Cultura
|
29 de julho de 2023
|
09:16

Malvina: Livro resgata história de professora anarquista do interior do Rio Grande do Sul

Por
Duda Romagna
[email protected]
Foto: Divulgação
Foto: Divulgação

O mês de julho marcou o lançamento do livro “Malvina”, uma ficção biográfica que retrata a vida de Julia Malvina Hailliot Tavares, uma professora anarquista que viveu no Vale do Taquari, no Rio Grande do Sul, e que teve seu nome praticamente apagado da história. Laura Peixoto, autora do romance, se debruçou sobre os poucos registros que encontrou e reconstituiu o passado que julgou tão importante. O projeto foi selecionado e financiado pelo Fundo de Apoio à Cultura do RS (Pró-Cultura), por meio da Secretaria de Estado da Cultura (Sedac).

A autora Laura Peixoto é jornalista formada pela Unisinos, com especialização em Filosofia e Educação, na Univates, e em Literatura Brasileira, na UFRGS. Foto: Arquivo pessoal

A autora conta que conheceu a personagem por um vizinho que pensou que sua história poderia lhe interessar. Em sua pesquisa inicial, descobriu que Malvina, nascida em 1866, era considerada uma professora libertária e que teria inspirado líderes anarquistas. A lenda familiar diz que Júlio de Castilhos a transferiu para a colônia de São Gabriel de Lajeado, em 1899, como castigo ou represália política. “Esse vínculo identitário com o movimento anarquista atraiu meu interesse”, relata Laura. 

A pesquisa da autora teria que ser mais aprofundada, porque os registros eram poucos. Visitou Cruzeiro do Sul, uma cidade de pouco mais de 12 mil habitantes, na época colônia, onde a professora viveu durante 40 anos e também onde foi sepultada. Para o seu espanto, até mesmo lá ninguém sabia da existência de Malvina. Realizou entrevistas com os moradores mais velhos das famílias mais antigas e nenhum deles havia ouvido falar dela.

“Invisibilidade total. A memória provoca medo? Julgaram sua trajetória descartável pelo que provocou no povoado naquela época? Por que a primeira professora estadual do Vale do Taquari passou despercebida durante todos esses anos? Sequer nome de rua, de escola, a curiosidade foi grande”, lembra a autora.

O que encontrou foram cartões festivos trocados entre familiares, cartas, fotos com alunos, dois trabalhos de conclusão universitários, páginas de anotações e uma espécie de diário. O material era escasso para uma biografia de Malvina, mas suficiente para inspirar um romance histórico, que mistura a ficção com a realidade para contar um pouco da história de uma personalidade esquecida. 

“A partir da própria história, das lendas familiares, das entrevistas, cheguei à ficção. O livro  cita pessoas que viveram naquela época, com nomes reais, acontecimentos históricos, e um pouco do diário da Malvina. História é memória. Preservar a memória é revolver a identidade de uma comunidade. É justificar seu modo de pensar e de construir o presente”, explica Laura.

Outra mulher histórica foi descoberta em meio às pesquisas, Laura Centeno de Azambuja, que doou o pedaço de terra que iniciou a cidade de Cruzeiro do Sul. “Tudo interessou. Mulheres fortes, decididas, inspiradoras que viveram em uma época de submissão e invisibilidade”, conta. A autora então elaborou uma “linha do tempo feminina”, inserida no final do livro, desde o nascimento da “mãe” de Cruzeiro do Sul até a morte da protagonista, em 1939.

“Minha intuição diz que Malvina Hailliot Tavares foi uma mulher à frente do seu tempo. Se anarquista, não há como provar. Batizou uma delas, Espertirina Martins, e educou vários outros, que se envolveram com a greve de 1917. Como professora, aboliu a palmatória e as humilhações que os alunos sofriam em sala. Deu muita aula ao ar livre, organizou saraus artísticos. Ao chegar no lugarejo, dona do seu nariz, deve ter chocado muita gente. A memória coletiva não a lembrou. Melhor seria nunca mais se falar sobre Malvina, vai que ainda inspire outras mulheres, não é mesmo?”, completa Laura Peixoto. 

Neto de Malvina ajudou a autora com registros familiares. Foto: Arquivo pessoal
Neto de Malvina ajudou a autora com registros familiares. Foto: Arquivo pessoal

Malvina é também avó do jornalista e escritor Flávio Tavares, que, na orelha do livro lançado, expressa a importância da reconstituição histórica, não somente sobre sua avó, mas da totalidade de personagens femininas importantes. “A ficção repara aqui o que a História não fez e confere à Malvina a dimensão real de seu pioneirismo”, diz. 

A obra traz ilustrações de Martina Schreiner e imagens de acervo da família. “Malvina” foi lançado em eventos em Cruzeiro do Sul, Porto Alegre, Encruzilhada do Sul, Lajeado e Estrela entre os dias 10 e 19 de julho. O livro pode ser adquirido diretamente com  a editora Libélula e também nas livrarias Paralelo 30 (Porto Alegre), Papelaria Cometa e Brincasa (Lajeado).


Leia também
Compartilhe:  
Assine o sul21
Democracia, diversidade e direitos: invista na produção de reportagens especiais, fotos, vídeos e podcast.
Assine agora