Educação
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19 de fevereiro de 2022
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10:02

Ensino Integral: Porto Alegre retoma proposta sob desafio de dar continuidade

Por
Fernanda Nascimento
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EMEF Porto Novo, no Rubem Berta, Porto Alegre. (Foto: Paula Maia/SMED PMPA)
EMEF Porto Novo, no Rubem Berta, Porto Alegre. (Foto: Paula Maia/SMED PMPA)

Os alunos do ensino fundamental de Porto Alegre retornam às salas de aula na segunda-feira (21) e em cinco instituições o ensino será em tempo integral. A nova tentativa de implantação de um projeto de educação em dois turnos letivos atenderá 1,6 mil dos 38 mil estudantes da rede municipal em nível fundamental. Celebrado pela sociedade, o ensino integral tem um desafio: manter a continuidade das ações.

A nova iniciativa da Prefeitura é chamada de Programa Mais Tempo na Escola e começará a ser implantada do 1º ao 9º ano nas escolas Neusa Goulart Brizola, Porto Novo e Professor Gilberto Jorge; e do 1º ao 4º ano nas escolas Mário Quintana e Professora Ana Íris do Amaral. Todas as instituições já tiveram experiências anteriores no modelo de ensino integral, mas que acabaram sendo interrompidas.

Nas escolas, a expectativa é grande e a iniciativa tem sido elogiada por ter sido desenvolvida em parceria com o corpo docente das instituições. Em projetos anteriores, uma das grandes reclamações dos professores era a terceirização de atividades e o fato do currículo de ensino integral não ter um planejamento articulado, como explica a vice-diretora da escola Neusa Goulart Brizola, Gislaine Marques Leães: “O projeto anterior tinha o turno regular, geralmente pela manhã, e o turno complementar à tarde. Era um currículo regular separado. Era uma escola em tempo integral, mas não um currículo integral”, afirma.

A escola localizada na Cavalhada atende 400 alunos e já havia sido pioneira durante a criação do projeto Cidade Escola, que durante mais de 10 anos desenvolveu atividades no turno inverso às aulas regulares. Naquele período, entre as atividades ofertadas estavam oficinas de capoeira, judô e grafite, além de reforço escolar. No novo projeto de ensino integral, as atividades são divididas em eixos gerais (Linguagens, Matemática, Ciências da Natureza e Ensino Religioso) e específicos (Tecnologia e Sustentabilidade, Iniciação Científica, Corpo Arte, Cultura e Movimento, Linguagens, Identidades e Autonomia, Convivência e Fortalecimento de Vínculos e Tempos, Espaços e Cidadania). De acordo com a secretária municipal de Educação, Janaina Audino, a proposta de currículo integrado pretende “dar conta não apenas dos componentes curriculares, mas também trazer toda a complementação dos temas transversais que são trabalhados para a integralidade do aluno”.

Para a diretora da escola Porto Novo, Carolina Derós, a incorporação de uma matriz curricular integral será fundamental no processo de ensino. “Essa matriz foi feita com a participação dos professores e de uma forma mais fluída na rotina do aluno, para que ele entenda a importância de todos os eixos”, afirma.

A vice-diretora da escola Professora Ana Íris Amaral, Renata Gerhardt de Barcelos, diz que o sentimento da comunidade é de “alegria por retomar um projeto”. “A nossa escola já viveu muitos momentos com projetos de educação integral, é uma escola diferenciada no sentido de pensar a educação de um modo mais pleno. Nós temos isso na nossa identidade”, conta. Na instituição, o ensino integral será ofertado para parte dos estudantes. Renata conta que os pais dos demais alunos “ficaram com um sentimento de que queriam também”. De acordo com a vice-diretora, a organização dos espaços permitirá que o ensino integral seja implementado em todas as séries. Em 2019, quando o projeto foi interrompido na escola, os pais chegaram a fazer um abaixo-assinado reivindicando o retorno da proposta.

EMEF Professora Ana Íris do Amaral, no bairro Protásio Alves, está entre as escolas selecionadas para o projeto.
Foto: Aline Bisso/Divulgação PMPA

A professora e pesquisadora Jaqueline Moll é um dos principais nomes no Brasil quando o assunto é educação em tempo integral, especialmente no ensino fundamental. Docente da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), ela foi uma das coordenadoras do programa federal Mais Educação, que durante mais de 10 anos atendeu oito milhões de alunos em 50 mil escolas do país. Com jornada ampliada para sete horas diárias de ensino, os estudantes realizavam atividades esportivas e artísticas, por exemplo. O programa foi encerrado em 2016, “e foi substituído por um programa de reforço escolar, como se a escola pudesse ser um lugar com uma métrica estrita e não um espaço de desenvolvimento para a vida”, lamenta.

Jaqueline saúda o novo projeto educacional da Prefeitura de Porto Alegre, mas analisa que o número de escolas ainda é muito pequeno. A docente afirma que é preciso que os gestores invistam em projetos de longo prazo. “No Brasil somos campeões de descontinuidades em políticas educacionais. E depois queremos resultados quando a realidade é tão adversa, não só pela pandemia, mas pela desigualdade histórica da população”.

A pesquisadora defende que o município deveria adotar educação em tempo ampliado em todas as escolas. “Isso define as trajetórias de vida. Se o estudante vai ter acesso a um currículo mais restrito ou ampliado, se vai aprender línguas, se vai ter experiência teatral”, analisa.

A continuidade também é uma preocupação da Associação dos Professores Municipais de Porto Alegre (Atempa). O professor e integrante da diretoria da entidade Ezequiel Viapiana diz que a entidade vai acompanhar a implementação do programa com atenção, já que as “últimas iniciativas não deram certo na nossa perspectiva”. O desenvolvimento do projeto apenas com professores do quadro municipal, com 40h de lotação nas escolas, foi saudado, pois era uma das lacunas anteriores. “Havia uma contratação externa à rede, com professores terceirizados, para realizar atividades mais soltas, no contraturno. E isso tem impacto, porque o professor concursado tem uma inserção na comunidade. A contratação de professores externos tem muita rotatividade e não se cria uma relação com os territórios, o que é algo muito importante em escolas de comunidades mais vulneráveis”, explica.

Outra preocupação da Atempa é com os recursos financeiros. “Se não havia recursos, a oferta da educação em tempo integral não era interessante para as escolas, porque acabava precarizando o ensino. Era a mesma verba, para um ensino em dobro”. Por meio da assessoria, a Secretaria Municipal de Educação afirmou que as escolas que participam do programa receberão recursos extras para o desenvolvimento das atividades, especialmente das refeições. Os alunos do turno integral recebem cinco refeições na escola. A secretaria também afirma que pretende ampliar a oferta de ensino integral em 2023.

Escolas como a EMEF Neuza Goulart Brizola já tiveram turno integral, que acabou descontinuado. Foto: Débora Ercolani/CMPA

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