Cultura
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19 de outubro de 2023
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17:02

Entidade vê desvio de finalidade em edital estadual da Lei Paulo Gustavo

Por
Luís Gomes
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Foto: Guilherme Santos/Sul21
Foto: Guilherme Santos/Sul21

A Secretaria Estadual de Cultura (Sedac) tem quatro editais em andamento que irão destinar R$ 63 milhões, oriundos de repasses da Lei Paulo Gustavo (LPG), para o setor audiovisual do Rio Grande do Sul. As inscrições para os editais vão até o dia 25 de outubro, mas a Associação Profissional de Técnicos Cinematográficos (APTC) aponta que em um deles, referente à proposta de criação de um ecossistema regional de audiovisual, apresentaria desvio de finalidade em relação ao que é previsto na Lei.

A LPG tem IV incisos voltados para a promoção do setor audiovisual, cujas diretrizes dividem a política de fomento para o setor em quatro áreas: produção audiovisual (edital audiovisual I), salas de cinema e cinema itinerante (edital audiovisual II), festivais, mostras e capacitação (edital audiovisual III), e ecossistema regional de audiovisual (edital audiovisual IV).

Para a APTC, o problema está no último, que deveria ser destinado para “o apoio às microempresas e às pequenas empresas do setor audiovisual, aos serviços independentes de vídeo por demanda cujo catálogo de obras seja composto por pelo menos 70% (setenta por cento) de produções nacionais, ao licenciamento de produções audiovisuais nacionais para exibição em redes de televisão públicas e à distribuição de produções audiovisuais nacionais”.

Esta definição do objeto está prevista no item 1.1 do edital audiovisual IV, mas a APTC alega que não é isso que está previsto na continuidade do documento, uma vez que ele traz o conceito de “ecossistemas regionais”, em que produtoras precisam firmar espécies de parcerias com instituição de ensino, empresas de distribuição e demais empresas do setor audiovisual para conseguirem ser contempladas pelo edital.

De acordo com a Sedac, o edital audiovisual IV está baseado em uma lógica de criação de Ecossistemas Regionais de Inovação (ERI) “que são, por definição, a formação de uma rede colaborativa, naturalmente organizada ou intencionalmente projetada, composta por atores (quádrupla hélice – empresas, universidades, governo e sociedade civil organizada) interconectados, que compartilham e recombinam recursos tangíveis e intangíveis com o propósito de geração de valor”.

A Sedac pontua que este mecanismo do estabelecimento de ecossistemas regionais de inovação audiovisual “formará um conjunto de empresas que recebem recursos para potencializar ações regionais juntamente com parceiros estratégicos, mapeando demandas das empresas, bem como estabelecendo investimentos em apoio à micro e pequenas empresas, distribuição de obras e licenciamento de conteúdos para a plataforma e/ou TV pública, em conformidade às diferentes especificidades regionais do mercado audiovisual gaúcho”.

Contudo, para a APTC, além do problema de desvio de finalidade, a proposta acarretaria em outras questões, como a concentração de recursos em um grupo pequeno de empresas e instituições de ensino, que seriam poucas e estariam concentradas em poucas regiões do Estado. Um dos elementos que contribuiria para isso é o fato de que a empresa proponente precisa ter anuência de uma instituição de ensino para participar do edital, o que limitaria o número de propostas possíveis.

“Da maneira que se apresenta, o edital não somente não contempla de maneira direta as ações previstas em lei, como promove concentração de recursos e poder curatorial para um grupo muito pequeno de empresas e instituições de ensino. Posto que cada instituição de ensino pode prover carta de anuência para um único projeto, caso hajam dois ou mais projetos pleiteando o apoio de uma instituição, não é democrático que esta seja obrigada a escolher um deles, muito menos que dois ou mais projetos distintos sejam obrigados a unificar suas ações, que podem ser completamente destoantes, limando assim a liberdade de criação das proponentes”, diz ofício encaminhado pela APTC à Sedac em 1º de setembro.

O edital prevê o repasse de R$ 7,5 milhões para a formação dos ecossistemas, com os recursos sendo distribuídos por rateio para nove projetos. Para a APTC, isso significa que empresas menores precisarão se unir com outras empresas maiores para poderem ter acesso ao edital, o que colocaria um “grande poder” nas mãos da empresa que assinar como proponente, que teria a possibilidade de decidir, de acordo com critérios próprios, quais seriam as demais empresas de seu “ecossistema”. “Tendo ainda imenso poder decisório, como proponente, na etapa de execução dos recursos, que deveriam ser pulverizados entre as empresas do setor. As pequenas empresas e microempresas, que são por direito as justas merecedoras destes recursos, ficarão à mercê da boa-fé dos gestores de um punhado de empresas e instituições, em vez de pleitearem livremente por estes recursos que deveriam receber em aporte direto”, diz o ofício.

A APTC pontua ainda que não é contrária à proposta de formação de ecossistemas regionais de inovação, mas que estes não deveriam ser financiados por recursos da Lei Paulo Gustavo, que teriam as diretrizes definidas pelos seus incisos. Outra preocupação da entidade é com o fato de que os recursos da LGP precisam ser destinados até 31 de dezembro, o que dificultaria prazos para ajustes no edital, que já estava originalmente previsto para ser encerrado em 25 de setembro, mas foi adiado por 30 dias.

Procurada pela reportagem, a Sedac diz que o objeto do edital atende integralmente ao disposto no inciso IV do Artigo 6º da Lei Complementar 195/2022, mas que as diretrizes previstas nos incisos da lei não obrigatoriamente delimitam o escopo do edital. “Aproveitamos essa oportunidade para promover o esclarecimento a respeito do que são as diretrizes e o que é o objeto do edital. Diretrizes são normas de procedimento, são linhas que definem e regulam um traçado ou um caminho a seguir. Em uma chamada pública, o que define se este contempla de maneira direta ou indireta as ações previstas em lei é o objeto da chamada. As diretrizes orientam o planejamento e a forma de execução deste objeto. Ou seja, diretrizes não são as ações cuja execução resultará no cumprimento ou não do objeto, e sim uma orientação sobre como deverá ser o procedimento de execução das ações”, diz nota da Sedac encaminhada à reportagem.


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