham um padrão de qualidade e o compromisso com a educação. As práticas mercadológicas, de acordo com Sérgio Franco, buscam equiparar comunitárias e privadas. “Esse discurso interessa muito àquilo que a gente chama de ‘privataria’ porque se colocar a Unisinos no mesmo saco que uma privada com fins lucrativos quem sai ganhando é a com fins lucrativos. Uma tem uma história, quer manter essa história e tem compromisso com a educação”, defende.

Ele explica, ainda, que não há como assegurar uma concorrência saudável entre instituições. “Esse é o raciocínio do capital, o que vai acontecer se começar a diminuir essa procura pela educação é que o capital vai embora para outro nicho e a gente vai sobrar com as públicas desmontadas, com as ruínas das comunitárias e a gente vai ter que garantir uma população com formação adequada para fazer essa reconstrução.”

Para Lia Quintana, muitas das instituições privadas com fins lucrativos não têm preocupação com a permanência de estudantes. Foto: Divulgação/Urcamp

Lia reforça que a oferta dessas instituições não se compromete com a qualidade e com a permanência dos estudantes, muito menos com pesquisa, inovação e ciência. “Não pode ser analisado apenas o valor da mensalidade, mas sim o que a instituição contratada entrega pela prestação de serviços. Na questão dos cursos EaD, é investido um alto valor para a captação, mas na retenção e permanência, não. E como o mercado está reagindo a isto? No momento em que um profissional vai com o seu diploma e é apresentado às atividades inerentes à formação, o resultado da qualificação e do conhecimento é o fator determinante para definir quem será o contratado. Precisamos analisar como estamos trabalhando com as competências pessoais, comportamentais e profissionais e isso está relacionado à empregabilidade e à sustentabilidade.”

“É um cenário angustiante, essa situação da Unisinos é um alerta super importante de se notar, com a questão da diminuição de inscrições para o Enem, as sobras de vagas das públicas. O Brasil precisa de uma política educacional integrada de educação básica, superior à pós-graduação, ciência e tecnologia, com política de assistência social”, diz Sérgio Franco.


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